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O caso dos mineiros de Durham

Após a Segunda Guerra Mundial, as minas de carvão na Inglaterra foram nacionalizadas com a expectativa ingênua de que, quando a mudança fosse feita, a produtividade aumentaria automaticamente e as relações entre trabalhadores e os patrões melhorariam.

Uma enorme burocracia surgiu. No topo da pirâmide estava o National Coal Board (NCB). Cada grupo de minas de carvão que eram geograficamente próximas ficou sob o comando de um gerente de área, que se reportava a um gerente de divisão, que por sua vez prestava contas ao NCB.

Para aumentar a produtividade para a reconstrução do país no pós-guerra, novas tecnologias mecânicas, como correias transportadoras combinadas com máquinas elétricas de corte de carvão foram amplamente introduzidas nas minas. Como consequência, surgiu uma nova forma de trabalhar, chamada método convencional de longwall de extração de carvão.

O longwall era um trecho de superfície de trabalho contínua em uma mina de carvão subterrânea, e tinha normalmente entre 160 até 200 metros de comprimento.

Grupos de mineiros especializados, divididos em subgrupos fixos de 40 a 50 homens, trabalhavam em um ciclo de produção rígido de 24 horas em três turnos. Os métodos de trabalho baseavam-se na lógica de uma fábrica, com divisão de tarefas, status e salários diferentes para cada função e controle hierárquico de um gestor.

Esse desenho era radicalmente diferente da forma tradicional de extração de carvão, que existiu por gerações e era chamado de método single-place. Nessa abordagem, normalmente uma dupla de mineiros versáteis, que cortavam o carvão com picaretas pneumáticas, trabalhavam em uma superfície de carvão de 6-11 metros de comprimento, um “single-place”’. Nesta tradição, um time muito unido de mineiros autos-selecionados consistiam tipicamente de sete ou oito companheiros, espalhados por três turnos e trabalhando na mesma superfície de carvão.

Os homens eram polivalentes e recebiam salários iguais. Os costumes, normas e valores do grupo refletiam uma cultura basicamente igualitária entre os companheiros. Um forte senso de comunidade evoluiu dentro dessas comunidades fechadas de mineração, onde todos se conheciam intimamente. E tudo isso começou a mudar com a introdução de novas tecnologias e um design organizacional que ignorava fatores humanos.

Pelo contrário, a nova organização do trabalho nas minas (longwall convencional) teve origem nas ideias da produção em massa comuns nas fábricas e linhas de produção, de acordo com o princípio bem conhecidos da divisão do trabalho: um-homem-um-(simples)-trabalho.

Apesar da introdução de novas tecnologias, o aumento de produtividade esperado não se concretizou; o absenteísmo entre os mineiros era muito alto e a moral era igualmente baixa. A taxa de acidentes era excepcionalmente alta e havia muitos conflitos entre os gestores e os mineiros.

Em 1951 Trist e Bamforth publicam um artigo relatando os problemas desse processo de transformação e redesenho organizacional. De acordo com os pesquisadores, um desajuste grosseiro entre a nova tecnologia e a divisão do trabalho baseada em ideias sobre eficiência, linhas de produção entrava em choque com a forma tradicional de trabalhar e um sistema de valores consagrados dos mineiros. Esse conflito poderia ser responsabilizado pelos resultados decepcionantes do processo de mecanização.

Para surpresa de todos, em algumas minas, os próprios mineiros, apoiados por alguns gerentes mais esclarecidos, desenvolveram espontaneamente uma alternativa; uma forma de trabalhar muito mais produtiva e socialmente satisfatória, derivada da antiga tradição profissional, mas agora combinada com as novas tecnologias. Como nos velhos tempos, grupos de mineiros tinham novamente a responsabilidade total pela organização e desempenho do trabalho. Eles praticavam, como ficou conhecido, “autonomia responsável” e “autorregulação interna”.

Já em seu artigo de 1951, Trist e Bamforth referem-se brevemente a essas inovações espontâneas da organização do trabalho nas minas, derivadas da velha tradição, mas combinadas com a nova tecnologia.

Bamforth havia encontrado uma mina onde os próprios mineiros, com a ajuda do sindicato e apoiados por um gerente de área inovador, desenvolveram uma nova organização de trabalho, embora para os chamados shortwall onde a face de carvão tinha um comprimento de 30 a 100 metros. A organização operacional novamente consistia em grupos autônomos, desta vez de 25-30 homens. Os grupos eram autogerenciados; ninguém tinha um papel fixo; os homens providenciaram que papéis e turnos fossem trocados entre eles. Como antigamente, os homens administravam todo o trabalho com um mínimo de supervisão.

A rígida divisão de um ciclo de obtenção de carvão havia desaparecido. Novamente, existia continuidade de tarefas. O turno seguinte continuava o trabalho onde o anterior havia terminado. Praticamente qualquer pessoa podia realizar todas as tarefas. Todos os homens de um grupo autônomo recebiam novamente o mesmo pagamento. A produtividade era alta, o absenteísmo era baixo e havia poucos acidentes.

Porém, esse experimento da década de 50 foi abortado, assim como a pesquisa que estava sendo realizada. A razão dada pela alta gerência foi que, em todos os casos, eles estavam preocupados apenas com short-walls.

A administração acreditava que seria impossível trabalhar dessa maneira com grupos maiores necessários para os longwalls. Trist em 1981, olhando para trás para esse momento, comentou: estávamos obviamente ‘indo contra a corrente dos anos cinquenta’. Ele escreveu:

“O Conselho de Divisão temia a mudança de poder que resultaria em permitir que os grupos se tornassem mais autônomos em um momento em que eles próprios pretendiam intensificar os controles gerenciais para acelerar a mecanização total das minas.”

No entanto, Trist e seus colegas de trabalho do Instituto Tavistock não desistiram e acabaram encontrando em Durham, no nordeste da Inglaterra, um conselho divisional e um sindicato interessado nos novos métodos de organização do trabalho. Para surpresa de todos, uma inovação foi descoberta em uma das minas de Durham que todos pensavam ser impossível: uma face de carvão longwall de corte mecanizado completo operado por um grupo autônomo auto-selecionado composto por 41 homens multi-qualificados. Trist et al. (1963) explicam que eles “se auto alocavam nas tarefas e turnos e recebiam um pagamento igual”. O racional era: todos os homens fizeram uma contribuição equivalente merecendo o mesmo prêmio.

O grupo era responsável por todo o ciclo de preparação, lavra e avanço. A velha tradição do método single-place e seus valores igualitários foram restaurados, e desta vez para um grupo muito maior de pessoas. Por maior que fosse, é interessante ressaltar que o grupo não tinha líderes formais. A liderança foi distribuída por todo o grupo, embora às vezes os capitães das equipes fossem eleitos, mas eles eram “representantes em vez de executivos, e o grupo distribuía a responsabilidade do ciclo igualmente entre todos os membros.”

Ao contrário do método convencional longwall, outro aspecto extremamente importante do novo método, chamado longwall composto, eram os “objetivos em comum”. Trist explica: uma vez que colaboradores e gestores no método longwall composto compartilhavam o objetivo comum de conclusão do ciclo de operação, eles podiam cooperar de uma maneira não possível quando as responsabilidades da tarefa e do ciclo eram divididas entre o que pertencia à gestão e do que deve ser do trabalhador. ”O gerente não estava mais envolvido em discussões intermináveis ​​sobre “trabalho não apontado” e podia se concentrar em suas próprias tarefas de permitir que o grupo trabalhasse com eficácia. Trist notou que “ a melhoria da qualidade das relações com os funcionários estava em notável contraste com a atmosfera prevalente em ambientes convencionais”.

Com isso surge uma pesquisa intensa comparando as duas abordagens de longwall, a convencional e a composta. E os resultados foram surpreendentes.

As diferentes abordagens do trabalho davam origem à diferença na proporção do tempo gasto em atividades necessárias para o progresso do ciclo. No sistema longwall convencional, havia muito trabalho auxiliar não produtivo necessário para manter o ciclo em andamento. Essas atividades fora do ciclo representavam um surpreendente “um terço de todas as atividades”. Para o método composto, isso era insignificante, apenas 0,5%.

As relações intergrupais no longwall convencional eram muito mais competitivas que no método composto, ao mesmo tempo que silos eram formados. Um indicador notável era que a ausência devido a doença, acidente ou sem motivo específico, no grupo composto era 60 % menor do que no método convencional. Outra grande diferença era que no longwall convencional cerca de 70% dos ciclos ocorriam paradas, gerando atrasos. Esse número baixou para 5% no longwall composto.

Ainda mais importante, e no que todos estavam altamente interessados, era o nível de produtividade. Trist e seus colaboradores foram enfáticos ao dizer: “o longwall convencional, em termos de produção por homem-turno, rendeu 3,5 toneladas e o composto 5,3, ou seja, impressionantes 50% mais produtividade.

Uma conclusão geral deste estudo é que no método longwall convencional o fluxo de trabalho é atrapalhado, por distúrbios induzidos por um sistema social disfuncional; enquanto, no longwall composto, o trabalho é facilitado pelo design organizacional. Ou nas palavras de Gerrit Broekstra no livro Building high-performance, high-trust organizations. Springer, 2014:

“Em nenhum outro lugar do que neste estudo, foi ilustrado de forma mais impressionante quais são as diferenças entre uma organização complexa com tarefas simples – a organização mecanicista como uma máquina com pessoas substituíveis que vivenciam o trabalho como sem sentido – e uma organização simples com tarefas completas complexas; a organização sócio-sistêmica, na qual as pessoas podem aprender e se desenvolver, co-decidir o que precisa ser feito e, portanto, vivenciar o trabalho como significativo.”

Outra conclusão geral é que não existe algo como um “imperativo tecnológico”, onde a tecnologia dita uma forma organizacional específica. Como Trist disse: “inerente à nossa abordagem sociotécnica é a noção de que a obtenção de condições ótimas em qualquer dimensão não resulta necessariamente em um conjunto de condições ótimas para o sistema como um todo”.

“É o ajuste perfeito entre a organização humana e os requisitos tecnológicos que, em última análise, determina a eficiência de todo o sistema.”

Eric Trist

Epílogo

O relatos históricos mostram que o método long-walll composto ficou restrito à poucas minas e por um breve período apenas. Ficou encapsulado e impedido de ser disseminado. Tudo indica que aumentar a eficiência era um objetivo secundário para os gestores daquela época. Outras coisas estavam em jogo além da mecanização e aumento da produtividade.

Na sua visão, o que estava em jogo que acabou encapsulando e condenando experiências como a relatada pelo Eric Trist?

Nos dias de hoje, o que pode ser feito em sua visão para evitar que novas abordagens e métodos de trabalho sofram o mesmo destino?

Referências:

TRIST, Eric Lansdown; BAMFORTH, Kenneth W. Some social and psychological consequences of the longwall method of coal-getting: An examination of the psychological situation and defences of a work group in relation to the social structure and technological content of the work system. Human relations, v. 4, n. 1, p. 3-38, 1951.

TRIST, Eric L. The evolution of socio-technical systems. Toronto: Ontario Quality of Working Life Centre, 1981.

BROEKSTRA, Gerrit. Building high-performance, high-trust organizations: Decentralization 2.0. Springer, 2014.

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