Target Teal

Loops Culturais

Loop Cultural

Quando duas ou mais pessoas trabalham juntas por um tempo, um tecido social misterioso começa a emergir. Os aprendizados que grupos têm ao longo de sua jornada vão constituindo essa malha extremamente complexa que chamamos de cultura organizacional. Exatamente como acontece com os indivíduos, a cultura é formada por um campo visível – os “artefatos culturais” e valores expostos – e um campo invisível – os pressupostos básicos – que opera de um jeito parecido mais com o nosso inconsciente individual.

A cultura também aparece nas inúmeras histórias que as pessoas contam sobre a organização. Essas histórias costumam carregar nelas diversas “tensões”, que constituem o desejo de uma determinada situação ser diferente do que ela é. Usando um exemplo, posso perceber que aqui nesta organização cada pessoa faz aquilo que gosta, e ao mesmo tempo desejar que as pessoas fizessem o que é importante para organização, não só o que gostam.

As tensões em uma organização nunca estão presentes isoladamente. Elas geralmente se relacionam com diversas outros fatores culturais, formando uma imensa e complexa malha de causa e efeito. Dica: análise de causa-raiz não costuma funcionar, já que em contextos complexos existe a causalidade recíproca (algo é causa e efeito de um outro algo).

Em alguns casos essas tensões podem se agrupar e compor um loop de feedback, que pode ser de reforço ou estabilização. Aqui na tentativa de sermos didáticos vamos desenhar e falar apenas de loops de reforço, onde os elementos têm uma relação positiva entre eles. Na vida real a coisa é mais complexa é existem outros fatores que balanceiam ou equilibram os elementos.

Neste texto apresentaremos alguns loops culturais arquetípicos e que observamos com bastante frequência nas organizações que trabalhamos. Queria também deixar claro que este conteúdo está muito além da minha experiência individual, mas agrega perspectivas de diversos colegas da Target Teal, especialmente do Marco Barón.

O vôo da galinha

O vôo da galinha

Tudo começa com um hábito de evitar dizer não. Por algum motivo as pessoas começam a evitar desagradar os colegas ou o chefe, aceitando todo e qualquer pedido. Um novo projeto de campanhas de marketing? Sim, claro posso fazer. Mais um relatório de controle de saídas? Pode deixar comigo, entrego rápido. Ficar até um pouco mais tarde para uma reunião? Sim, afinal eu sou um “funcionário engajado”. O resultado inevitável desse hábito é o acúmulo de mais trabalho do que as pessoas conseguem lidar.

A lista infindável de tarefas, compromissos e prazos começa, aos poucos, a ser quebrada. Com o tempo, você e todos os outros percebem essas frequentes quebras de acordos. Isso te deixa irritado. Afinal, neste lugar ninguém sabe honrar qualquer compromisso. As pessoas não são confiáveis aqui! O mesmo acontece com você, que inevitavelmente caiu nesse loop e também perde a credibilidade frente aos seus colegas. Mas há uma esperança! Para reconquistar essa confiança, você e os outros decidem começar a firmar novos compromissos, dizendo menos não. Bem, acho que você já entendeu onde isso vai parar, né?

O vôo da galinha foi descrito em mais detalhes neste texto. Batizamos dessa forma porque na primeira empresa onde ele foi encontrado, as pessoas diziam o seguinte:

Essa empresa têm tudo para dar certo: produto, pessoas e tecnologia. Mas por algum motivo, não voamos. Temos asas como uma galinha, mas não saímos do chão.

Deixa que eu deixo

Sabe aquele projeto em que você acha importante, mas por algum motivo pensa que não vai dar certo? É por aí que começa o “deixa que eu deixo”. Talvez você enxergue impedimentos ou dificuldades que fazem parecer que o esforço nem vale a pena. Aos poucos você vai construindo uma grande certeza de que tudo aquilo será uma perda de tempo.

O resultado disso é que você deixa de colocar energia na iniciativa, afinal é óbvio que não dará certo. Ainda assim, isso não desfaz o fato de que aquele projeto é importante e alguém precisa fazer alguma coisa sobre aquilo! Você então espera que alguém dê um passo. O que você não sabe ou prefere fingir que não sabe, é que todos estão pensando a mesma coisa. Todos esperam e ninguém faz nada. Com o tempo você fica frustrado, afinal é inadmissível que alguém não tenha tido o mínimo de consideração para dar um passo! Você então cria uma explicação racional, como “essa empresa tem uma cultura de terceirização da responsabilidade”. Isso tudo só reforça aquela crença inicial de que nada dá certo nesse lugar.

A grande armadilha do loop “deixa que eu deixo” é que o observador não consegue se enxergar como parte da cena. Ele acredita que o mundo acontece de forma independente as suas ações. E nisso ele constrói a sua própria ruína, contribuindo para o status quo.

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Pseudo-inovação

A pseudo-inovação começa com uma necessidade que toda organização tem: inovação. Esse desejo geralmente aparece nas camadas mais altas da hierarquia que percebem a organização estagnada e incapaz de se adaptar ao que o mercado pede. Ao mesmo tempo, esse desejo aparece misturado com uma questão: a liderança só sabe operar por meio do controle, e acaba acreditando que a inovação pode acontecer por meio de “planos e metas”.

Logo o “planejamento estratégico de inovação” é cascateado para baixo da hierarquia e todos são cobrados. Mas como assim você não desenvolveu 10 novas funcionalidades inovadoras para o produto? Ao invés de mudar os meios para possibilitar a inovação, os gestores apenas cobram que algo seja feito. Claro que as coisas não saem como o previsto, e o resultado disso só pode ser pessoas incompetentes. Inicia-se a caça às bruxas e alguns indivíduos são culpados pelo fracasso. O resultado almejado pela meta de inovação não é alcançado e isso culmina no cancelamento do projeto. O grande projeto de inovação acaba não gerando nenhum aprendizado, pois ninguém se dá ao trabalho de refletir sobre o que aconteceu, talvez por medo de falar sobre aquele evento traumático. E os executivos se vêem mais uma vez incapazes de inovar, reiniciando o ciclo.

A pseudo-inovação nasce a partir de uma cegueira sistêmica. Os atores envolvidos não enxergam que para gerar a inovação é necessário alterar os meios ao invés de definir planos. É como tentar controlar um ecossistema biológico, que é um processo totalmente emergente e complexo.

Como mapear os seus loops

Quando mapeio loops de tensões em uma organização, geralmente começo listando as principais tensões que observo. Pego emprestado um exemplo mapeado pelo meu colega Rodrigo Bastos:

  • Retrospectiva* não contribui com a resolução dos problemas com outras áreas
  • Grupo com forte identidade e crença de que são melhores que o resto
  • Facilitador criativo bola dinâmicas loucas para animar o grupo e fazer teambuilding
  • Surgem problemas com outros times, áreas ou níveis da organização

* A retrospectiva é uma reunião para discutir processos e melhoria, bastante comum em times de desenvolvimento de produtos digitais.

Depois tento agrupar os itens de uma forma em que as flechas apontam as relações de causa entre eles. Tento preencher as lacunas com outras observações. Em alguns casos isso pode formar um ciclo, então temos um loop cultural mapeado, como o da figura abaixo. A ordem de leitura é no sentido horário.

Na prática o processo geralmente envolve um volume de tensões, alterações e iterações muito maiores do que o expresso no exemplo, mas por motivos práticos resolvi simplificar aqui.

Loops são modelos

É importante considerar que os loops são apenas modelos que usamos para representar a realidade de uma organização, infinitamente mais simples do que o que acontece de fato ocorre. Na prática, nenhum desses loops existe de forma independente. As tensões organizacionais são muito mais complexas, e como dito no início, envolvem uma complexa malha de ciclos de reforço e estabilização.

Ainda assim, mapear e nomear esses fenômenos pode ser extremamente útil para navegar nesses sistemas sociais e quem sabe até propor algumas intervenções buscando tratar as tensões percebidas. Se mapear um loop na sua organização, não deixe de compartilhar abaixo. ;)

Referências

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