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Interdependência e Reuniões Regulares

interdependencia e reuniões

No trabalho com organizações é muito comum atuarmos no desenho e proposição de reuniões regulares ou rituais. Tento aqui sistematizar um pouco do que aprendemos com times e áreas de todos os tipos e tamanhos.

Passei os primeiros 10 anos da minha vida profissional sofrendo em reuniões regulares de equipes em que atuei. Não suportava ser chamado para uma reunião para ouvir chefe reclamar. E mesmo quando estava em uma posição de gestor, não achava que a estrutura e conteúdo das reuniões eram satisfatórios.

Uma pesquisa de 2019 estimou que o custo anual de reuniões mal feitas apenas nos EUA é de 399 bilhões de U$ por ano, então a insatisfação não é apenas bobagem minha.

Um fator importante para decidirmos como estruturar uma reunião é entendermos como as atividades, tarefas e o trabalho desse time estão conectados. Essas relações de interdependência entre as atividades, pessoas e papéis colocam diferentes demandas no ritual.

Tipos de Interdependência

James D. Thompson definiu três tipos de relações de interdependência: agrupada, sequencial e recíproca. Se você entender essas relações poderá começar a entender como estruturar melhor uma reunião regular.

Interdependência Agrupada

É uma relação onde o trabalho acontece em paralelo, ou seja, como se cada um contribuísse com uma peça para formar um quebra-cabeça gerando o resultado final. Uma equipe de ginástica olímpica tem praticamente apenas relações de interdependência agrupada. É a soma das notas que importa se o time será selecionado para participar das olimpíadas.

Interdependência Sequencial

Existe quando uma pessoa ou área depende do input da outra, mas não o contrário. Uma analogia útil seria uma corrida de revezamento. Muitas vezes esse tipo de interdependência existe quando temos um fluxo estável de demanda de um para outro.

Interdependência Recíproca

Aqui temos múltiplos vetores de dependência e para cada um existe um no sentido contrário. Cada um precisa constantemente ajustar o seu trabalho quando o outro toma alguma decisão. A frequência e intensidade de interações é alta, como um time de basquete. 

Os diferentes tipos de interdependência não são excludentes, um mesmo time/área/grupo tem todos os tipos, então a diferença está na proporção de cada um. Além disso, existem elementos no design organizacional que promovem um tipo mais do que outro. Muitas vezes as organizações fazem escolhas inconscientes ou intuitivas sobre esses elementos.

Tente agora olhar para a organização em que você atua e imagine como são as relações de interdependência nos seguintes contextos:

Agora que entendemos melhor essas relações podemos pensar em como estruturar reuniões regulares para diferentes contextos. Escolhi três tipos bem comuns.

Alta interdependência agrupada

Imagine um time ou uma reunião em que as pessoas têm funções complementares que quando somadas geram um resultado comum, mas boa parte do trabalho é feito em paralelo de maneira independente. Muitas áreas funcionais tem esse tipo de relação, como dentro do time financeiro, compras e recursos humanos. 

O que precisamos considerar na montagem de uma reunião para um time ou área com alta interdependência agrupada e baixos níveis das outras interdependências?

Boas ideias. Provavelmente será necessário ter uma reunião que permita que todos visualizem de maneira geral e sucinta o andamento das atividades mais relevantes. Aqui você encontra a descrição de um padrão que pode servir de inspiração

Além disso, faz sentido ter um espaço para as pessoas trazerem problemas e oportunidades, ou seja, tensões criativas (a.k.a. tensões). Se o grupo já possui clareza de objetivo ou propósito e se já existe uma clareza estrutural de autoridade e de expectativas entre os papéis ali dentro, as tensões poderão ser resolvidas com pedidos claros de ajuda, como por exemplo ideias de como resolver um problema ou um pedido de ação bem claro de outra área ou papel, pois existem pequenas dependências pontuais. 

É fundamental ter algum mecanismo na reunião para a proposição e aprovação de acordos de trabalho, onde o grupo possa criar processos que permitam que cada um trabalhe de maneira mais eficiente sem a necessidade de constante interações e sem prejudicar o resultado final.  

Cuidados. Propor práticas de reunião que colocam tudo que está na pauta como pontos a serem discutidos gera desperdício de energia. Lembre-se, muitas pessoas precisam apenas de ajudas pontuais e pequenas ações de outras áreas ou pessoas e não de uma discussão. Mesmo quando existe a necessidade de um acordo que determine um processo, a discussão exaustiva raramente ajuda, e a busca por consenso pode ser pior do que você imagina

Evite cair na armadilha de que todos precisam se envolver em tudo ou que é preciso um plano detalhado sobre o que cada um irá fazer nas próximas semanas. Com a onda ágil chegando em empresas de todos os tipos, vejo que uma disfunção comum é tentar rodar as cerimônias de Scrum com times desse perfil. 

Alta interdependência sequencial

Imagine um contexto em que para uma começar o trabalho, o outro precisa ter feito algo antes e essa situação específica acontece o tempo todo e muitas vezes formando uma cadeia de pessoas ou áreas envolvidas. É um contexto típico quando pensamos em uma grande área que congrega compras de insumos/produção//logística de entrega ou em times onde o trabalho é organizado em papéis que assumem diferentes etapas de um processo estável. 

O que precisamos considerar ao estruturar uma reunião para esse tipo de contexto?

Boas ideias. Quando é fácil prever o término de uma tarefa, podemos fazer o uso de planos e cronogramas mais detalhados e eles precisam ser expostos na reunião e receber inputs para pequenos ajustes. Não existindo essa previsibilidade, é mais útil a reunião incorporar práticas que permitam a visualização e otimização do fluxo de trabalho. O método Kanban é muito bom para isso. 

Ainda se faz necessário criar acordos que regulam esse fluxo, e ter um processo eficiente para a proposição a aprovação desses acordos ou políticas na reunião pode ajudar bastante. A frequência da reunião regular precisa levar em conta o quanto determinado fluxo precisa ser visualizado e ações de priorização e otimização tomadas. 

Cuidados. É comum ao longo dos anos, as empresas criarem longos processos e fluxos de trabalho. Muitos deles geram aquilo que conhecemos por burocracia e afetam a capacidade da organização em focar no cliente e gerar valor. Olhar de maneira crítica para esses processos pode tornar tudo mais fácil, inclusive a reunião regular de trabalho. Um design organizacional responsivo é fundamental, pois ele ajuda na remoção do entulho que gera interdependência sequencial onde não precisaria existir.  

Alta interdependência recíproca

É comum times multidisciplinares com foco exclusivo em um projeto ou produto possuírem altos níveis de interdependência recíproca, ou seja, as pessoas precisam, várias vezes ao dia, coordenar o trabalho entre si. O vai e volta constante demanda uma interação muito próxima entre as pessoas. 

Porém, quando esse esse tipo de interdependência surge entre times diferentes, temos um contexto que pode tornar o trabalho muito lento e a complexidade atingir níveis difíceis de lidar. Esse caso demanda um esforço de desacoplamento para que as coisas fluam. Esse artigo reforça essa visão.

O que precisamos considerar quando encontramos altos níveis de interdependência recíproca em um time?

Boas ideias. Pegando a inspiração na metodologia Crystal Clear de Alistair Cockburn, é possível pensar que um time pequeno (até 6 pessoas) experiente, co-localizado e com autonomia e comunicando-se de maneira fluída e contínua, precise de poucas reuniões estruturadas, exceto para criar alguns acordos de trabalho quando necessário. 

Porém, essa não é uma realidade tão comum e surge no contexto dos métodos ágeis alguns formatos já famosos, como a reunião diária de pé (a “daily standup”) que ajuda a deixar mais visível o que está acontecendo e que tensões precisam ser resolvidas no dia. A chave aqui é aumentar a velocidade com que as tensões são resolvidas, só deixando para reuniões semanais aquilo que pode ser adiado, como uma proposta para um novo acordo/processo interno ou mesmo um diálogo que estimule a vulnerabilidade e empatia. 

Cuidados. A separação presente no Scrum entre uma reunião para olhar para o produto (Review) e outra para olhar para o processo (Retrospectiva) não faz sentido na maior parte dos contextos fora do software. Melhoria contínua é algo vital, porém essa separação pode não ser tão funcional. Ainda mais quando a discussão nas Retrôs termina com pedidos vagos sobre melhoria da comunicação ou mais pro-atividade. 

Considerações finais

Se analisarmos com um olhar aguçado para o ritmo e a estrutura de reuniões regulares que temos dentro de uma organização, conseguiremos achar muitos pontos de melhoria. 

Normalmente essas reuniões não estão mapeadas e a quantidade e ineficiência delas é algo enervante. Inúmeras reuniões de “alinhamento” semanais com pouca clareza de pauta, estrutura ou condução são indicadores de que é preciso olhar para o design organizacional. 

Acho fundamental as organizações começarem a investir no desenvolvimento de pessoas que possam atuar como facilitadores desses rituais, porém se não fizermos um trabalho mais cuidadoso no desenho dessas reuniões, esses novos facilitadores enfrentarão um desafio quase impossível. 


Se você precisar de ajuda em sua organização para atualizar as práticas de reunião e construir rituais mais eficazes e eficientes, pode contar com a Target Teal. Vamos tomar um café. 

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