Desde que o psicólogo Daniel Kahneman ganhou o prêmio Nobel de economia em 2002, com seus estudos sobre economia comportamental, o mundo dos negócios começou a mostrar interesse pelo temática dos vieses cognitivos.
Vieses cognitivos são desvios da racionalidade ideal, aquela que imaginamos que possuímos e que foi materializada no personagem Spock de Star Trek. Esses desvios não são raros ou aleatórios. Somos previsivelmente irracionais.
O interesse crescente pelo tema é um avanço, mas a maioria das pessoas que trabalham em cargos de gestão ainda ignora a existência dos mais de 150 vieses cognitivos já mapeados. Essa ignorância gera uma confortante confiança.
Ou como diria o próprio Kahneman:
“Nossa confortável convicção de que o mundo faz sentido, reside em uma base sólida: nossa quase ilimitada habilidade de ignorar nossa ignorância.”
São gestores que tomam decisões todos os dias e ignoram a ubiquidade dos vieses cognitivos. Como peixes dentro da água, não notam como nosso cérebro pega atalhos a cada momento que temos que decidir.
Os vieses cognitivos influenciam, atrapalham ou até invalidam diferentes práticas tradicionais ou reconhecidas da administração de empresas. Vou listar aqui algumas.
Como os vieses cognitivos afetam a gestão de desempenho
Se você tem um time para chamar de seu, então é esperado que você avalie e melhore o desempenho dele. Isso inclui fazer o que os livros e manuais chamam de gestão de desempenho. Alguns gestores desconfortáveis com essa responsabilidade ou pressentindo a enrascada, tentam delegar isso para o RH.
Eu também considero uma enrascada. Vários vieses cognitivos entram em ação nesse processo e raramente temos consciência deles. Os principais com suas definições curtas:
Erro fundamental de atribuição
Quando fazemos atribuições sobre o comportamento de outra pessoa, nós temos a tendência de enfatizar suas características intrínsecas enquanto nós minimizamos a influência dos fatores situacionais.
Viés de confirmação
É a tendência de se lembrar, interpretar ou pesquisar por informações que confirmam nossas crenças ou hipóteses iniciais.
Efeito halo e efeito horn
A tendência de que uma avaliação positiva de uma parte resulte numa avaliação positiva do todo. Para o bem (halo) ou para o mal (horn).
Self-serving bias
A tendência de nos percebermos de maneira exageradamente favorável.
Se você acredita que está imune a todos esses vieses, é porque sofre do mais grave viés de todos: o chamado realismo ingênuo.
Imagine a seguinte história fictícia. Mas atenção! Não clique no texto ainda (os parágrafos abaixo têm um popup!).
Você é um gestor de uma área de vendas de uma indústria de parafusos. Você acabou de contratar o João, um cara do mercado com experiência em vendas. Nas primeiras semanas de trabalho em uma conversa informal durante o almoço, você fica sabendo que ele está ajudando nas horas vagas em uma campanha política de um candidato a presidente que você considera abominável. Isso te incomoda um pouco, mas a vida segue.
Algumas semanas depois um cliente te liga para reclamar da inflexibilidade do João nas negociações. Isso não pega bem e você decide acompanhar mais de perto o João, ligando para clientes que ele está atendendo.
Alguns dão a entender que ele realmente é inflexível e isso pode estar atrapalhando as vendas. Você conversa com o João e ele nega, dizendo que muitos clientes adoram ele. Mas as vendas estão abaixo da média do ano passado, o que faz você desconfiar de João.
Quando você fala isso, ele menciona que a nova planilha de preços que foi definida por você assustou alguns clientes e talvez por isso o desempenho foi sofrível nas vendas. Você continua observando a situação, e já se prepara para uma sessão de feedbacks difícil com o João no final do semestre.
Identificou os vieses cognitivos do gestor na história? Não, então volte e clique em cada parágrafo da história acima para revelar uma mensagem que identifica os quatro vieses citados anteriormente. Se você clicar e não funcionar, veja as respostas aqui.
Como os vieses afetam a gestão estratégica
Se olharmos para as grandes decisões, aquelas que têm o potencial de causar um grande impacto na saúde da organização, vamos achar outros vieses cognitivos. Novamente a maioria dos gestores não percebe a sua existência.
Para começar, a maioria dos gestores confunde o resultado de uma decisão com a qualidade da decisão. Isso é chamado de Outcome Bias.
Além disso, olhamos para as empresas que viraram casos de sucesso para aprender como ter sucesso, o que por si é um viés, chamado Survivorship Bias.
Se ouvimos a história de Mark Zuckerberg e Steve Jobs e concluímos que a decisão que eles tomaram de largar a faculdade para abrir uma empresa foi acertada, caímos nos dois vieses simultâneos.
Não estamos analisando todas as pessoas (ou uma amostra significativa) que tomaram a mesma decisão (largar a faculdade) e quais foram as consequências. Também não estamos analisando o processo de tomada de decisão que cada um usou para chegar nessa conclusão. Olhamos apenas para o resultado final.
Milhares de empresas quebram todos os dias, mas apenas uma minúscula porcentagem tem sua história contada em livros.Minha teoria é que muita gente prefere uma leitura inspiradora do que uma deprimente (aqui temos também o viés de confirmação ou mais especificamente o efeito avestruz).
Quando temos que decidir onde alocar recursos em uma organização, somos vítima da falácia do custo afundado ou Sunk Cost Bias. Custo afundado é algo que você gastou e independente do que vai acontecer no futuro, você não terá esse algo recuperado. Por exemplo, se você já investiu uma grande soma de recursos em um novo produto que os primeiros testes mostram que será um completo fracasso, você se sente compelido a não desistir do lançamento, mesmo que esse lançamento custe mais recursos em publicidade.
Claro que queremos ter um retorno do investimento, mas na maioria das vezes tudo indica que o mais racional é passar a régua e focar em outra coisa. Assumir o prejuízo é reconhecer um erro que muitos não estão dispostos. Além disso, com frequência sofremos também do viés de otimismo.
Se você acredita em decisões estratégicas compartilhadas, aquelas que são tomadas em grupo, pois assim todos irão se comprometer com o resultado e a qualidade da decisão será melhor, tenho uma má notícia.
Os processos de decisão em grupo possuem uma série de vieses cognitivos que são intensificados por conta da busca por alinhamento, aceitação social e urgência. Podemos agrupar a maior parte desses vieses como Groupthink. Leia mais sobre groupthink nesse post.
Um efeito curioso dentro dessa categoria é o que chamado Risky Shift: a tendência de grupos tomarem decisões mais conservadoras ou mais arriscadas do que se a decisão fosse tomada pelos membros em separado. Nossa intuição diz que o resultado seria uma média das opiniões, porém em grupo pendulamos mais para um lado ou outro, sem nenhum motivo racional.
Gestão a prova de vieses?
Existe alguma maneira de tomar decisões em um contexto organizacional de maneira a eliminar todos os vieses? Acredito que não. Mas existem estratégias de “debiasing” ou que minimizam o efeito dos vieses mais importantes.
Vou listar aqui as minhas preferidas:
Re-avaliar a necessidade de certos processos
Muitas vezes vale repensar a necessidade e as premissas de alguns processos que já são carregados de vieses. Por exemplo: sabendo que o processo de avaliação de desempenho individual é tão carregado de vieses, será que realmente precisamos dele? Se você está com dúvida leia: O Fim da Avaliação de Desempenho.
Mudar o contexto em que a decisão é tomada.
Se uma decisão é tomada com frequência (ex.: processo de contratação), talvez você possa mudar a que informações o decisor é exposto. Por exemplo, tem algumas organizações em que no estágio inicial de aprovação de um candidato, a entrevista é conduzida seguindo um roteiro e o resultado das entrevistas é analisado por outras pessoas que não foram expostas ao candidato em pessoa.
Se é uma decisão em grupo, tenha um facilitador que consiga criar um ambiente que acolhe o dissenso. Se a cultura da organização valoriza união e evita conflitos, você tem um ambiente perfeito para decisões em grupo de baixa qualidade. Repense e atue de maneira consciente sobre a cultura de sua organização. Baixe aqui o guia do design cultural que propõe um método para isso.
Aprender e compartilhar novos métodos de tomada de decisão
Mude o processo decisório dentro da sua cabeça e de seus colegas. Nas decisões mais importantes, diminua a velocidade (sem pressa) e aplique um processo pré-definido. Um exemplo que acho relativamente fácil de aprender é o método WRAP dos irmãos Heath. Eles propõe:
W – wide your options. Amplie suas opções. Precisamos ampliar o nosso framing. Muitas vezes não precisamos escolher uma ou outra alternativa, podemos pensar em seguir as duas no início. (Usar o “E” no lugar do “Ou”). Outras vezes existem alternativas que ainda não foram reconhecidas.
R – reality test your assumptions. Teste suas premissas. Na hora de avaliar as alternativas, o viés de confirmação nos leva a coletar informações pouco confiáveis e selecionar aquilo que nos agrada. Precisamos fazer perguntas desconfortáveis e sempre que possível testar no mundo real antes de fazer uma grande aposta. Pequenos experimentos bem conduzidos podem revelar de maneira mais contundente aquilo que não queremos enxergar.
A – attain distance before deciding. Obtenha distância antes de decidir. Emoções de curto prazo podem nos levar a tomar decisões que no longo prazo são ruins. Um método é imaginar como você se sentirá depois de 10 minutos de tomar essa decisão, depois de 10 meses e depois de 10 anos. Tenha clareza do que é importante hoje e continuará sendo importante para você e para a organização.
P – prepare to be wrong. Prepare-se para estar errado. Mesmo uma boa decisão, pode trazer resultados indesejáveis, pois não temos controle sobre tudo. Então prepare-se. Conduza um premortem (post mortem que é feito antes). Crie gatilhos que serão acionados para alertar de que as coisas precisam ser re-avaliadas.
Em retrospecto tudo parece óbvio
Em retrospecto todas as decisões que deram bons resultados eram óbvias e todas que deram em fracasso foram decisões burras. Isso é só o Hindsight Bias em ação. Foque no processo, registre o que e como foi decidido e tente aperfeiçoar cada vez mais. Sempre tem espaço para melhorar.
Podemos olhar para os vieses cognitivos como heurísticas, ou regras que ajudam a entender o mundo e tomar decisões (atalhos mentais) ou mesmo como estratégias que foram beneficiadas por um processo evolutivo e que podem até envolver emoções e crenças profundas.
Precisamos reconhecê-los em nós mesmos e aplicar estratégias que minimizem sua influência nas decisões mais importantes. Não fazer isso é deixar a irracionalidade ditar o rumo de sua organização. Depois não fique triste se for chamado de “trouxa”.
Se você quer bater um papo sobre como a Target Teal pode ajudar a sua organização a tomar melhores decisões, só marcar um café.