Ah, esse título é muito chamativo, né!? O famoso click-bait. Peço desculpas por usar essa artimanha, mas prometo que tenho uma intenção didática.
Alguma coisa ali parece pretensiosa demais, certo? Se sim, pare um momento para reler o título e reflita: Qual das palavras utilizadas é a mais responsável por esse desconforto? Aposto que você já ouviu alguém dizer algo como:
- “Nós precisamos garantir que…”,
- “Isso vai garantir que…”,
- “O que você vai fazer para garantir isso?”.
Ou qualquer outra variação do uso dessa palavrinha maldita, principalmente durante reuniões. Já sabe de qual palavra estou falando? Se você disse “garantir” vai ganhar uma estrelinha, e talvez repare a partir de agora que escuta isso o tempo todo.
Pois é, toda vez que ouço alguém dizer algo assim costumo me perguntar: Tá, mas vai garantir como? Magia? Ameaçando alguém com uma metralhadora? Ou simplesmente esperando que todos os átomos do universo se comportem da forma que você quer?
Mas antes de entrarmos numa conversa um pouco menos dramática, vamos tentar entender a origem desse fenômeno? De acordo com alguns dicionários, “garantir” pode significar:
- Afiançar, responsabilizar-se por; incumbir-se de; (“garantir o funcionamento de um aparelho vendido; garantir a execução de um serviço.”).
- Afirmar com segurança; assegurar; (“garantir o futuro dos filhos.”)
- Assegurar a veracidade de algo; asseverar; (“garanto que isso é verdade.”).
- Pôr-se ao abrigo de; livrar-se, defender-se; (“garantiu-se contra as ameaças recebidas.”).
Garantir tem origem no francês antigo (“GARANT”, do Frâncico “WARAND”, do Germânico “WAR-“), significando “avisar, guardar, proteger” ou mesmo “ser responsável pelas obrigações do outro”, e já sua origem no árabe (“RIHAN”) pode significar “refém, prenda, penhor”. Refém pegou pesado, né?! Tá aí a primeira pista do argumento que estou começando a construir.
Acho inclusive, bastante questionável usar essa palavra até mesmo no âmbito jurídico, visto a quantidade de leis que buscam “garantir” alguma coisa e, no final, simplesmente não nos garantem nada. Acabamos gastando um caminhão de dinheiro com advogados/as quando precisamos lutar por nossos direitos (sem nenhuma garantia de sucesso no caso, claro!).
Garantias Corporativas
Para mim o uso, principalmente corporativo, se transformou em uma verdadeira maldição, ou uma brincadeira bilateral de mau gosto, de mentira e dissimulação. Exagerado? Talvez não.
Quem pede para o outro garantir algum resultado numa realidade tão incerta está fazendo um convite para ser enganado, talvez de propósito. “Pronto, já pressionei o outro, fiz meu trabalho.” Já quem está na outra ponta dessa conversa e promete alguma garantia está simplesmente jogando o jogo, evitando as conversas mais difíceis e esclarecedoras. Mas não quero transferir a responsabilidade para o elo mais fraco desse cabo de guerra. Reconheço a falta de segurança que leva as pessoas a prometerem garantias.
Continuando a saga de sinônimos de garantir, aqui está mais uma pista da intenção desse texto. Um dos sinônimos que você vai encontrar é exatamente “prometer”! Afinal, estamos esperando um resultado ou buscando uma promessa? Tem até um artigo interessante sobre promessa e confiança no blog da Target Teal que super recomendo como uma leitura complementar.
Será que isso é tão ruim assim?
Sou reconhecido nos meus clientes por criticar o uso dessa palavra. Até consigo imaginar algumas pessoas pensando: “Ai que cara CHATO! Para de me encher a paciência! Eu uso a palavra que eu quiser, pô!”. De fato, a comunicação é uma escolha, mas quero te propor uma reflexão: Será isso uma forma de evitar o acompanhamento de algo de sua responsabilidade? Ou uma forma de manter uma distância segura e que permita transferência da culpa caso aquilo que você esperava não seja entregue?
Já me peguei refletindo se não existem necessidades e intenções menos manipuladoras, e talvez a pessoa que pede garantias está apenas buscando alguma segurança. Mas isso também não ajuda em nada. A distância pode ser intencional, afinal quanto mais superficialmente lido com algo, menos tempo isso me exige e mais coisas consigo acompanhar (de novo superficialmente, claro). Ainda assim, o uso dessa palavra me preocupa pois abre um precedente para justificar violências, desde a alteração do tom de voz (na hora da comunicação de um fracasso) até o desprestígio no futuro por quem não conseguiu alcançar o que foi prometido.
Quem pressiona o outro a garantir um resultado futuro em uma realidade incerta e cheia de interdependências, muitas vezes ainda não percebeu o mal sistêmico que isso pode causar. Garantir algo tira a atenção ao presente e reduz a liberdade, a adaptação e a criatividade. Centraliza o foco no risco. A pessoa pressionada em garantir algo dificilmente vai inovar. É mais uma das heranças de um paradigma da gestão linear e reducionista, que como fez sucesso no passado, quando a sociedade era bem diferente, continua sendo aplicado até hoje.
Outro potencial negativo que percebo é a normalização da ambiguidade (quando intencional, afinal toda comunicação é de um certo nível ambígua) e também da generalização. Quanto mais usamos palavras subjetivas como garantir no nosso vocabulário, mais difícil se torna compreender o que é de fato esperado de cada um. Ou seja, quanto mais genérico sou quando peço algo ou quando prometo algo, mais difícil se torna para quem está envolvido estabelecer o que de fato está foi acordado. Isso pode levar as pessoas a recorrerem ainda mais às posições de poder para validação dos acordos e mediação de conflitos, reforçando o bom e velho paternalismo/maternalismo muito presente nas organizações.
E a situação se torna ainda mais problemática quanto essa generalização é intencional! É a instrumentalização de um recurso manipulativo que pode ser então acionado a posteriori. Peço garantia (ou dou garantia) de algo genérico para que eu não tenha que especificar a coisa no presente, e possa dessa forma argumentar, no futuro, que algo não atendeu as minhas expectativas (afinal era genérico) ou que o resultado esperado não estava claro pra mim.
Garantias em outros aspectos das nossas vidas
Saindo um pouco do contexto organizacional, você pede garantias quando vai ao médico? Ou você que é médico, dá garantia quando atende um paciente? E quando contrata uma corretora de investimentos? Pede garantia de lucro? Não né?! Mesmo que esteja lidando nesses dois exemplos ou com a sua vida ou com o seu dinheiro. Mas aposto que você pede garantia quando vai no mecânico ou quando compra um produto físico. E com razão! Tenho uma hipótese que envolve principalmente 2 fatores.
O primeiro é a diferença entre trabalho complicado e trabalho complexo. O trabalho complicado pode até conter muitas etapas mas a quantidade de variáveis, incerteza e dependências é muito menor. Arrumar a suspensão do seu carro, por exemplo. Já o trabalho complexo é cheio de variáveis, incertezas e dependências, como a realização de uma cirurgia delicada ou tratar uma doença crônica. É possível esperar previsibilidade de coisas mais simples e até complicadas, até certo ponto, mas uma ingenuidade esperar essa mesma previsibilidade daquilo que é complexo.
O que acontece é que a natureza de grande parte do trabalho moderno é criativo, interdependente e subjetivo, ou seja, do tipo complexo. Não tem mais a mesma previsibilidade do cenário industrial do passado recente e nós continuamos esperando das pessoas (os tais dos recursos) o mesmo comportamento de uma linha de produção (previsível e independente).
Já o segundo fator é a diferença entre trabalho fácil e o trabalho difícil. O trabalho fácil é o trabalho do outro, já o meu é normalmente difícil. Ou seja, temos o costume de esperar garantias do trabalho do outro mas dificuldade de oferecer garantias daquilo que é esperado de nós.
Mas afinal qual é a tal fórmula mágica?
Vou reforçar o óbvio correndo o risco de parecer pretensioso: não existem certezas e muito menos garantias! Então voltando ao título desse artigo, você esperava uma fórmula, certo? Ela é muito simples. Te convido a eliminar completamente o uso dessa palavra do seu vocabulário, especialmente no contexto profissional!
Esperar garantias é uma significante de um paradigma orientado a resultados, apoiado na fantasia de nossa capacidade de previsão do futuro, que não deixa de ser uma estratégia de dominação. E em certos contextos isso pode ser até mais perverso que a microgestão, não acha? Ou seja:
- Ao invés de perguntar: “Você me garante que este relatório estará pronto nesta sexta?”, que tal ser mais claro com o que precisa, algo como: “Para atender os prazos legais, preciso enviar meu relatório até sexta. Você pode priorizar esse pedido por favor? Podemos combinar uma atualização semanal sobre ele se for necessário?”. Ou seja, substitua um pedido com “garantir” por uma frase que revele suas expectativas claras.
- Ao invés de responder: “Eu garanto que o relatório estará pronto na sexta!”, que tal algo como “Ok, entendi a importância disso, a preparação do relatório será minha prioridade!”. Ou seja, substitua promessas por uma explicação do que de fato você pretende fazer.
Pronto, acredito que essa pequena mudança vai “garantir” muito sucesso para você. Confie em mim!