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2 tipos de Gestão de Mudança: Puxada e Empurrada

Gestão de Mudanças e Navegação

Imagine, por um momento, que você está no leme de um grande navio. À sua frente, o oceano se estende vasto e imprevisível. Você tem um mapa e uma bússola — planos meticulosamente desenhados e estratégias claramente definidas para chegar em algum lugar. Mas o mar é um mestre inconstante, e o tempo muda rapidamente. O que você faz quando uma tempestade surge inesperadamente? Segue rigidamente o mapa, ou adapta o curso à medida que as ondas e o vento exigem?

Não são apenas os mares que possuem uma natureza inconstante e imprevisível, grande parte do nosso universo social também compartilha dessas qualidades. Dentro disso, as organizações enfrentam diariamente cenários de imprevisibilidade.

Essa é a questão que qualquer organização enfrenta diariamente. As abordagens tradicionais de transformação organizacional, muitas vezes “empurradas” de cima para baixo, são como seguir rigidamente o mapa, sem atender às ondas de mudanças tecnológicas, econômicas e sociais que podem alterar o curso a qualquer momento.

Neste artigo, explorarei a importância crescente das abordagens “puxadas” de transformação organizacional, aquelas que se adaptam, aprendem e respondem às condições emergentes, sem um roteiro imutável. Este tipo de abordagem pode parecer menos direta, mais parecidas com ajustar as velas ao vento do que seguir um curso predeterminado.

Usarei um termo bastante conhecido no mundo Lean e Kanban que é a noção de fluxo puxado e empurrado.

Abordagens Empurradas de Mudança Organizacional

Gestão de Mudança Empurrada

Você provavelmente já viu essa cena. Uma sala de reunião está tomada por um arauto corporativo que solta jargões vagos como “transformação disruptiva” e “sinergia de stakeholders” enquanto o projetor exibe um powerpoint intimidante, repleto de gráficos e diagramas complexos. As pessoas fantasiam que aqueles diagramas respingados de setas e caixas de texto são prova incontestável de que algo profundo está sendo criado. Olhares sérios são trocados, acenando que sim- “este é um trabalho muito sério”.

A reunião se arrasta por horas a fio, discutindo detalhes de um plano que já foi esculpido em pedra antes mesmo de sair do forno. Métricas mirabolantes são propostas para alimentar dashboards rebuscados, dando a ilusão reconfortante de controle. Todos parecem hipnotizados pela falsa sensação de estarem conduzindo a mudança, quando na verdade estão apenas empurrando papel de um lado para o outro.

Após os ritos seculares das reuniões, os engenheiros da transformação se retiram para elaborar mais um interminável ciclo de relatórios, blindados em suas torres de marfim contra os ventos da adaptação real.

Quando falamos em gestão de mudança através de abordagens empurradas, o que frequentemente vem à mente são planos meticulosamente detalhados, estratégias ambiciosas e uma visão clara e imutável do futuro. Essa abordagem, amplamente adotada em muitas organizações, reflete uma crença na previsibilidade e na capacidade de moldar o ambiente ao redor.

O objetivo é antecipar desafios e resistências, criando estratégias para mitigar riscos antes que eles se manifestem. A liderança busca controlar tanto o processo quanto os resultados da mudança, esperando que cada etapa ocorra conforme planejado.

Características Principais das Abordagens Empurradas

  • Planos Detalhados e Visão Definida:
    • As abordagens empurradas começam com a definição clara de objetivos e uma visão detalhada do estado desejado. Tudo é planejado com antecedência, desde os KPIs até os manuais de procedimentos, em um esforço para antecipar cada passo do processo de mudança.
  • Implementação Top-Down:
    • A mudança é frequentemente iniciada no topo da hierarquia organizacional e empurrada para baixo. Esta direção é considerada essencial para manter o alinhamento e o controle sobre o processo de transformação.

Desafios e Limitações

  • Resistência à Mudança:
    • Uma das ironias das abordagens empurradas é que, ao tentar controlar rigidamente o processo de mudança, elas podem gerar resistência significativa. Os colaboradores podem se sentir desconectados dos objetivos propostos e resistir a mudanças que percebem como impostas.
  • Falta de Flexibilidade:
    • O mundo dos negócios é marcado por volatilidade e incertezas. Um plano que parece perfeito hoje pode se tornar obsoleto amanhã devido a novas informações ou mudanças no ambiente externo. As abordagens empurradas, com sua rigidez, podem falhar em se adaptar rapidamente a essas mudanças.
  • Dificuldades em Adaptar-se a Novos Desafios:
    • Organizações que seguem rigidamente planos predefinidos podem ter dificuldades em reconhecer e reagir a novas oportunidades ou ameaças, perdendo assim momentos cruciais para inovação e melhoria contínua.

Ao refletir sobre essas características e desafios, é essencial perguntar…

Estamos realmente criando um ambiente que favorece a transformação sustentável, ou estamos apenas seguindo um roteiro que presumimos ser infalível? 

Muitas vezes essas iniciativas de transformação organizacional são feitas para dar uma sensação de movimento, quase como tomar um placebo. 

É quase como se as partes envolvidas já soubessem que não vai dar em nada, mas ao menos podem mostrar que estão  tentando fazer alguma coisa. Familiar pra você?

Abordagens Puxadas

Diferente das abordagens empurradas, que tentam dirigir a mudança a partir de um planejamento centralizado, as abordagens puxadas de gestão de mudança baseiam-se em mudanças incrementais e adaptativas. Estas abordagens aproveitam a capacidade inerente de adaptação e inovação dentro da organização, permitindo uma resposta mais orgânica às transformações. 

Vamos detalhar as características, vantagens e como essas abordagens podem ser aplicadas de maneira efetiva.

Características Principais

  • Mudanças Incrementais: Ao invés de implementar uma grande mudança de uma só vez, as abordagens puxadas favorecem pequenas mudanças que são introduzidas gradualmente. Cada pequeno ajuste é testado e validado antes de se mover para o próximo, permitindo uma evolução constante e sustentável.
  • Sentir e Responder: Essa abordagem foca em entender e responder ao ambiente interno e externo da organização. Isso significa estar atento ao feedback dos colaboradores, às mudanças nas condições do mercado e às novas tecnologias, ajustando as estratégias de mudança conforme necessário.
  • Micro-Experimentos: Os micro-experimentos são fundamentais para esta abordagem, pois permitem que a organização teste novas ideias em pequena escala, veja o que funciona e o que não funciona, e faça adaptações baseadas nos resultados. Isso minimiza os riscos e aumenta a probabilidade de aceitação da mudança por parte dos colaboradores.

Leia mais sobre a diferença entre Experimentos e Planos de ação.

Benefícios

  • Adaptabilidade: As abordagens puxadas permitem que as organizações se adaptem rapidamente a novas informações ou mudanças nas condições externas. 
  • Engajamento dos Colaboradores: Ao envolver os colaboradores no processo de mudança e permitir que eles influenciem o curso das iniciativas, a abordagem puxada aumenta o engajamento e a satisfação. Os funcionários sentem-se mais valorizados e têm maior probabilidade de apoiar a mudança.
  • Resiliência Organizacional: A capacidade de adaptar-se e responder a mudanças inesperadas fortalece a organização, tornando-a mais resiliente frente a desafios e incertezas.

Aplicação Efetiva

  • Cultura de Aprendizagem: Para que essa abordagem funcione, é importante que a organização cultive uma cultura onde o feedback e o aprendizado contínuo sejam valorizados. Isso inclui ter canais abertos de comunicação e sistemas de feedback que permitam a troca constante de ideias e impressões.
  • Liderança Suporte: Os líderes devem adotar um estilo que favoreça a experimentação e o desenvolvimento. Isso significa abrir mão de certos privilégios, encorajando a inovação e reconhecendo os esforços e contribuições dos colaboradores.
  • Infraestrutura Flexível: Ter sistemas e processos que possam ser facilmente ajustados ou modificados é essencial para apoiar a implementação de mudanças incrementais e experimentações.

Leia mais sobre nossas ideias acerca da liderança e como trabalhamos a cultura.

O maior desafio é lidar com as expectativas durante o processo. Em algumas situações, mudanças incrementais podem parecer lentas ou insuficientes para stakeholders que esperam resultados rápidos e visíveis. Ao coordenar um processo como esse é importante desenvolver muito jogo de cintura para que os experimentos cheguem a ver a luz do dia.

Comunidades de Prática e Zonas Autônomas Temporárias

Uma estratégia poderosa para implementar abordagens puxadas é a criação de “Comunidades de Prática” temporárias, inspiradas nos conceitos de Etienne Wenger e Hakim Bey. Essas comunidades atuam como “Zonas Autônomas Temporárias” (TAZ) – espaços relativamente livres das estruturas formais de controle, onde grupos multidisciplinares podem se engajar em aprendizado colaborativo e experimentação autogerida.

No contexto organizacional, essas Comunidades de Prática Temporárias podem tomar a forma de projetos ou iniciativas com duração limitada, nos quais uma equipe diversa recebe autonomia significativa para explorar novos caminhos, responder de forma ágil às mudanças emergentes e desenvolver práticas inovadoras.

A natureza temporária dessas comunidades é fundamental, pois permite que elas existam como “bolhas” transitórias de autogestão, sem a necessidade imediata de se institucionalizar ou serem absorvidas pelas estruturas hierárquicas tradicionais. Essa abordagem oferece um espaço seguro para testar novas ideias, processos de trabalho descentralizados e formas colaborativas de aprendizado.

Inspiradas no trabalho de Wenger, essas Comunidades de Prática Temporárias cultivam um ambiente propício para o compartilhamento de conhecimentos, a criação de significados coletivos e o desenvolvimento de repertórios compartilhados de recursos, ferramentas e práticas. Ao mesmo tempo, elas incorporam os princípios das TAZ, desafiando temporariamente as estruturas de controle e permitindo a emergência de soluções verdadeiramente inovadoras e adaptadas às necessidades reais.

A implementação dessas Comunidades de Prática Temporárias permite que as organizações experimentem com abordagens puxadas em uma escala controlada, sem a necessidade de uma transformação abrupta em toda a empresa. Essa estratégia gradual pode ser particularmente útil em organizações maiores ou mais tradicionais, onde uma mudança radical encontraria resistência significativa.

No entanto, deve-se notar que essas comunidades não são um fim em si mesmas, mas um meio para cultivar uma cultura de autogestão, aprendizado contínuo, colaboração e adaptabilidade dentro das organizações. O objetivo final deve ser a criação de estruturas organizacionais cada vez mais descentralizadas, responsivas e, capazes de abraçar plenamente as abordagens puxadas de transformação.

Contraste entre Abordagens Empurradas e Puxadas

As abordagens empurradas são muitas vezes associadas a uma gestão de mudança mais tradicional e autoritária, onde a liderança define o caminho e espera que os colaboradores sigam. Em contraste, as abordagens puxadas favorecem uma visão mais colaborativa e adaptativa, onde a mudança emerge das necessidades e respostas dos colaboradores, adaptando-se continuamente ao ambiente.

Característica Abordagem Empurrada Abordagem Puxada
Filosofia de Mudança Top-down, controlada Bottom-up, adaptativa
Escala de Implementação Mudanças amplas e abrangentes Mudanças incrementais e localizadas
Gestão de Risco Tentativa de antecipar e planejar todos os riscos Ajustes baseados na resposta a riscos emergentes
Engajamento de Colaboradores Frequentemente limitado devido à natureza top-down Alta, devido ao envolvimento na formulação da mudança
Flexibilidade Baixa, com rigidez nos planos e estratégias Alta, com capacidade de adaptação contínua
Cultura Organizacional Pode ser percebida como impositiva Promove uma cultura de inovação e abertura

Na escolha entre abordagens empurradas e puxadas é importante não cair em uma simplificação maniqueísta que pinta uma como inerentemente superior à outra. Ao invés disso, é importante questionar os pressupostos subjacentes de cada abordagem e reconhecer suas limitações e forças em contextos específicos.

Pressupostos da Abordagem Empurrada

A abordagem empurrada baseia-se no pressuposto de que é possível “prever e controlar” o ambiente organizacional e os resultados da mudança. Este pressuposto nasce de uma visão de mundo que valoriza a ordem, a previsibilidade e a eficiência operacional. Em contextos onde os parâmetros são bem conhecidos e as variáveis controláveis, esta abordagem pode ser extremamente eficaz. Por exemplo, em indústrias altamente regulamentadas ou em projetos com requisitos muito específicos e imutáveis, a capacidade de planejar detalhadamente e executar conforme o planejado é essencial.

No entanto, este pressuposto também pode ser uma limitação quando as condições são dinâmicas e incertas. A rigidez dos planos empurrados pode não deixar espaço para a inovação ou adaptação necessárias quando surgem novos desafios ou oportunidades. 

Pressupostos da Abordagem Puxada

Por outro lado, a abordagem puxada opera sob o pressuposto de que é mais eficaz “sentir e responder” ao ambiente do que tentar controlá-lo completamente. Esta abordagem valoriza a flexibilidade, a capacidade de adaptação e a inovação contínua. É particularmente adequada para ambientes que estão em constante mudança, onde a capacidade de reagir rapidamente e ajustar as estratégias em tempo real pode ser uma vantagem competitiva significativa.

Contudo, a abordagem puxada também apresenta desafios, especialmente em termos de escala e consistência. Em grandes organizações ou em projetos que exigem uma coordenação e padronização extensivas, a abordagem puxada pode levar a uma falta de alinhamento e confusão, a menos que seja cuidadosamente desenhada. 

Elementos estruturais que contribuem para mudanças puxadas

As estruturas organizacionais mais descentralizadas e flexíveis tendem a favorecer abordagens puxadas de mudança. Hierarquias enxutas, equipes multifuncionais e processos de tomada de decisão distribuídos permitem que as organizações sejam mais ágeis e responsivas às necessidades emergentes. Por outro lado, burocracias excessivas, estruturas hierárquicas rígidas e processos engessados podem inibir a adoção de abordagens puxadas, uma vez que dificultam a experimentação, o aprendizado contínuo e a adaptação rápida.

O Papel da Liderança nas Mudanças Puxadas

Ao adotar abordagens puxadas de transformação organizacional, o papel da liderança formal enfrenta desafios significativos e requer uma reorientação fundamental. Tradicionalmente, a liderança em muitas organizações tem sido centrada na previsão e no controle. No entanto, as abordagens puxadas demandam uma prática orientada à percepção e resposta adaptável, o que pode ser um desafio para líderes acostumados a modelos hierárquicos convencionais.

Desafiando a Hierarquia Tradicional

  • Mudança de Paradigma na Liderança: Para efetivamente apoiar uma abordagem puxada, os líderes devem se afastar do modelo tradicional de comando e controle. Em vez de serem os principais tomadores de decisão, eles devem se tornar facilitadores que apoiam e orientam processos de mudança colaborativos e descentralizados.
  • Promover a Autogestão: A liderança deve apadrinhar a formação de pequenas células autogeridas dentro da organização. Estas células operam com um alto grau de autonomia, permitindo que as equipes respondam de forma mais ágil e adequada às mudanças do ambiente.

Artefatos de Apoio à Mudança

  • Desenho de Artefatos que Distribuem Autoridade: Um aspecto crucial é o desenho de sistemas e processos que promovam a distribuição de autoridade. Isso inclui a implementação de ferramentas que facilitam a colaboração e a tomada de decisão em todos os níveis da organização.
  • Criação de Comunidades de Prática: Inspirado pelo trabalho de Etienne Wenger, a formação de comunidades de prática pode ser uma estratégia eficaz para cultivar um design organizacional mais emancipatório e responsivo. Essas comunidades permitem que os colaboradores compartilhem conhecimentos, aprendam uns com os outros e inovem de maneira orgânica.

A Necessidade de “Deixar Ir”

  • Fomentando a Emergência: Um dos maiores desafios para a liderança é aprender a “deixar ir”. Isso significa resistir à tentação de microgerenciar e permitir que as soluções e inovações se manifestem do próprio tecido da organização. Ao fazer isso, caminhos não pensados antes podem surgir, levando a resultados potencialmente mais inovadores e adaptados às necessidades reais.
  • Assumindo um Papel de Agente de Mudança: Em vez de buscar o holofote de protagonismo, líderes eficazes em abordagens puxadas adotam um papel de suporte, atuando como um agente de mudança entre muitos. Isso envolve colocar os objetivos organizacionais acima dos interesses pessoais ou da visibilidade dentro da empresa.

A transformação da liderança de um modelo baseado em autoridade e controle para um modelo orientado à facilitação e apoio é essencial para o sucesso das abordagens puxadas de transformação organizacional. Ao adotar este novo papel, os líderes podem participar de um ambiente onde a inovação e a adaptação não apenas ocorrem, mas são sustentadas ao longo do tempo, conduzindo a organização a um caminho mais responsivo e pragmático.

Como começar a inverter seu fluxo de mudança hoje?

Para começar a adotar abordagens puxadas em sua organização, um primeiro passo essencial é cultivar uma cultura de aprendizado contínuo e abertura à experimentação. 

Isso envolve criar comunidades de prática com um alto grau de autonomia para realizar micro-experimentos e testar novas ideias em pequena escala, compartilhando conhecimentos e aprendendo com os erros.

Em seguida, é fundamental mapear as tensões organizacionais que são representativas, recorrentes e relevantes para a empresa. Essas tensões podem surgir de desafios operacionais, tendências de mercado, necessidades dos colaboradores ou outras fontes, e representam áreas prioritárias para intervenção e melhoria. Considere uma abordagem orientada a dados quentes para fazer esse levantamento.

Com base nesse mapeamento, a comunidade de prática deve montar um portfólio de pequenos experimentos que desafiam pressupostos existentes e buscam resolver as tensões identificadas. Essas iniciativas experimentais, conduzidas pelas comunidades de prática autônomas, permitem testar soluções inovadoras de forma controlada, sem arriscar a estabilidade de toda a operação.

Durante a execução desses experimentos, é essencial monitorar de perto os resultados e adaptar as abordagens de acordo com os aprendizados obtidos. Esse ciclo contínuo de experimentação, avaliação e ajuste é o cerne das abordagens puxadas, permitindo que a organização evolua organicamente em resposta às condições emergentes.

Uma anedota sobre gestão de mudança empurrada

Certa feita fui contratado para realizar uma  transformação na metodologia de gestão de projetos de uma fintech. Pelo briefing inicial já dava pra ver que era uma cilada. Como de costume, o cliente – neste caso o CEO e fundadores – já tinham totalmente definido o problema e a solução que queriam ver implementada. Na visão deles, os colaboradores estavam simplesmente desengajados e precisavam de uma sacudida para se tornarem mais autônomos e protagonistas ( sempre fico impressionado com a fixação nesse termo).

Todas as grandes decisões sobre o processo de mudança já haviam sido tomadas com base em um diagnóstico feito anteriormente por outra consultoria. Meu papel seria apenas fazer os funcionários “engajarem” com a nova metodologia imposta de cima para baixo. Um plano de ação detalhado já estava desenhado, e meu único papel seria executar.

A contradição era gritante – os líderes queriam que os colaboradores fossem mais autônomos e se engajassem, mas não estavam dispostos a realmente incluí-los no processo de desenhar as mudanças. Tudo já tinha sido decidido em reuniões fechadas, nos altos escalões.

Quando finalmente interagi com as equipes, percebi o quão desconectada daquela realidade a “solução” imposta estava. Em nenhum momento eles foram verdadeiramente consultados sobre seus desafios e necessidades. Apenas responderam formulários genéricos, sem espaço para narrar suas experiências e propor alternativas.

Os diretores só queriam ver números e KPIs que comprovassem que o plano visionário deles estava sendo bem-sucedido. 

No fim, a transformação fracassou terrivelmente. Os líderes nunca aceitaram que sua visão pudesse estar errada e acabaram demitindo boa parte das equipes “desengajadas” que eles mesmos haviam alienado do processo. Uma lição clássica dos perigos de tentar empurrar mudanças de cima para baixo.

Eu aprendi com esse projeto a nunca mais topar uma bola tão quadrada… Assim eu fico menos frustrado e meus clientes também.

Conclusão

Fica evidente que as abordagens empurradas tradicionais, com seu planejamento detalhado de cima para baixo e implementação rígida, apresentam sérias limitações em um mundo interconectado, volátil e imprevisível. Embora ainda amplamente praticadas, essas abordagens tendem a sufocar a inovação, a adaptabilidade e o engajamento genuíno dos colaboradores.

Em contraste, as abordagens puxadas, com sua natureza  responsiva, oferecem um caminho mais promissor para a transformação organizacional sustentável. Ao permitir a emergência das mudanças de baixo para cima, por meio de experimentação, aprendizado contínuo e autogestão, essas abordagens estão mais alinhadas com a complexidade inerente às organizações e aos seres humanos que as compõem.

No entanto, é importante reconhecer que romper com os modelos hierárquicos tradicionais e as abordagens empurradas não é uma tarefa fácil. Essas práticas estão profundamente enraizadas em muitas organizações, e sua mudança exige uma resistência ativa e persistente.

Ao invés de buscar uma solução de compromisso que tente conciliar o antigo com o novo, devemos abraçar a contradição e continuar experimentando formas cada vez mais descentralizadas, colaborativas e autogeridas de trabalhar. A criação de células autogeridas dentro de estruturas hierárquicas pode ser um passo importante nessa direção, desafiando modelos tradicionais e promovendo a emergência de intervenções verdadeiramente inovadoras.

Embora o ideal de organizações autogeridas possa parecer distante, é nossa responsabilidade continuar a perseguir esse objetivo, cultivando uma cultura de aprendizado, adaptabilidade e autonomia dos colaboradores.

A jornada de transformação organizacional é um processo contínuo e iterativo, repleto de contradições e desafios. Ao abraçar a contradição e permanecerem abertas a novas abordagens, as organizações podem se tornar mais preparadas para enfrentar os desafios de um mundo em constante mudança.

Você pode conhecer mais sobre nossa abordagem de mudança organizacional fazendo nossos cursos de Pensamento Sistêmico e Complexidade Aplicados e Hacking Cultural. 

Além disso, nosso livro também funciona como uma ótima porta de entrada. E, claro, estou sempre disponível para um cafézinho. :) 

Obrigado por ler até aqui! 

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