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Guia para gestão de conflitos no trabalho

Gestão de conflitos no trabalho

Desprovidos da intimidade das relações pessoais, os conflitos no trabalho podem ser especialmente difíceis de navegar. As relações de poder unilaterais, a frieza do mundo corporativo e o tempo que dedicamos ao trabalho tornam o desafio ainda maior. Neste guia falaremos como é possível incorporar algumas práticas para melhorar a gestão de conflitos no trabalho e na vida.

  1. O que é um conflito?
  2. Por que sufocar ou postergar um conflito no trabalho pode ser ruim?
  3. Melhorando a gestão de conflitos no trabalho com conversas mais produtivas
  4. Gestão de conflitos com Comunicação Não Violenta
  5. Identificando relações dramáticas disfuncionais
  6. Criando espaços restaurativos no seu time
  7. Conversa entre adultos

O que é um conflito?

Um conflito pode ser definido como um estado de discordância entre duas ou mais pessoas. Normalmente ele acontece quando as partes não conseguem compreender-se, ou quando as estratégias para atender necessidades pessoais colidem. Alguns aspectos apresentados a seguir do mundo corporativo tornam a gestão de conflitos no trabalho especialmente difícil.

Autoridade e relação superior-subordinado

Uma das formas mais eficazes de lidar com conflitos é a boa e velha conversa. Mas é difícil criarmos um espaço seguro e de vulnerabilidade quando um dos participantes tem muito mais poder do que o outro. Se alguma vez você tentou ter uma conversa com o seu chefe sobre um aumento, você deve entender o que estou dizendo.

Acredito que uma boa gestão de conflitos no trabalho passa por enfrentar essas dissonâncias (entre pessoas), ao invés de fugir delas ou sufocá-las. A hierarquia e a diferença de autoridade entre um superior e o seu subordinado tornam a resolução de conflitos praticamente inviável. Por isso que acreditamos que práticas que buscam dar autonomia e distribuir autoridade podem ser tão valiosas.

Baixa vulnerabilidade

O ambiente corporativo tradicional desencoraja a vulnerabilidade. A cultura popular diz que se mostrar confiante no trabalho é importante, ainda mais se você está em uma posição de liderança. Dúvidas e incertezas devem ser deixadas do lado de fora da porta da firma, assim como sentimentos e questões pessoais. Se você é um gestor, é esperado que você tenha respostas, e não dúvidas.

Brené Brown, professora, pesquisadora e estrela de um dos TEDs mais populares da história, pensa diferente. Segundo ela, vulnerabilidade tem a ver com coragem, e não fraqueza. Ser vulnerável é ter vontade de mostrar uma parte de si, apesar dos resultados incertos. Brené ainda diz que a vulnerabilidade é o berço da criatividade e da inovação, pois sem assumir riscos, essas duas coisas não existem.

A baixa vulnerabilidade do ambiente de trabalho impede que as pessoas se mostrem por inteiro. Sem vulnerabilidade não há conexão. E sem conexão, é difícil ter uma boa gestão de conflitos.

Trabalho em times (tribalismo e groupthink)

Virtualmente todas as organizações operam dividindo a estrutura em diferentes times, ou grupos de pessoas com objetivos compartilhados. Esses times podem tender ao tribalismo ou groupthink, dois fenômenos que podem intensificar ou velar os conflitos no trabalho.

O tribalismo, segundo Ray Immelman, é a forma mais antiga de organização humana. As organizações, por mais evoluídas que sejam, estão sempre sujeitas à formação de tribos e subtribos. Ao fazer parte de uma, passamos a associar a nossa identidade pessoal à identidade ou ideologia do grupo. O objetivo do grupo se torna o nosso, e de repente nos vemos tão conectados ao propósito da tribo que estamos combatendo um inimigo (geralmente outra tribo) que não escolhemos conscientemente. Este comportamento pode ser observado nas tradicionais “panelinhas”, tão comuns no mundo corporativo. A formação de times e grupos no trabalho pode fortalecer o tribalismo, que por fim intensifica os conflitos entre grupos.

O trabalho em times também pode gerar alguns fenômenos interessantes, que coletivamente denominamos Groupthink. Somos seres sociais e quando agrupados, tendemos à conformidade e aceitação. Ser a voz dissonante em um time não é uma situação confortável. Ao buscar concordância, podemos oprimir o surgimento de ideias criativas e divergentes. E isso é nada mais do que uma forma de evitar ou postergar conflitos no trabalho.

Por que sufocar ou postergar um conflito no trabalho pode ser ruim?

Quando jogamos um conflito para baixo do tapete ou postergamos uma conversa difícil estamos aumentando drasticamente a chance da situação se tornar insustentável no longo prazo. Por um motivo simples: começamos a subir a escada da inferência sem termos consciência que nossas crenças afetam os dados que selecionamos para observar.

Ao nos depararmos com um potencial conflito, enxergamos uma dissonância entre o que temos e o que gostaríamos. Isso em geral envolve criar pressupostos a partir do que observamos no comportamento do outro. Por exemplo:

É a segunda vez que Walter chega atrasado. Ele não está comprometido.

Observe que a primeira frase é uma observação de um fato. Já a segunda é um julgamento, ou uma inferência. Nunca saberemos se Walter está ou não comprometido sem perguntar a ele. E além disso, a definição de comprometido também varia de acordo com quem observa a situação.

Se fizermos esse julgamento do comportamento do Walter sem validar com ele, passaremos a atuar como se o julgamento fosse verdadeiro. Já que o Walter não está comprometido, não vou convocá-lo para a reunião. Walter, ao não ser convidado para a reunião, começa a se envolver cada vez menos com os projetos. Temos então uma profecia auto-realizável. Leia esse texto para saber como sair dessa e dar bons feedbacks.

Agora que já entendemos mais sobre a natureza dos conflitos no trabalho, vamos falar sobre estratégias para melhor navegá-los.

Melhorando a gestão de conflitos no trabalho com conversas mais produtivas

Apesar dos desafios, a gestão de conflitos no trabalho é possível. Acreditamos que melhorar a qualidade das interações é fundamental. Mas um dos grandes problemas na hora de ter conversas difíceis, é que não temos clareza da nossa intenção ao ter uma. E entender os diferentes tipos de conversa que podem se desenrolar ajuda muito nesse processo. Vamos aos 4Ds:

Debate. Quando falamos em debate, logo lembramos dos debates presidenciais. Esse tipo de conversa envolve duas ou mais perspectivas em oposição. A intenção por trás de um debate é sempre convencer o outro sobre o seu ponto de vista. No debate há um vencedor e um ou mais perdedores.

Discussão. A discussão compreende aquelas conversas que parecem não ter fim. Geralmente a intenção é analisar algo em profundidade. Esse tipo de conversa exige bastante foco e uma limitação temporal (timebox), para impedir que o assunto se estenda infinitamente. Pergunte para um grupo O que fomenta a existência de panelinhas no trabalho? e você provavelmente terá uma discussão.

Deliberação. A deliberação tem a ver com tomada de decisão. Quando queremos deliberar sobre algo, em geral queremos chegar a um ponto convergente. Esse tipo de conversa demanda propostas claras e funciona melhor quando há uma governança bem definida (quem toma a decisão, como ela é tomada, etc).

Diálogo. Este é o tipo de conversa que encontra menos espaço no mundo corporativo. E adivinhe: é a mais eficaz de todas para resolver conflitos! O diálogo tem intenção de compreender coisas. Ele demanda escuta e integração de diferentes perspectivas. Nesse tipo de conversa não buscamos resolver coisas, mas apenas expandir a nossa percepção. A nossa postura ao entrar em um diálogo é sempre de curiosidade.

Não existe um tipo de conversa melhor do que outra. O importante é entender qual tipo você e as pessoas com quem você está conversando querem ter. Se uma pessoa quer ter um diálogo e a outra um debate, não vai funcionar. Se você se deparar com uma conversa difícil, esclareça a sua intenção e a da outra pessoa antes de iniciá-la.

Gestão de conflitos com Comunicação Não Violenta

Outro recurso muito valioso para navegar em conflitos no trabalho é a Comunicação Não-Violenta. A CNV baseia-se na premissa de que todas as pessoas podem ter compaixão e que usamos a violência (física ou verbal) quando não somos capazes de encontrar outras formas de atender às nossas necessidades.

Marshall Rosenberg, criador da CNV, identificou 4 componentes para diminuir a nossa posição defensiva e criar um espaço mais receptivo aos outros dentro de nós.

Observação. Ao falar com alguém sobre algo que nos incomodou, temos dois caminhos possíveis. Veja este exemplo:

Você está fazendo fofoca e atrapalhando o grupo.

Você falou sobre o Dudu com 4 pessoas, mas não falou para ele. Não gostei disso.

Na primeira alternativa, economizamos palavras, mas também carregamos a frase de julgamentos e inferências (fazendo fofoca e atrapalhando o grupo). Na segunda, a observação dos fatos é mais precisa e não acrescentamos interpretações (você falou sobre o Dudu com 4 pessoas). Na CNV, preferimos sempre observar os fatos (2a frase), porque acreditamos que a nossa visão da realidade é incompleta. Somar julgamentos só torna a conversa menos provável de ser bem sucedida.

Sentimento. Quando lidamos com um conflito no trabalho, em geral nos deparamos com um sentimento (nosso) em relação ao que observamos. Qual a diferença entre as duas frases abaixo?

Você não pode falar mal de alguém pelas costas. Isso é ridículo!

Fico irritado ao imaginar isso acontecendo comigo e sem saber como agir agora.

A primeira frase contém uma ordem (você não pode) além de um julgamento de valor (ridículo): dois elementos que tornam a nossa linguagem mais agressiva. Mas o que importa aqui é a segunda frase. Ela contém um sentimento expresso (fico irritado). Sentimentos são aquelas coisas que sentimos e são difíceis de explicar: raiva, tristeza, alegria, medo, nojo, etc. É diferente de um pensamento ou opinião.

Trazer o que você sente em uma conversa abre espaço para vulnerabilidade. Observe que quando você diz “fico irritado” você traz a questão para você mesmo, sem acusar o outro. O sentimento é seu e você que é responsável por fazer alguma coisa para lidar com ele.

Para entender os diferentes tipos de sentimentos e suas variações, veja o atlas das emoções (em inglês).

Necessidade. Todas as pessoas compartilham de algumas necessidades básicas universais. Além das fisiológicas (ar, comida, água, abrigo, sexo), temos as necessidades de interdependência, como autonomia, aceitação, apreciação, etc. Neste ponto você já deve reconhecer a diferença entre essas duas frases:

Estou muito puto porque você foi falso.

Estou puto porque pra mim é importante falar a real no trabalho

Apesar de não conter uma das palavrinhas da lista de necessidades, a segunda frase fala sim de uma (é importante falar a real). Talvez seja uma necessidade de honestidade, coerência ou consideração. O início (pra mim é importante…) denuncia que o que está por vir é uma necessidade. Note que nesse caso, como no exemplo dos sentimentos, quem fala traz a responsabilidade para si.

Reconhecer necessidades é doloroso, mas conecta pessoas. Todos conseguimos nos relacionar com elas, porque é muito provável que em algum momento de nossas vidas tenhamos nos deparado com algo similar.

Pedido. A cereja do bolo da CNV é o pedido. Ao invés de dar uma ordem e comandar uma pessoa a agir de determinada forma, você pode fazer um pedido! Parece óbvio, mas na prática não é tão fácil assim.

Pare de ficar criando caso e seja mais honesto com os seus colegas

Você toparia falar primeiro com a pessoa que você tem o problema?

Às vezes, pedir para o outro agir de forma diferente pode ser importante para atender uma necessidade nossa. Sempre que possível devemos buscar formas de resolvermos nós mesmos, mas um pedido também pode ajudar. É importante que ele seja realmente um pedido, e não uma exigência velada. Quanto mais claro, objetivo e simples for o pedido, maior a chance de ser atendido.

A CNV vai muito além dos quatro passos que detalhamos aqui. Ainda assim, eles são uma forma sistemática de melhorar a sua comunicação e a gestão de conflitos no trabalho.

Identificando relações dramáticas disfuncionais

Conflitos tendem a se repetir, formando ciclos. Isso acontece porque podemos assumir alguns papéis sociais disfuncionais. Stephen Karpman criou um modelo de interações destrutivas chamado de triângulo do drama, muito comum no ambiente corporativo. Assista esse vídeo para entender melhor:

Karpman identificou três papéis destrutivos que as pessoas comumente assumem em conflitos no trabalho e na vida:

Vítima: A (falsa) vítima coloca-se como impotente frente à situação. Ela não se sente responsável pelos fatos e prefere não agir, culpando pessoas (ou circunstâncias) pelo que acontece. Frase da vítima: Pobre de mim!

Perseguidor: O perseguidor é opressivo, crítico e autoritário com a vítima. Ele diz: é tudo culpa sua! Ao perceber o dano causado, é comum que o perseguidor mude o seu papel para vítima, pedindo desculpas e tentando esclarecer sua intenção.

Salvador (ou resgatador): O salvador aparece para tirar a vítima do conflito e resolver o problema dela. Ele às vezes se mostra empático, mas no fundo tem uma intenção não revelada ao ajudar a vítima. É comum estabelecer uma relação de dependência com ela.

 

Perceba que o drama não acontece em função de características individuais, mas de relações entre papéis que são assumidos pelas pessoas.

Uma vítima não consegue se manter no papel de vítima sem que exista um perseguidor ou salvador. Os papéis se complementam na sua disfunção e não existem de forma independente.

A motivação de cada participante do drama é satisfazer alguma necessidade individual inconsciente (ou consciente e não revelada). O problema é que as estratégias para satisfazer essas necessidades são falhas e eles não percebem o dano que o drama gera na situação como um todo.

Ter consciência do triângulo do drama pode ajudar você a adaptar o seu comportamento ao perceber que você está se engajando nessa dinâmica disfuncional.

Criando espaços restaurativos no seu time

Por último, ao contrário do que ouvimos com certa frequência, não acreditamos que existe uma separação clara entre o “eu pessoal” e o “eu profissional”. Claro que é importante você reconhecer o que faz parte das suas necessidades como indivíduo e diferir daquilo que ajuda ou não a organização a ter sucesso e expressar o seu propósito. Mas ir para o trabalho escondendo uma parte de você mesmo (ou deixando ela do lado de fora) não é bacana.

Acreditamos que as pessoas devem ter condições de se expressarem plenamente no ambiente de trabalho. E isso é chave para ter uma boa gestão de conflitos. Chamamos isso de integralidade.

Parte do nosso trabalho na Target Teal envolve ajudar organizações a criarem esses “espaços restaurativos”, onde os participantes de um time podem trazer as questões mais latentes e estabelecer conversas importantes. No método Organização Orgânica, temos um momento específico para isso que chamamos de modo cuidar. Se você estiver interessado em fomentar esses espaços na sua organização, confira abaixo o nosso curso gratuito Fundamentos em Auto-Organização.

Conversa entre adultos

Conflitos no trabalho são difíceis. Ter a coragem de iniciar uma conversa sobre eles também é. No entanto, ao evitarmos de estabelecer um diálogo, corremos o risco de intensificar o drama e tornar a situação insuperável. Tudo passa por se comportar e tratar as pessoas como adultas, responsáveis pelo seus próprios sentimentos e necessidades. Neste guia apresentamos algumas estratégias para melhorar a gestão de conflitos no trabalho e criar melhores interações entre as pessoas. Esperamos que você tenha curtido! ;)

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