Nos workshops intensivos de O2, costumamos reservar um bloco para falar dos “antipadrões” para autogestão. Esses “antipadrões” são soluções comuns para determinados problemas, que ao invés de resolvê-los, tendem a piorá-los. Muitas “melhores práticas” da gestão tradicional entram aqui. Em especial, quando falamos de “prazos” como um antipadrão, percebo que muitos ficam horrorizados. Como assim não tem prazos? Como planejamos então? Onde estão os cronogramas? Dedico esse texto a explicar um pouco melhor como funciona o planejamento em uma organização ágil, responsiva ou evolutiva.
Natal
Vamos começar então falando sobre um caso polêmico, como já ouvi de algumas pessoas: Muito legal esse negócio de trabalhar sem prazos. Mas o Natal sempre é no dia 25 de Dezembro! Ou seja, eventos.
Na Target Teal, organizamos workshops (eventos) regulares, especialmente os intensivos de O2. Muitas vezes esses treinamentos acontecem em outros estados (fora de São Paulo) e têm questões de logística importantes que precisam ser definidas com antecedência. Uma delas é a escolha de um espaço apropriado para realização do workshop.
A locação do espaço geralmente gera custos e é feita antes do workshop ter pessoas inscritas. Ou seja, estabelecemos uma data no futuro para a realização do evento e nos comprometemos com os nossos participantes a realizar naquela data. Podemos chamar isso de um prazo, mas prefiro entender como uma restrição sistêmica autoimposta (diferente de uma restrição sistêmica simplesmente imposta, como o Natal). É possível mudar a data do workshop? Sim, mas geralmente isso gera custos e insatisfações.
Gantt Charts e Cronogramas
Se você perguntar a um gerente de projetos com certificação PMP como ele planejaria um evento desses com uma “data fixa”, você provavelmente ouviria algo assim:
- Identificar todas as tarefas necessárias para executar o evento;
- Estimar a duração das tarefas (provavelmente em horas);
- Criar um Gantt Chart, encadeando todas as tarefas;
- Estabelecer prazos com uma certa “gordura” em cima das estimativas;
- Atribuir tarefas aos membros da equipe;
- Monitorar o plano e cobrar as pessoas com relação aos prazos definidos.
Parece um caminho perfeito, certo? Seria, se o mundo fosse previsível e não existissem cisnes negros (eventos completamente inesperados e que estão além do que conhecemos).
Essa abordagem está conectada com o paradigma prever e controlar (ou comando e controle). Nesta lógica quem planeja busca 1) criar um plano para ser executado prevendo o futuro, e 2) estabelecer mecanismos de controle para garantir o seguimento deste plano.
A segunda é a teoria X de motivação humana do McGregor, ou seja, enxergam as pessoas como desengajadas e que necessitam de estímulos externos para trabalhar. Normalmente as pessoas dizem: Mas fulano nunca vai fazer o projeto se não tiver um prazo! Já abordamos bastante esse assunto de motivação no nosso blog e não vou me estender muito nisso aqui.
Talvez isso já tenha acontecido com você: ao final de um projeto você faz uma grande lista de coisas que deveriam ter sido previstas antes de começar e portanto deveriam estar no plano. Você também tem a nítida sensação que as pessoas a sua volta não estão engajadas o suficientes ou são simplesmente incompetentes. Falas comuns nesse cenário incluem “não planejei o suficiente” ou “as pessoas não cooperam”. Essa situação indica que você ainda está preso ao prever e controlar.
Como fazer então?
Continuando com o exemplo dos workshops da Target Teal… Nós não temos Gantt Charts e cronogramas, embora em alguns casos talvez esses artefatos pudessem ser úteis (minha crítica é em relação ao modelo mental, não às ferramentas). Ao invés de “planejar” (no sentido tradicional), investimos nossa energia em atenção ao presente e adaptação constante. Isso é o que o chamamos de sentir e responder. Conseguimos isso através dos seguintes pontos:
- Revisão constante do trabalho
- Processamento de tensões
- Papéis e estrutura bem definidos
- Pequenas decisões
Revisão constante do trabalho
Primeiro de tudo, olhamos para o trabalho que estamos fazendo o tempo todo. Semanalmente isso acontece em conjunto na nossa reunião de círculo, onde cada um reporta as atualizações dos seus projetos. Nesse momento as pessoas podem trazer preocupações sobre o andamento de um determinado evento e questionar o dono do projeto. Por exemplo:
Em um workshop passado, percebemos que os resultados são melhores quando começamos a divulgação com pelo menos 1 mês de antecedência. Percebi que você ainda não começou a divulgar e faltam 3 semanas. Você está atento a isso? Precisa de alguma ajuda?
Esse tipo de interação em intervalos regulares leva as pessoas a olharem o tempo todo para o agora. Claro que a data prevista do workshop também está presente nos julgamentos e na conversa. Mas o foco maior é no que vamos fazer a partir de agora, que chamamos de processamento de tensões.
Processamento de tensões
Podemos nos deparar com um cisne negro, ou seja, algum acontecimento inesperado. Um exemplo foi quando decidi realizar um workshop de O2 na empresa de um cliente, para trocar ingressos pelo aluguel e com isso reduzir o risco de alugar um espaço e não ter uma turma. O que eu não previ foi que o local não oferecia o conforto (cadeiras boas) para os participantes, como é comum em coworkings e espaços próprios para eventos. Na hora eu não considerei isso. Para piorar, não colhi feedbacks dos participantes no primeiro dia (só no segundo). Quando descobri que eles estavam com dor nas costas pelas cadeiras ruins, já era tarde demais.
Não dá para mudar o passado, mas podemos nos adaptar ao futuro. Para resolver essa “tensão”, criei um checklist do “Workshop Intensivo de O2 Perfeito”. Nele coloquei todos os critérios para um edição bem sucedida. Também mostrei para os outros organizadores e muitos resolveram adotar o checklist, incrementando conforme novas descobertas foram sendo feitas.
Perceba que este tipo de ação não pode ser identificada a priori do erro, mas apenas a posteriori. Mais horas de planejamento (estratégia comum do prever e controlar) não dariam origem a esse checklist nunca. Invoco aqui uma frase do manifesto ágil que ampara essa visão do sentir e responder:
Responder a mudanças mais do que seguir um plano.
Papéis e estrutura bem definidos
Para ser responsivo é necessário ter contornos estruturais bem definidos. Isso significa clareza sobre o que cada um decide e como. Na Target Teal, como Public Workshop Guardian eu posso definir o preço da edição do workshop intensivo da qual “sou dono” e até escolher/convidar quem vai participar comigo. Essa autoridade é muito clara e definida. Pelo menos até que isso gere algum problema e alguém proponha uma mudança na estrutura organizacional.
Imagine, no entanto, se eu tivesse que pedir permissão para um gestor ou para o grupo o tempo todo para ações que desejo tomar. As demandas por “adaptação” se tornariam morosas e lentas por essa sequência de aprovações burocráticas necessárias. Isso reduziria meu incentivo a ser “adaptável”, especialmente se eu não pudesse mudar as regras do jogo. Ou seja, estruturas engessadas ou sem papéis claros não criam incentivos para as pessoas responderem às mudanças. Fica mais fácil seguir o plano definido por alguém, mesmo que este plano não faça nenhum sentido.
Pequenas decisões
Por último, destaco um princípio ágil e lean que faz toda a diferença ao sentir e responder. Normalmente olhamos com certa desconfiança em como podemos focar tanto no presente quando pensamos nas grandes decisões. Vamos abrir uma nova unidade de negócios que vai nos custar 20 milhões de reais! Como não vamos planejar isso?
Precisamos aprender a prototipar antes de qualquer coisa. Para reduzir riscos e incertezas, um “probe” ou experimento ajuda muito. Ou seja, vale quebrar as grandes apostas em pequenas apostinhas. Isso reduz a incerteza, a ansiedade e aumenta muito a nossa eficácia (capacidade de acertar). Fuja das grandes decisões e abrace os pequenos experimentos.
Abrindo mão dos planos e cronogramas
Abrir mão da nossa tendência de querer controlar o futuro e moldar o mundo à nossa vontade requer uma certa coragem. Lido com isso diariamente, mas tenho repetido para mim mesmo: 99% das minhas preocupações nunca se concretizam! Consigo deixar de lado planos e cronogramas, porque acredito na minha capacidade de responder ao presente. :)
Espero ter esclarecido como funciona o “planejamento” em uma organização responsiva. Se tiver alguma dúvida, comente abaixo. Você também lida com esse desafio de abrir mão do prever e controlar? Como a sua organização sente e responde?