É hora de falar sobre esse elefante que ocupa todas as salas virtuais, presenciais e imaginárias.

Não importa se você trabalha no terceiro setor, na educação, na engenharia, no ambientalismo, na igreja… Há sempre uma ladainha relacionada com líderes e os modelos aspiracionais que guiam esse construto social.

Com o hype das organizações autogeridas esse tema continou tão quente como sempre esteve mas com uma embalagem diferente.

De fato, são inúmeras as “variações” de lideranças, cada uma para atender o seu nicho específico.

Dando uma rápida olhada nas minhas redes eu consegui encontrar diferentes variações desse construto tão popular. Vamos dar uma olhada na lista:

  • Liderança Colaborativa
  • Liderança Evolutiva
  • Liderança Regenerativa
  • Liderança Compassiva
  • Liderança Sistêmica
  • Liderança Inspiradora
  • Liderança Disruptiva
  • Liderança Integral
  • Liderança Facilitadora
  • Liderança Antifrágil
  • Liderança Ágil

Este é um conceito que não vai deixar de ser popular tão cedo. E como a maioria dos conceitos super populares, há uma enxurrada de gaslighting e modinhas que se manifestam nesses vários nichos.

Antes de começar a crítica quero deixar claro que não cabe a mim julgar qual é a melhor forma de abordar um tema tão amplo e complexo e eu não estou negando a existência de líderes ou a necessidade de ter pessoas que que possuem atributos relacionados com as definições mainstream de liderança. Não me julgo um especialista no assunto ou qualquer coisas parecida. Leia até o final e você saberá mais do que penso sobre isso.

Também não tenho nenhuma intenção de criticar meus colegas que trabalham e divulgam narrativas similares, critico apenas as ideias.

Narrativas comuns sobre liderança

Todo mundo quer falar sobre liderança. Não é preciso pesquisar muito para encontrar inúmeras referências sobre o assunto.

Dentro da minha pesquisa eu identifiquei três narrativas básicas que sustentam as definições mainstream deste conceito:

  • A liderança é um dom: Descreve líderes como se fossem escolhidos por uma divindade superior. Eles nascem assim, não são feitos.
  • A situação faz o líder: Define os líderes como um produto das suas circunstâncias históricas e sociais. É o conhecido Princípio Fuhrer.
  • A liderança é um atributo do indivíduo: Foca no indivíduo como supremo detentor de todas as características que fazem um líder.

O meu propósito com este artigo é refutar as três narrativas acima ao compreender o potencial de liderança como um atributo das estruturas sociais E dos indivíduos.

O que faz um(a) líder?

Taí uma pergunta que gera infinitas discussões.

A palavra líder vem do antigo germânico ‘laidho’, que significa um ‘transportador de carga’. Por sua vez, este termo veio da língua proto-indo-européia, falada há pelo menos 5.500 anos atrás, em que se usava a palavra ‘Lieth’, que significa ‘ir adiante’, ou ‘atravessar o limiar’ e literalmente ‘morrer’, e está relacionada ao fato de que havia pessoas nesses dias que se sacrificavam em prol da comunidade.

Eu quero mostrar algumas respostas clássicas dos meios mainstream e autores de best-seller a esta pergunta.

A primeira listinha mágica de 10 atributos é da Forbes e foi publicada em 2016 por Brent Gleeson.

  • Líderes têm fé nas suas crenças
  • Fazem decisões difíceis
  • Ganham o respeito do time
  • Conhecem o time
  • Sabem que as pessoas são a chave do sucesso
  • Articulam uma visão clara
  • Estimulam pessoas a serem a melhor versão delas mesmas
  • Trabalham para uma causa maior
  • Foca em ajudar o time
  • Não lidera pela força

Parece um conto de fadas onde os líderes são os cavaleiros (provavelmente homens brancos cis) que vão resgatar a princesa na torre e matar o dragão.

Mas vamos explorar mais um pouco disso, dessa vez quero mostrar pra vocês alguns enunciados que são oriúndos do famoso livro do Daniel Goleman chamado “O que faz um Líder?”.

Goleman é especialmente conhecido por ter popularizado o conceito de inteligência emocional e a sua pesquisa foca justamente em estabelecer uma relação direta entre líderes bem sucedidos e o EQ (quociente emocional).

Eu gosto muito de algumas idéias do Goleman, mas em alguns pontos ele acaba por disseminar o mesmo tipo de conto de fadas com um foco na inteligência emocional. Além disso, o seu conjunto de idéias associadas ao que ele chama de inteligência emocional são constantemente relacionados ao que a galera chama de “soft skills”, termo cunhado pelo pai da indústria do coaching – Dale Carnegie – que também possui a sua própria caixinha de aberrações. Mas isso não é culpa do Goleman.

Vamos ver os pontos principais levantados pelo Goleman. Pra ele, um bom líder é alguém que geralmente possui um alto quociente emocional. E isso só é possível porque este tipo de líder possui:

  • Autoconsciência – A autoconsciência pode ser resumida no preceito de Sócrates, “nosce te ipsum” que significa conheça a si mesmo. Ter autoconsciência significa compreender os próprios sentimentos, emoções e efeitos sobre os outros.
  • Autorregulação. De acordo com Goleman, este componente é aquele que “nos liberta de sermos prisioneiros de nossos sentimentos”. Representa nossa capacidade de lidar e controlar impulsos e humores.
  • Motivação. A motivação, neste caso, está ligada à realização não impulsionada por recompensas externas, como dinheiro ou status.
  • Empatia. Um líder cheio de empatia não significa agradar a cada um dos funcionários da empresa, mas apenas que ele / ela levará cuidadosamente em consideração os sentimentos dos funcionários para tomar qualquer decisão.
  • Habilidade social. A capacidade de estabelecer e manter relacionamentos saudáveis e construir redes funcionais.

Os pontos levantados pelo Goleman com certeza fazem mais sentido do que aquela listinha tosca da Forbes. Mas ainda assim, relacionar isso com a figura de um(a) líder continua sendo algo que acaba por reforçar a narrativa de que líderes são seres humanos que devem ser seguidos como um exemplo.

Para finalizar nosso show de horrores quero partilhar com vocês a listinha do Corporate Finance Institute. Para eles, essas são as características de um bom líder:

  • Comunicadores efetivos (seja lá o que isso quer dizer)
  • Responsáveis e Disponíveis
  • Pensadores a longo prazo
  • São motivados
  • Confiantes
  • Orientados à pessoas
  • Estáveis emocionalmente

Bom, já deu pra perceber que os líderes na perspectiva dessas pessoas são pessoas extraordináiras, acima da média… São heróis sem capa.

Para compreender o problema com esse tipo de narrativa eu quero falar sobre o mito do líder como um super herói que vai salvar o dia.

O mito do(a) líder como herói

Quando olhamos para a história de grandes líderes que mudaram o mundo não é nenhuma novidade que essas pessoas são muitas vez endeusadas e idolatradas como heróis. Como vivemos em uma sociedade falocêntrica isso normalmente está associado a homens heterossexuais e brancos em sua grande maioria.

São as famosas histórias de imperadores, generais de guerra, exemplos de superação no esporte e líderes de grandes revoluções sociais.

O problema com essa narrativa é que nós acabamos por alimentar uma visão de mundo que prega os atributos da liderança como sendo inerentes a pessoas altamente diferenciadas que possuem quase que poderes mágicos.

Claro que não podemos dizer que todo mundo tem essas habilidades e que grandes líderes como Martin Luther King e Gandhi não eram pessoas realmente distintas.

Não acredito que todos sejamos iguais nesse aspecto e reconheço que algumas pessoas possuem uma naturalidade para expressar seus atributos de liderança que outras pessoas não têm. Quando olhamos para figuras como Gandhi, Malcolm X e Martin Luther King estamos falando de pessoas que viveram o auge de contextos absurdos e se tornaram protagonistas desses movimentos por inúmeras razões. Seria ridículo dizer que eles eram simplesmente líderes natos que foram predestinados a brilhar nesses movimentos. Estamos falando de pessoas que passaram por condições desumanas e resolveram se rebelar por isso. Também seria ridículo limitar o triunfo desses líderes ao contexto histórico em que estavam inseridos. Precisamos reconhecer que a liderança como um fenômeno se manifesta a partir das características do indivíduo, do contexto social, dos aspectos históricos e das estruturas que inibem ou estimulam a distribuição de poder.

Qualquer comparação desse tipo de líder de movimentos sociais com uma bosta flutuante no ambiente corporativo é apenas bajulação de ego e fantasia de marketeiro.

Há, no entanto, um monomito que geralmente está presente no plano de fundo dessas narrativas do meio corporativo onde as histórias que são contadas reforçam a ideia de que os líderes na organização são responsáveis por mudar o mundo com os seus super poderes.

A minha proposta é, basicamente, abandonar esta narrativa que foca no indivíduo como alguém que detém os atributos de liderança e popularizar a narrativa de que os atributos de liderança não são inerentes às pessoas e sim às estruturas dos sistemas sociais em que essas pessoas estão inseridas.

E, com isso, não quero dizer que todos nós somos líderes. Quero dizer que os líderes não são pessoas acima da média ou diferenciadas. São pessoas. E as pessoas podem fazer coisas incríveis quando estão empoderadas com autonomia. E nesse sentido nós somos sim, todos líderes em potencial.

Ressignificando a liderança

Não tente entortar a liderança, isso é impossível. Apenas aceite a verdade… Não existe liderança.

A ideia de que Grandes Líderes assim o são porque possuem certas habilidades exclusivas e inerentes é perigosa.

É justamente esse tipo de balela que justifica as práticas meritocráticas de concentração de poder.

É esse tipo de narrativa que gera as máximas da indústria do coaching que falam do self-made man que “trabalha enquanto os outros dormem”.

E é também esse tipo de narrativa que associa esses atributos a uma figura máscula e branquela que defende os valores tradicionais da sociedade e dá carteiradas.

Jean Lipman-Blumen em “A Fascinação por Líderes Tóxicos: Por que nós seguimos chefes destrutivos e políticos corruptos – e como sobreviver a eles” sugere que a responsabilidade é, não apenas dos líderes tóxicos, mas, sobretudo, dos seguidores. Ela aponta que aceitamos líderes tóxicos devido a necessidade de tranquilizar as figuras de autoridade que ocupam o lugar de nossos pais e, ainda, a necessidade de segurança, pela qual estamos dispostos a sacrificar nossa liberdade.

Colocar a responsabilidade nos “seguidores” é uma jogada arriscada pra mim. Claro que as pessoas devem cobrar uma postura de seus representantes e nós enquanto cidadãos somos responsáveis por quem colocamos no poder. Mas se limitar a isso pode ser catastrófico.

Quando vemos tantas variações de liderança emergindo(toda aquela sopa de letrinhas que falei no início do artigo), é preocupante ver como esses movimentos estão mais preocupados em associar o conceito de liderança com o seu próprio nicho do que em erradicar por completo o mito do líder como herói.

Mesmo que essas narrativas tragam valores nobres consigo, ainda reforçam essa figura mitológica.

É aqui que eu quero invocar a máxima de Paulo Freire:

Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho. Homens e mulheres se libertam em comunhão.

Distribuindo os atributos da liderança no espaço organizacional

Enquanto as nossas narrativas continuarem reforçando o mito do líder como herói, nós vamos continuar alimentando uma ideologia corporativa alinhada com um darwinismo social que prega a sobrevivência do mais forte.

E como saímos dessa caixinha então? Não seria catastrófico se a partir de amanhã todos esses heróis fossem destronados?

Bom, pense em nossos sistemas organizacionais hoje como uma pessoa que é dependente química. Se você simplesmente privar esta pessoa da sua droga ela vai ter sérias crises de abstinência e isso não seria nada legal. O mesmo acontece com as organizações. As pessoas se tornaram dependentes desse modelo falido e quando recebem autonomia ficam confusas e sofrem de abstinência aguda.

Claro que eu não tenho um plano infalível de como acabar com o mito do líder como herói.

Mas felizmente eu sou apenas um bebê falando de um tema que já é explorado há, no mínimo, 100 anos.

(des)Lidere como uma mulher

Há uma mulher que foi contemporânea de caras como Taylor, Fayol e Ford e estava muito, mas muito a frente de seu tempo. Como vemos inúmeras vezes na história, as mulheres são simplesmente ignoradas em todos os meios, não importa quão relevante seja a contribuição delas. Sim, senhoras e senhores, estou falando da Mary Parket Follet.

Follet foi uma visionária que contribuiu com inúmeras idéias que abalaram o status quo na sua época e ainda são super atuais hoje. Junto com a Lillian Gilbreth, ela é uma das mulheres que tiveram maior impacto na história da teoria de administração e gestão.

No mundo dos negócios, gerentes, sindicatos e trabalhadores lutam constantemente pelo poder sobre os outros. Os trabalhadores resistem ao poder da administração sobre eles e os empregadores resistem aos esforços dos sindicatos para inverter a situação. É como dizia o Paulão(Freire): quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor.

Na opinião de Follet, o poder sobre é uma prática inadequada por duas razões. O primeiro é moral. As preposições ‘sobre‘ e ‘com‘ são usadas para marcar uma distinção de como o poder é distribuído. Follet dá um exemplo perfeito: Você tem direitos sobre um escravo; A segunda razão pela qual o poder sobre não funciona é que as pessoas simplesmente não querem ser lideradas. Elas foram ensinadas a serem lideradas como ovelhas que são treinadas a seguir um pastor.

Como alternativa, Follet propôs ‘poder com‘. Ao desenvolver o poder em conjunto com os colaboradores, preparamos o terreno para organizações que distribuem os atributos da liderança na sua estrutura como um todo.

O princípio de poder com é a base de uma estrutura que distribui os atributos da liderança para além de indivíduos.

Ela escreveu:

“Esse é sempre o nosso problema: não como obter o controle das pessoas, mas como todos juntos podemos obter o controle de uma situação.”

Parece que ela e o Paulão(Freire) se dariam muito bem. Olha aqui mais uma pérola da Follet nesse mesmo contexto:

Está tudo bem trabalhar com alguém, o que é desagradável é sentir que você trabalha… para alguém?

E uma das minhas preferidas:

Existem três maneiras de lidar com a diferença: dominação, compromisso e integração. Pela dominação, apenas um lado consegue o que deseja; por meio de concessões, nenhum dos lados consegue o que deseja; pela integração, encontramos uma maneira pela qual ambos os lados podem obter o que desejam.

Mas então qual é o papel da liderança?

Fico feliz que você tenha perguntado isso.

A minha resposta, no entanto, começa com uma pergunta.

O que é essa liderança? São esses atributos de “líderes” ou os líderes em si?

E o que são esses líderes? São pessoas que possuem uma influência formal dentro de uma organização?

Ou são pessoas que possuem uma influência informal? Ou é tudo isso ao mesmo tempo?

Pois é. Eu não tenho uma resposta pra isso.

Talvez o papel da liderança(líder formal) seja criar caminhos para que as pessoas possam desenvolver autonomia para tomar decisões por elas mesmas. Mas pera, isso não devia ser uma iniciativa da própria pessoa?

Esse é o problema da dicotomia liderado e líder.

É um ciclo de opressão contínuo, que opera em duas vias.

Qualquer possibilidade da pessoa desenvolver a sua independência é podada pela própria estrutura do sistema.

A Escada da participação cidadã

Sherry Arnstein, em 1969, sugeriu uma ‘escada’ de participação que descreve uma tipologia do envolvimento de cidadãos em uma comunidade. O modelo é conhecido como a “escada da participação cidadã” e funciona perfeitamente para observar como alguns fenômenos relacionados à liderança se manifestam nas organizações.

Não Participação

Os dois primeiros degraus Manipulação e Terapia descrevem os níveis de ‘Não-Participação’ que foram inventados por alguns para inibir a participação genuína.

Manipulação

Este nível geralmente envolve comitês, associações e sindicatos. No entanto, nenhum poder é dado a estes grupos. Pelo contrário, aqueles em posição de liderança fazem uso desses movimentos sociais para “demonstrar” a participação cidadã. O objetivo aqui é manipular a massa para que reproduzam o discurso de quem detém o poder. Basta pensar nas favelas, nos índios, no movimento dos sem teto e dos sem terra e por aí vai.

Terapia

Aqui é onde vemos atrocidades como líderes políticos que olham para a impotência dos cidadãos de baixa-renda e marginalizados como algo que pode ser “curado”. Parece que estão fazendo sessões de terapia em grupo. Com “especialistas” dando o tom e a agenda destas reuniões, eles se concentram muitas vezes em ajustar os valores e as atitudes dos membros da comunidade para que se tornem mais em conformidade com os da sociedade mais ampla.

Tokenismo ou Simbolismo

Aqui é reforçada uma participação simbólica dos membros da comunidade mas não há uma distribuição real de poder e autonomia.

Informação

Se o envolvimento dos participantes se limita a serem informados por autoridades sobre o que está acontecendo, ou vai acontecer no futuro, pouca, ou nenhuma participação realmente vai acontecer. A informação geralmente é dada numa fase muito tardia do processo, quando as mudanças não podem mais ser feitas e as perguntas são desencorajadas.

Consulta

Acontece quando os líderes de uma organização resolvem colher informações sobre os seus membros. No caso de um país isso vai refletir o famoso CENSO. No caso das organizações temos as pesquisas de clima. Os membros sabem quantas vezes eles deram as suas opiniões e nunca viram efeitos ou resultados a partir delas. Quando isso acontece, cria-se uma desconfiança entre os membros da comunidade com quem está no poder, minando a vontade de participação no futuro.

Apaziguamento

Em uma tentativa de fazer com que as pessoas se sintam ouvidas, os comitês organizadores, conselhos e diretorias selecionarão um ou dois membros confiáveis de um determinado grupo para ocupar assentos nas suas reuniões. Isso dá à comunidade uma voz e mais acesso aos que estão no poder. Infelizmente, é apenas uma voz entre muitas e pode ser facilmente ignorada ou rejeitada quando as decisões finais são tomadas.

Poder Cidadão

Neste nível, o poder esta sendo, pelo menos em parte, distribuído pelos próprios membros da organização.

Parceria

Aqui os participantes de uma organização exercem o direito de negociação direta com os detentores tradicionais do poder. Essa negociação pode se dar, em parte, através de representates.

Poder Delegado

Este é um cenário em que os membros de uma organização possuem grande autonomia para agir e são encorajados a tomar decisões sem ter que consultar uma entidade detentora de poder.

Ainda existem, no entanto, comitês, sindicatos e associações, mas esses são geridos pelos próprios membros.

Poder Cidadão

Aqui temos a independência dos membros de uma organização. A autonomia é soberana e todos os membros são sócios da organização. Qualquer pessoa pode propor mudanças estruturais a qualquer momento e existem processos bem definidos para distribuir a tomada de decisão e incluir o máximo de perspectivas e vozes no processo.

Como podemos ver, encontrar um significado concreto para o papel da liderança em sistemas sociais não é uma tarefa trivial.


Este modelo nos oferece uma fonte infinita de reflexão sobre as nossas responsabilidades enquanto detentores de poder e enquanto participantes de um sistema.

É claro que as pessoas que ocupam cargos de poder hoje e desejam mudar o status quo precisam se mobilizar e desenvolver artefatos culturais que atuem como catalisadores de transformações estruturais. Mas há também um importante papel a ser desempenhado pelas pessoas que atuam como “lideradas”. Essas pessoas foram tornadas dóceis por um sistema que foi feito para vigiar e punir.

Se você está numa posição de “liderança” e tem autoridade para fazer experimentos talvez queira explorar algumas ideias aqui. Se você está num papel de “liderado” dá uma olhadinha aqui nesse artigo, talvez te dê algumas ideias.

Okay, e o que fazemos com tudo isso?

Bom, desde os anos 70 nós observamos um movimento crescente de organizações e modelos de gestão que buscaram introduzir ideias que podem ressignificar a liderança como um atributo da estrutura organizacional em oposição à visão de que a liderança é um atributo de um indivíduo. Isso sem citar pensadoras como a Follet que já falava sobre essas questões nos anos 20!!!

Aqui na Target Teal nós desenvolvemos uma tecnologia social que se ramifica a partir da Sociocracia e Holacracia chamada Organizações Orgânicas(O2) que oferece caminhos práticos e concretos para distribuição de autoridade. É inegável que a proposta de Gerard Endenburg com o seu método do círculo sociocrático buscava distribuir o poder em toda a organização com base em princípios de “poder com” ao invés de “poder sobre”.

Também é inegável que a Holacracia de Brian Robertson ofereceu contribuições muito valiosas e expandiu o vocabulário com outras práticas e construtos que não estavam previstos no modelo do holandês.

São muitas as organizações que buscaram formas de ressignificar essa idéia de liderança como um atributo do individuo. O livro do Laloux, Reinventando as Organizações, oferece um ótimo apanhado de organizações que desenvolveram práticas que distribuem o poder de baixo pra cima e de cima pra baixo(O Laloux, no entanto, insiste na idéia de que essas organizações são fruto de um nível de consciência diferenciado, o que pra mim é uma idéia super perigosa).

Organizações como Buurtzorg, Viisi, Haier, Centigo e outras compreenderam que para ressignificar o comando e controle não basta ter um conjunto de princípios e valores escritos na parede para que os atributos da liderança sejam distribuídos por toda a organização.

Tampouco adianta esperar que as pessoas façam a transição para um nível de consciência diferente.

Eu parto da premissa de que para realmente tirar as rodinhas dessa bicicleta é preciso desenvolver uma estrutura que seja compatível com essas ideias.

É por isso que ao utilizar os meta-acordos das Organizações Orgânicas nós geralmente focamos em quais são as mínimas intervenções estruturais que podemos fazer para estimular a autonomia, transparência e responsividade em um determinado contexto.

Não significa que seja o único caminho, que seja a forma certa de fazer isso ou que isso vá resolver todos os problemas.

Mas Ravi, não é justamente a estrutura desses modelos de gestão que afirmaram a meritocracia que vemos hoje instalada e a liderança como um conjunto de atributos individuais?

Sim. E é justamente por isso que apostar em uma mudança estrutural é tão importante.

Nós precisamos de estruturas libertadoras que distribuam esses atributos de liderança para acordos, rituais e práticas que empoderam os indivíduos para exercerem a sua autonomia.

Assim, a liderança continua sendo manifestada por pessoas, mas não está restrita a alguns poucos indivíduos. Muito pelo contrário, é um atributo que pode ser invocado por qualquer um a qualquer momento. E não existem mais liderados.

Se tivermos que esperar uma grande revolução ou uma de visão de mundo que transforma paradigmas…. Talvez a mudança nunca aconteça.

Tudo isso pra dizer que não importa se chamamos essa tal liderança de colaborativa, evolutiva ou sistêmica se continuamos reforçando esses atributos como características individuais.

Claro que é possível argumentar que essa é uma abordagem estruturalista, mas eu nego a auto suficiência de uma transformação estrutural isolada. Não quero cair em um determinismo como se isso fosse a grande panacéia para o problema da distribuição de poder nas organizações.

São muitos os fatores relacionados com a distribuição de poder e de forma alguma quero dizer que só é possível fazer esse tipo de transformação com uma intervenção estrutural.

Como dizia o Bucky, precisamos de modelos que tornem essa idéia de poder sobre obsoleta, modelos que levam em conta os aspectos estruturais, econômicos, sociais, ambientais, relacionais e políticos. E claro, com muito cuidado para não cair nas suas falácias.