Já se sentiu como um ET tentando conversar com humanos sobre cultura organizacional? Pois é, essa foi a minha sensação naquele dia… Em uma das minhas primeiras visitas como consultor da Target Teal, me vi sentado em uma sala de conferência com paredes de vidro grosso, diante de um diretor de RH altivo e confiante. Ele havia me chamado para uma reunião inicial, a fim de discutir o estado da cultura organizacional de sua empresa e coletar o briefing para a nossa possível consultoria.

“Já diagnosticamos a nossa cultura,” ele começou, segurando firmemente um relatório volumoso sobre a mesa de vidro. “Identificamos cinco valores centrais que vão definir o nosso futuro como organização. O próximo passo, claro, é fazer um plano de ação e treinar todo mundo – especialmente as lideranças – para viver e respirar esses valores.” Os valores em questão, como descobri ao folhear o relatório, eram aqueles tão comuns no mundo corporativo: integridade, comprometimento, excelência, trabalho em equipe e inovação.

Por um momento, mantive o silêncio, olhando para o relatório em minhas mãos, e então para o diretor à minha frente. Com um sorriso de canto de boca, fiz um comentário quase sarcástico: “Muito legal. Você realmente acredita que um conjunto de valores e um extenso programa de treinamento vão transformar a sua cultura? Que, de repente, as pessoas vão começar a trabalhar de forma diferente, a se relacionar de forma mais autêntica, e a se sentir mais envolvidas e produtivas?”

Não me contrataram após essa reunião. Mas tudo bem. Hoje sei que a nossa abordagem com cultura organizacional transcende os limites do convencional e que preciso ter cuidado se eu quiser fechar algum contrato. Confrontar a simplicidade com que as pessoas lidam com o tema cultura e revelar o reducionismo absurdo precisa ser feito no momento certo e do jeito adequado. Mas aqui, vou deixar de lado as boas maneiras e vou dar a letra, como dizem. 

Comparando os Pontos de Partida

No mundo da transformação organizacional, os pontos de partida geralmente são bem definidos. Diagnóstico de cultura, análises SWOT, pesquisas de clima e outras ferramentas semelhantes são usadas para dar um panorama do estado atual da organização. Essas abordagens têm sua utilidade, mas muitas vezes tendem a subestimar a complexidade da cultura organizacional e ignorar a diversidade das experiências humanas que coexistem dentro dela.

Um outro caminho comum é fazer uso de alguma tipologia, análogo a um teste de personalidade. Mais uma vez, a ideia é pegar algo multifacetado e complexo e colocar em uma caixinha que vai gerar lindas visualizações super objetivas, cheia de indicadores com dados frios. Acho engraçado que a coisa funciona muito parecido com horóscopo de jornal, se o CEO não gosta do “assessment” ele ignora e joga na gaveta, ou se ele gosta, sai falando pra todo mundo e dizendo que aquele documento reflete a cultura fielmente e servirá de base para o próximo passo. 

No exemplo que contei na introdução, o diretor de RH depois do diagnóstico feito, desenhou os pilares ou os cinco valores. Mas o que são valores em uma organização? Em muitos casos, são simplesmente palavras que decoram as paredes dos escritórios, sem que haja uma relação com o que é vivido no dia a dia. Como podemos definir uma cultura apenas em poucas palavras se existem diferentes interpretações sobre o significado e aplicação das cinco palavras e formas diversas de viver a cultura dentro da mesma organização?

Na Target Teal, nossa abordagem é diferente. Acreditamos que para começarmos a entender um pouco a cultura de uma organização, é necessário mergulhar em suas tensões e contradições. Temos que ouvir as diversas vozes que existem dentro dela e coletar as histórias que são contadas. Essas histórias oferecem “dados quentes”, algo extremamente valioso para o nosso trabalho e que não pode ser resumido ou condensado em tipos, pilares e valores. Quando decidimos agrupar essas histórias em temas, sempre deixamos aberto para eles emergirem e jamais ignoramos ou jogamos fora as histórias no seu formato mais bruto e detalhado. É o mínimo que podemos fazer se queremos honrar a complexidade do tema cultura e lidar com ela de maneira criativa e flexível. 

Se queremos promover uma transformação, devemos começar por onde a mudança é mais necessária e mais sentida: nas narrativas que contam histórias sobre o que as pessoas gostariam que fosse diferente. Essas histórias que chamamos de tensões criativas, funcionam como vetores, apontando para pequenas mudanças possíveis, nem todas para o mesmo lado. 

SAIBA MAIS SOBRE COMO MAPEAMOS AS TENSÕES EM UMA ORGANIZAÇÃO

Podemos ensinar uma cultura?

No campo da transformação cultural, muitas empresas após o diagnóstico seguem um roteiro bem definido: identificar os valores (ou pilares, para parecer mais moderno), e criar um plano de implementação. Geralmente, esse plano envolve um plano de comunicação interna e uma série de treinamentos para alinhar todos na organização a esses valores. Muitas vezes, também são elaboradas descrições de comportamentos desejáveis. Existem duas premissas por trás dessa abordagem, ambas bastante questionáveis. 

  1. A mudança cultural é um processo linear e controlado, que pode ser planejado e executado de cima para baixo.
  2. A mudança cultural acontece quando acabamos com o déficit informacional, ou seja, antes as pessoas não sabiam que precisavam trabalhar em equipe e ter integridade, agora elas vão ser comunicadas e treinadas para tal. 

Suspeito que uma das razões que esse caminho ainda é considerado viável é que ele é confortável. Não lida com contradições, não lida com tensões e não lida com privilégios. No máximo é só o bom e velho placebo. Às vezes o resultado é desastroso, na maior parte é inócuo e em raras vezes parece fazer efeito. 

Em vez de criar um plano fixo, preferimos trabalhar de maneira experimental, com ciclos curtos que nos permitem adaptar o caminho a tempo. Com base nas tensões propomos e estimulamos todos a proporem experimentos que afetam a maneira como as pessoas trabalham e interagem. Prototipamos mudanças nos artefatos culturais – rituais, processos, ferramentas, políticas, etc – que são usados no dia a dia e que, inibem ou estimulam comportamentos e interações. Exemplos de intervenções:

Acreditamos que estrutura e cultura são duas faces da mesma moeda, não dá para trabalhar um sem afetar o outro nos dois sentidos.

Essa abordagem requer coragem e disposição para enfrentar o desconforto, pois cada experimento é um passo em território inexplorado. No entanto, é uma abordagem que reconhece e respeita a complexidade da cultura organizacional, e que possibilita uma transformação mais autêntica e duradoura.

O mito da cultura

Outra armadilha comum no trabalho com cultura organizacional é o fenômeno que eu gosto de chamar de “fantasma da cultura”. Isso acontece quando as pessoas começam a tratar a cultura como se ela estivesse separada da organização, em algum plano ou dimensão paralela. Eles falam da cultura como se fosse uma entidade misteriosa e intangível que pode sabotar qualquer tentativa de mudança.

Eu já ouvi muitos gestores dizerem coisas como: “Nós tentamos mudar nossa organização, mas a cultura não permitiu” ou “a cultura precisa ser mudada primeiro antes que possamos fazer qualquer coisa”. Como se a cultura fosse uma entidade à parte, que precisa ser conquistada ou apaziguada antes que qualquer mudança possa ocorrer.

Mas, ao fazermos isso, nós ignoramos uma realidade importante: a cultura surge e muda a partir das interações e práticas diárias que acontecem dentro de uma organização. Ela não determina nem antecede nada, apenas emerge das interações entre os indivíduos e a estrutura do sistema.  

Em vez de tratar a cultura como um obstáculo que precisa ser superado, nós na Target Teal vemos a cultura como algo que está em fluxo e serve de matéria prima para o nosso trabalho. Por meio da experimentação contínua, nós buscamos afetar diretamente essas interações e práticas diárias, e assim, influenciar a maneira como a cultura é percebida, vivenciada e manifestada. 

Ao adotar essa visão, nós deixamos de ser reféns da “cultura”, também não viramos criadores onipotentes dela, somos participantes ativos de um sistema social e entendemos a “cultura” como um jeito de descrever essa experiência que vivemos e que podemos fazer algo a respeito. Isso não é fácil e por vezes encontramos situações onde a nossa abordagem é considerada muito arriscada ou pouco ortodoxa. Mas acreditamos que esse é o melhor caminho para mudanças culturais em organizações. E você, acredita ainda nos diagnósticos, planos e treinamentos?