Neste post falaremos sobre o futuro da área de Recursos Humanos nas organizações. Para isso contaremos com Marco Barón, que é facilitador, cultural designer e membro da Target Teal. Com mais de 10 anos de experiência de atuação na área (de Business Partner a Head em diversas organizações), certamente ele tem um pouco a nos contar sobre o assunto!
Atenção: este texto critica fortemente tudo o que você conhece como “boas práticas” de RH ;)
Como a área de RH atua hoje? Como você vê o nome “Recursos Humanos”?
Existem vários nomes para a área de RH. Existem organizações que preferem chamá-las de área de “Gente” ou “Gente e Gestão”, “Capital Humano”, Talent, People Operations etc. Pessoalmente, não gosto de nenhum desses nomes. Acho retrógrados, pouco precisos, pouco inspiradores, ainda que sejam bem óbvios e não deixem dúvidas sobre qual o departamento em questão. De qualquer forma, esse é o menor dos problemas em toda a história desse departamento.
Em geral, a área de RH continua atuando com o mesmo mindset de décadas atrás: criar políticas normativas e controlar processos que “minimizem os riscos, organizem o trabalho e maximizem o valor da organização”.
Mas nem todos em uma área de RH pensam assim. O problema é que os que não pensam dessa forma, agem como se pensassem. Replicam uma mesma lógica na qual não acreditam enquanto entoam o mantra irrefutável do “é assim que as coisas funcionam por aqui”. É como se fizessem parte de uma novela antiquada e repetitiva onde os personagens são sempre os mesmos, com mesmos conflitos e variando somente os atores.
Em resumo, o que quero dizer com isso é que a área de RH continua fazendo o que sempre fez, com pequenas variações. Me parece que é uma área que ainda trabalha para realizar suas próprias metas e agenda, mesmo que estas não suportem diretamente o desenvolvimento da organização. Já vivi em momentos onde o RH sonhava em implementar uma intranet que centralizasse todas as infos e trocas dos funcionários, ou ainda projetavam uma super ferramenta de avaliação de desempenho com 9box, calibração, PDI, etc. Tudo isso enquanto o que a organização mais precisava era de contextos mais produtivos e espaço seguro para as pessoas trocarem feedback sem burocracias infindáveis ou medo de perder o emprego.
Existem incoerências entre a forma de atuação do RH e o que você visualiza para o futuro do trabalho? Quais?
Existem inúmeras incoerências, mas acho que todas elas têm relação com o mindset fixo do RH que, em geral, está mais preocupado em prevenir e controlar mudanças do que ir em direção a elas, se adaptar e aprender o máximo com isso. Existem crenças historicamente desenvolvidas que jogam muito contra a evolução do RH. E isso já está presente na linguagem utilizada, ou seja, é praticamente invisível de tão comum.
O nome “recursos humanos” traduz isso. Faço questão quando alguém se refere a outra pessoa como um “‘recurso” de perguntar se ela está falando sobre um computador ou uma cadeira, apenas para ouvi-la dizer “não! você não entendeu, tô falando de uma pessoa”.
Uma vez fui contratado e o CEO disse ao outro executivo que eu era um “grande asset” para aquela organização. Asset?! Fala sério!
O termo “compensação”, por exemplo, tem a ver com compensar alguém por algo. Mas que tipo de trabalho é esse pelo qual preciso ser compensado? É tão ruim assim? Ou por exemplo quando falamos de “retenção de talentos”. Quem de verdade quer ser retido em algum lugar? Retido me lembra “detido”. Ou ainda “gestão de mudanças”: me explique qual mudança pode ser gerida na vida? Não somos capazes nem de prever elas, quanto mais controlar. Como disse, a lista é longa e profunda…
Como você vê o RH atuando no futuro?
Acredito que vão começar a pipocar mudanças por aí. Por exemplo, parte do RH voltar para Finanças (Folha de Pagamento, Remuneração, Relações Sindicais e Facilities) e outra parte se juntar ao Marketing (não faz sentido olhar a jornada do cliente separada da jornada do funcionário, são a mesma coisa em momentos diferentes).
Outra mudança será nos papéis e perfil dos profissionais da área. Precisamos de mais designers e facilitadores do que especialistas e controladores. Menos respostas de prateleira e mais soluções colaborativas para problemas específicos. Controladores e especialistas não ajudam nem desafiam suficientemente os times em seu desenvolvimento.
Os times ainda estão aprendendo a ser times. Aprendendo a ser adultos trabalhando juntos em torno de um propósito comum. Aprendendo a cuidar uns dos outros e ao mesmo tempo se responsabilizar pelo que produzem ali. Facilitar esse processo é uma honra e de um valor sem tamanho. Facilitar esse processo de descoberta e de superação de impedimentos que surgem no caminho é a maior ajuda que pode ser oferecida a eles. Detalhe: não tem fórmula para isso. Como dizia o poeta sevilhano Antonio Machado, “o caminho se faz ao andar”.
Já consigo ver esse papéis com relativa clareza em áreas fora do RH. Profissionais de UX se dedicam ao design da experiência dos clientes, prototipando soluções e criando personas para compreender como resolver melhor as histórias específicas que eles têm. Ou ainda os Agile Coaches dos métodos ágeis de desenvolvimento de software que facilitam rituais de times, ajudam o time a se auto-organizar, superar situações de conflito e removendo qualquer outro impedimento ao desempenho do grupo.
A pergunta que fica então é: por que o RH ainda não faz isso? Se a sua resposta é “parece bacana, mas não temos tempo suficiente pra isso” ou “porque aqui a banda toca de outro jeito”, então te convido a parar de ir ao CONARH e outros eventos de RH, parar de ler livros sobre “Recursos Humanos” e também parar com o seu MBA. Pare com tudo isso porque não é nesses lugares onde a mudança vai começar. Um belo dia todos eles vão acabar. Sem nem perceber.
Como fica o plano de carreira nesse novo formato?
A idéia de “carreira” precisa ser recontextualizada. Isso é uma construção ideológica da geração X e dos baby-boomers. A tendência é que as pessoas tenham cada vez mais carreiras de menor tempo. Serão múltiplos papéis (algumas vezes simultâneos), repertórios diversos e vários recomeços. Se quiser chamar essas narrativas multifacetadas e cheias de recortes de carreira, tudo bem.
Nesse contexto, fica meio esquisito aquela conversa mole de “qual o plano de carreira esta organização me oferece?” ou ainda “precisamos ter planos de carreira sólidos para reter nossos principais talentos”. Esqueça isso. Organizações são hubs de oportunidades e talentos e, muitas vezes, aceleradores de aprendizado. Cada um é responsável pelo seu próprio destino. Terceirizar isso só gera dependência e ressentimento. Assim como tratar a organização como uma grande família também torna ela tão disfuncional como uma grande família.
E a gestão por resultados?
Foi uma piada, certo? Essa frase nem faz sentido.
Ok, pra mim isso é como uma referência circular do excel. Correr atrás do próprio rabo. Resultado é aquilo que resulta de uma atividade. Diferentemente de máquinas que são programáveis e relativamente previsíveis, as pessoas realizam atividades de uma forma muito mais complexa e caótica. Refletir e intervir sobre as atividades, prioridades e forma de executar é o que traz resultados diferentes. Não adianta nada ficar planejando resultados diferentes e depois criar pressão para que aconteça dessa forma. Isso me parece uma visão bastante infantil e fantasiosa da realidade.
Querer reduzir o churn de clientes, por exemplo, criando uma meta disso no programa de bônus e criando constrangimento público quando essa meta não atinge o target é uma bobeira sem tamanho. Se os times de produto, tecnologia, operações e atendimento – por exemplo – não percebem como criam essa realidade que culmina no churn e não agem de forma a se reorganizar em relação a isso (revisam suas prioridades, seu papel na cadeia de valor, a forma como tomam decisões, como se comunicam e trocam feedbacks etc) tudo continua o mesmo.
A gestão tradicional acha que mandar alguém embora e contratar alguém novo é o suficiente para resolver problemas sistêmicos que, em geral, foram criados muito antes de qualquer dessas pessoas entrar na organização. Atenção a resultados é diferente dessa coisa de “gestão por resultados”. A gestão se dá sobre atividades, ou seja, sobre os processos que criam os tais resultados. Estes últimos são apenas um reflexo do que tá rolando.
Imagine uma organização que se propõe a revolucionar a educação no Brasil ao mesmo tempo que defende a ideologia da meritocracia como se fossem coisas separadas, como se a problemática da educação no país nada tivesse a ver com essa lógica distorcida de que “as pessoas competem em igualdade de condições, portanto, seu reconhecimento é uma justa medida de sua capacidade”. Como é possível criar uma realidade diferente através dos mesmos meios que a sustentam?
O que mais você gostaria de nos contar sobre o futuro do RH?
Gostaria de dizer que não há futuro para esse tipo de RH ao qual me refiro. Que se chama RH, que gosta de controlar, que prefere criar políticas do que princípios comuns, que teme o diferente e é avesso à mudança, que acha que pessoas são assets e precisam ser retidas, que acha que pessoas cabem em 9box, precisam ser supervisionadas e se motivam pela grana. Esse RH já acabou, ainda bem! O que está vindo é outra coisa. Talvez possamos falar mais sobre isso noutro momento ;)