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A medida que as organizações se tornam maiores e mais complexas, surgem desafios em como coordenar os esforços de diferentes pessoas e grupos. Isso se torna ainda mais relevante em times que possuem grande interdependência entre os seus integrantes e papéis. Percebemos que a facilitação emerge como uma disciplina ou corpo de conhecimento para lidar com 2 problemas fundamentais de times: a dificuldade de coordenação e compreensão.
Problema de coordenação
Garanto que isso não é novidade para você. O problema fundamental número 1, que chamamos de problema de coordenação, é óbvio para todos. Conforme a organização aumenta, também crescem exponencialmente as conexões possíveis e interdependências entre os diferentes papéis e times. Isso faz com que estabelecer acordos, realizar ações e projetos em conjunto se torne cada vez mais desafiador.
Uma evidência disso é a quantidade de reuniões, conversas e “alinhamentos” para tentar tapar esse buraco.
Quando vamos apoiar uma organização com design organizacional, é comum ouvirmos que a “causa raiz” é “problema de comunicação” ou “falta de alinhamento”. Aí está o problema fundamental número 1 – da coordenação.
Problema de compreensão
O que é menos perceptível é o problema fundamental número 2, que chamamos de problema de compreensão. As reuniões e conversas acontecem e os participantes pressupõem que compreenderam e foram compreendidos.
Faça o experimento você mesmo. Depois de uma reunião caótica e sem facilitação, peça para todos anotarem individualmente o que foi acordado durante a conversa. Provavelmente você terá respostas muito diferentes. A frustração dessa expectativa de compreensão (achei que tinha ficado claro que você deveria fazer isso!) gera conflitos, desgaste nas relações e torna a coordenação do trabalho ainda mais difícil.
Em parte, o problema de compreensão é fomentado por uma cultura e design organizacional que incentiva uma postura incisiva, exacerbadamente confiante e confrontativa. Pessoas que se mostram dessa forma nas conversas são promovidas por serem consideradas “bons líderes”, enquanto que as que apresentam dúvidas e incertezas são vistas como fracas e incompetentes.
Certa vez estava conduzindo um treinamento de facilitação em uma organização do setor financeiro com um colega. Montamos uma aula sobre como elaborar boas perguntas e a importância desse tema na facilitação. Enquanto elaboramos um exercício, uma das diretoras que havia contratado o workshop se mostrou inquieta e logo interrompeu dizendo: “Espera aí. Se ficarmos fazendo esse monte de perguntas durante as reuniões, não vamos sair do lugar”. Para ela a tentativa de melhorar a compreensão através de perguntas parecia ser um desperdício e sinal de fraqueza. O teatro corporativo, que envolve fortalecermos uma autoimagem de confiança, é em parte responsável pelo problema da compreensão. Repare na quantidade de afirmações feitas em uma reunião em comparação ao número de perguntas. Esse antipadrão de “afirmar” mais do que “perguntar” é explorado maravilhosamente bem no livro “Liderança sem ego” (Humble Inquiry, em inglês) do Edgar Schein (2018).
A facilitação é um caminho para lidar com o problema da compreensão, pois uma boa pessoa facilitadora pode ajudar os participantes a validarem suas inferências e verificar o entendimento sobre o que foi acordado em uma reunião. Perguntas, paráfrases e sínteses são práticas muito úteis para atingir esse objetivo.
O problema fundamental número 1 – da coordenação – é fortemente influenciado pelo problema número 2 – da compreensão. Ou seja, quando conseguimos ajudar os indivíduos de um grupo a se compreenderem melhor, estamos contribuindo para reduzir também as dificuldades de coordenação. Isso aliado a outras práticas de design organizacional, como acordos explícitos, parece ter um efeito poderoso na resolução de diversas tensões no meio corporativo.
Definição de facilitação
Na literatura encontramos diferentes definições para essa área do conhecimento e também para o papel da pessoa facilitadora:
Para Esther Cameron (2005), uma pessoa facilitadora é aquela que ajuda um grupo a atingir um determinado objetivo acordado em uma conversa, envolvendo todos os presentes. No entanto, a pessoa facilitadora não deve usar das suas preferências pessoais, manipular o grupo ou ser autoritária para atingir esse objetivo acordado.
George Lakey (2010) diz que a facilitação deve se adaptar às necessidades emergentes do grupo mais do que seguir um plano pré-estabelecido. A pessoa facilitadora prepara uma estrutura para uma reunião ou encontro, ao mesmo tempo que flexibiliza essa estrutura frente ao imponderável.
Roger Schwarz (2017), autor do livro “The Skilled Facilitator” define facilitação como “um processo no qual uma pessoa – cuja escolha é aceita por todo o grupo, que é substantivamente neutra e não tem autoridade de decisão – diagnostica e intervém para ajudar um grupo a melhorar a forma como ele identifica problemas e toma decisões, para então aumentar a efetividade do grupo”. Bastante longa mas bem completa.
Para Ingrid Bens (2005), cada pessoa facilitadora deve definir e ter clareza sobre seu próprio estilo e filosofia de facilitação. Ainda assim, ela propõe que a facilitação é um esforço honesto, positivo e transparente com o objetivo de incentivar a participação e empoderamento de um grupo para ajudá-lo a tomar decisões que representam um ganho para todos os envolvidos.
Facilitar é perceber e responder
Para nós da Target Teal a facilitação é um processo de ajuda no qual uma pessoa busca perceber e responder ao que acontece de uma forma que convida outras pessoas a fazerem o mesmo durante uma conversa. Portanto, a pessoa facilitadora se coloca à disposição do grupo para ajudá-lo a perceber suas próprias necessidades e responder a isso.
Por isso concordamos com George Lakey (2010) que a pessoa facilitadora deve estar mais focada em atender as necessidades emergentes do grupo do que se ater rigidamente ao plano. Quando fixamos nossa atenção a um ideal que imaginamos, deixamos de estar atentos às necessidades presentes.
Por um lado, a pessoa facilitadora deve buscar sustentar uma posição de igualdade frente ao grupo, considerando-se parte dele e não alguém que está fora. Assim, quando ocupamos o papel, não presumimos que sabemos o que é melhor para o outro, temos apenas mais uma perspectiva que pode ser interessante ou não. Toda intervenção deve ser consentida.
Por outro lado, também reconhecemos que enquanto facilitadores assumimos uma posição de autoridade que nos é dada. Por exemplo, se somos convidados para facilitar uma reunião operacional recorrente de um time, esse grupo nos concede permissão para fazer escolhas sobre qual a melhor forma de conduzir aquela interação. Sendo assim, não somos “iguais” aos demais membros do grupo nesse aspecto, pois ocupamos um papel que outros não ocupam.
Neutralidade da facilitação
Como parte do grupo, a pessoa facilitadora terá preferências, necessidades e será afetada pelo que acontece na conversa. Um exemplo disso é o apreço que os facilitadores geralmente tem por uma conversa organizada, ou por um determinado padrão de interação. Uma pessoa que é especializada em Estruturas Libertadoras, por exemplo, provavelmente influenciará o grupo a utilizar esse tipo de prática. Eu como tenho um repertório relacionado a autogestão e O2, tendo a propor práticas relacionadas aos grupos que facilito.
Quando a pessoa facilitadora é externa à organização ou ao grupo, como no caso de uma consultora, essas preferências tendem a se manifestar mais na forma ou na estrutura da conversa do que no conteúdo. Embora a neutralidade total nunca seja possível, provavelmente ela não terá tanto interesse no que está sendo decidido pelo grupo e influenciará menos o conteúdo da conversa em questão. Esse é um dos motivos pelo qual as organizações geralmente procuram facilitadores “externos”, pois os conflitos de interesse são reduzidos.
No entanto, no que tange a estrutura da conversa, o formato de interação e as práticas utilizadas, a pessoa facilitadora nunca é neutra. É importante reconhecer e lidar com isso. Conto uma história para ilustrar isso.
Certa vez estava acompanhando um grupo de uma ONG que estava praticando autogestão. Uma pessoa trouxe um item para a pauta que necessitava da aprovação do grupo. A pessoa facilitadora então seguiu o protocolo combinado, que envolvia perguntar para todos se tinham alguma objeção à proposta. O participante então debochou do processo, dizendo, “lá vem esse negócio de objeções que nunca funciona”. Isso me irritou profundamente e interrompi dizendo que estava muito chateado com o comportamento dessa pessoa que frequentemente criticava o processo, mas não propunha mudanças ou encarava isso de frente. Honestamente acho que foi uma boa intervenção, apesar do desconforto que causou. Eu estava sendo neutro? Com certeza não, manifestei minhas preferências e sentimentos. Mas me parece que isso ajudou o grupo a “sentir e responder” ao que acontecia.
Conclusão
A facilitação emerge como uma disciplina fundamental para lidar com os desafios de coordenação e compreensão em times. Ao ajudar os participantes a perceberem as próprias necessidades e responderem a elas, a pessoa facilitadora busca sustentar uma posição de igualdade e, ao mesmo tempo, exercer a autoridade que lhe é concedida pelo grupo. Embora não seja completamente neutra, pode contribuir para que as pessoas explorem diferentes perspectivas e cheguem a decisões que representem ganhos mútuos. Portanto, desenvolver habilidades de facilitação é essencial para aprimorar a colaboração em organizações complexas. Grato por ler até aqui!
Agradeço a revisão carinhosa e colaboração dos meus colegas Ravi Resck, Rodrigo Bastos, Tami Lima, além dos membros da comunidade Aline Figueiredo, Dyego Cantu, Larissa Mayer e Mônica Santos.
Referências
BENS, Ingrid. Advanced Facilitation Strategies: Tools & Techniques to Master Difficult Situations. 1a ed. San Francisco: Jossey-Bass, 2005.
CAMERON, Esther. Facilitation Made Easy: Tips to Improve Meetings and Workshops. 3a ed. London: Kogan Page, 2005.
LAKEY, George. Facilitating Group Learning: Strategies for Success with Diverse Adult Learners. 1a ed. San Francisco: Jossey-Bass, 2010.
SCHEIN, Edgar H. Liderança sem ego: A arte da indagação humilde para construir equipes fortes e comprometidas. 1a ed. : Cultrix, 2018.
SCHWARZ, R. The Skilled Facilitator. 3a ed. Nova Jersey: John Wiley & Sons, 2017.