Os últimos anos foram, pra mim, anos de muito aprendizado sobre design, inovação e organizações. Com muitas ideias na cabeça, esse texto é uma tentativa bem intencionada de sumarizar e sistematizar um pouco desses aprendizados, aproveitando também para compartilhá-los com você e, quem sabe, aprendermos juntos.
Basicamente, o que quero compartilhar é como enxergo a atuação das empresas hoje em termos de inovação. A forma como encontrei de sistematizar isso criando um modelo que chamei de “3 níveis de Inovação”.
Como qualquer modelo, ele simplifica algo que é complexo – e, portanto, é falho – mas a minha intenção ao compartilhá-lo é a de oferecer a você uma estrutura sobre a qual pode enxergar as iniciativas de inovação dentro da sua empresa e, quem sabe, te ajudar a ganhar insights sobre como direcionar seus esforços de inovação em 2020.
O que é Inovação
Antes de mais nada, embora já bastante recorrente no meio empresarial, percebo que o termo “Inovação” gera ainda muito ruído por conta de diferenças de entendimento. Por isso, acho que vale a pena, antes de entrar diretamente no tema, dizer o que entendo por inovação:
“Inovação é algo novo que, posto em ação, gera valor percebido.” Bruna Rezende, CEO da Laje
Repare que, segundo essa definição, inovação não tem a ver necessariamente com tecnologia, como muitos pensam. É uma definição ampla e, ao mesmo tempo, simples. Nesse entendimento, apenas três coisas são necessárias para algo ser inovador: ser novo, ser colocado em ação e gerar valor percebido.
3 níveis de Inovação
Dado esse primeiro entendimento, hoje vejo empresas atuando em três níveis de inovação:
- “O que fazemos”
- “Como fazemos”
- “Como nos organizamos para fazer”
Primeiro nível: o que fazemos
O nível do “o que fazemos” trata daquela inovação que se dá principalmente na criação de novos produtos ou serviços: lançamento de novas linhas de produtos, novos serviços, novas funcionalidades no app, etc. Acredito que seja o nível mais comum de se encontrar empresas atuando.
E faz sentido. Afinal, “o que fazemos” gera impacto no negócio e nos clientes (positivo ou negativo) e é o nível mais fácil de se mudar e de se gerir.
Nele, as coisas são mais tangíveis, palpáveis. Podemos perceber de forma mais direta a existência delas ou não. Perguntas comuns nesse nível de inovação podem ser: o app que queríamos foi criado? a funcionalidade que imaginamos subiu para produção? Criarmos quantos novos produtos/serviços este ano?
Perceba que, quando criamos algo novo a partir somente desse nível, do “o que fazemos”, estamos normalmente preocupados justamente com isso: que algo novo seja feito. E, normalmente, a decisão do que será feito é tomada por alguma pessoa com poder institucional na empresa, a partir do que ela gostaria que fosse feito.
Algumas vezes, coisas que são criadas por empresas atuando nesse nível conseguem ser colocadas em ação e geram realmente valor a alguém.
Mas, pelo que vejo acontecendo, atuar somente nesse nível é bastante ineficaz. Isso significa que, das coisas novas que são feitas, poucas viram, de fato, inovações.
Isso acontece por vários motivos, mas arrisco listar três principais: falta de clareza e contexto sobre quem irá se beneficiar do que foi criado, muita demora para colocar a ideia à prova e falta de medição dos resultados.
Foi percebendo isso que, recentemente, as empresas começaram a se aprofundar em melhores modos de se fazer inovação, indo para um segundo nível.
Segundo nível: como fazemos
O segundo nível, o “como fazemos”, trata sobre modos de pensar. É aqui que enxergo, por exemplo, a atuação do Design Thinking, do Lean Startup e da mentalidade Ágil.
São mentalidades e abordagens de trabalho que carregam alguns pressupostos diferentes do que está usualmente posto na gestão tradicional. Entre eles: design centrado no usuário, testes de hipóteses, prototipagem, ciclos rápidos de aprendizagem, medição de valor, foco em resultados (e não em entregas), etc.
Perceba que esse segundo nível engloba também o primeiro. Continuamos criando coisas novas. Mas aqui o olhar é outro. Agora, estamos atentos também para a maneira “como vamos criar”.
Assim, começamos aqui a entrar numa zona mais cinzenta sobre tangibilidade e objetividade. Quem está acostumado com manuais de instrução sobre como fazer as coisas normalmente tem dificuldade em navegar por essas águas.
Afinal, quando saber se uma hipótese está validada? Quem devemos juntar para a construção conjunta de uma ideia? As certezas começam a ficar mais diluídas, muitas ambiguidades surgem no caminho e novos tipos de competências, mais softs, começam a ser necessárias, como a habilidade de escuta ativa, criatividade e colaboração.
É nesse momento de transição que a maioria das empresas preocupadas com inovação estão, acredito. Isso se dá porque a eficácia trazida pela mentalidade presente nessas abordagens ao processo de inovação é inegável.
Atualmente, tenho uma percepção de que as empresas estão começando a colocar os usuários no centro, as ideias estão começando a ser testadas de formas mais rápida e, caso não funcionem, estão começando a ser adaptadas de forma contínua no caminho.
Destaco o estão começando porque fazer tal mudança não é um processo simples. Por se tratar de uma mudança de mentalidade de trabalho, ela se dá de forma gradual e, portanto, ainda vai levar algum tempo até que essas abordagens consigam entrar realmente “no sangue” das empresas.
Até lá, muitas empresas não entendem realmente as propostas e empregam somente algumas práticas advindas dessas novas abordagens (como forma de mostrar que não estão ficando para trás), mas, de fato, não as vivem, em essência.
É frequente, portanto, encontrar culturas organizacionais que limitam a potência proposta pela mentalidade das novas formas de “como fazer”.
Para trabalharem a cultura organizacional, essas empresas normalmente procuram por treinamentos ou capacitações formais para que as pessoas estejam mais aptas a lidar com os novos contextos que, no dia a dia, se apresentam. De fato, essa é uma possibilidade. Mas há também outros caminhos, provavelmente mais eficazes.
É nesse contexto, de necessidade de criação de outras formas de potencializar a inovação, que algumas empresas sentem a necessidade de ir para o terceiro nível.
Terceiro nível: como nos organizamos para fazer
Finalmente, chegamos ao terceiro nível: como nos organizamos para fazer.
Nesse nível, atuamos nas formas de trabalho, ou seja, como o(s) time(s) se organizam para realizar o trabalho: como são divididos os papeis e responsabilidades? como são tomadas as decisões? Como damos clareza sobre o que é prioridade? etc.
Vejo normalmente essas decisões sobre “como trabalhamos” sendo tomadas sem muita consciência, sem uma forma intencional, porque imaginamos que só há um jeito de se fazer as coisas ou porque ali “as coisas sempre foram assim”.
E essas decisões inconscientes impactam muito no que se torna possível alcançar pelo trabalho feito numa organização. Principalmente no quesito inovação, isso se torna ainda mais evidente porque essas decisões inconscientes limitam muito os campos de atuação possíveis e, consequentemente, os lugares em que a organização pode chegar em termos do “novo”.
As empresas que estão inovando nesse terceiro nível são, portanto, aquelas que já perceberam a enorme influência que o contexto em que estamos inseridos têm sobre nossas ações.
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Experimento de Solomon Asch sobre conformidade social
No vídeo acima, podemos observar como o participante do experimento se molda à opinião do grupo, mesmo parecendo saber que a opinião que está dando não é a que acredita ser a correta. Agora, imagine a frequência que isso ocorre em organizações e as consequências que isso pode ter!
O terceiro nível trata, portanto, de repensar, além do que vamos fazer e como vamos fazer, como vamos nos organizar para isso. Perceba que esse nível, novamente, engloba, assim, também os outros dois.
Gestores que atuam nesse nível de Inovação são aqueles preocupados em desenhar contextos e sistemas sociais mais favoráveis para que surjam comportamentos mais condizentes com a cultura que querem estimular.
“Uma organização é somente mais um sistema social… gestores são responsáveis por gerir o sistema e não as pessoas que estão nele”
– Jurgen Appelo, autor do livro Management 3.0
É nesse terceiro nível que enxergo a atuação dos métodos ágeis, do Management 3.0, da Sociocracia, Holacracia, O2, etc.
É nesse terceiro nível também que encontra-se uma abordagem que vejo ganhando cada vez mais força, e que passei a conhecer com mais profundidade através do Programa de Desenvolvimento de Facilitadores (que, aliás, está com inscrições abertas) da Target Teal: a do Design Organizacional.
Da forma como enxergo, o Design Organizacional pode ser compreendido como a adoção do processo do design no contexto do projeto das formas de trabalho, seja de uma organização como um todo ou de uma ou mais equipes.
“Faz design quem projeta cursos de ação com o objetivo de transformar situações existentes em outras situações preferidas”
– Herbert Simon, teórico responsável pela noção do design como “forma de pensar”
Alguns problemas comuns que encontramos nas organizações e que servem de insumo para esse tipo de trabalho são:
- Falta de alinhamento quanto ao objetivo do trabalho
- Nebulosidade quanto a divisão de papéis
- Dificuldade de manter conversas difíceis
- Falta de autonomia ou autorresponsabilização
- Dificuldade de priorização
- Falta de visibilidade do todo
- etc.
E, nesses contextos, esses são alguns exemplos de propostas de trabalho que podemos trazer à organização ou equipe, em forma de experimentos simples, para se alinharem mais ao que a organização quer construir:
- Papéis explícitos e iterados continuamente
- Mediação de conversas
- Clareza sobre contornos de autoridade
- Criação de processos decisórios estruturados
- etc.
Pode não ser intuitivo, mas é aqui que vejo estar o maior potencial de mudança cultural dentro de uma organização e, consequentemente, o maior potencial de alavancagem dos resultados que a inovação pode trazer a uma empresa.
Para além dos três níveis?
Como comentado, essa é uma reflexão em construção, e adoraria receber feedbacks e outras perspectivas sobre o modelo.
Espero que esse texto tenha sido útil também em te ajudar a gerar insights sobre como melhor direcionar os esforços de inovação na sua empresa. A minha atuação como consultor de inovação organizacional vem se dando no apoio a empresas a atuarem cada vez mais nos níveis 2 e 3.
Caso tenha ficado interessado, vamos marcar uma conversa.
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