Você já participou de alguma reunião em que muitas pessoas já sabiam do que seria proposto, decidido ou conversado, exceto você? E como foi?
Certa vez dei consultoria para uma ONG que estava trilhando o caminho do design organizacional emancipatório e experimentando O2. Ao mesmo tempo em que queria trabalhar com base em acordos explícitos mais do que fazer politicagem, eles relutavam em apresentar propostas inéditas durante as reuniões de governança. Outra característica desse grupo era que as reuniões eram sempre “pré-combinadas” e o rito em si não passava de uma performance.
As pessoas sentiam um desconforto tremendo em pensar na ideia de trazer algo que o grupo nunca tinha visto. Tive a oportunidade de entrevistar algumas delas para entender melhor. Para minha surpresa, um dos novatos na organização tinha tentado esse caminho de simplesmente levar a proposta na reunião sem “alinhar antes”, mas foi reprimido com um fodeback (feedback) do seu gestor. Ele estava quebrando um pressuposto cultural implícito que era combinar o jogo antes.
Naquela organização as pessoas preferiam manter sua influência política nas sombras e constantemente sabotavam qualquer tentativa de tornar o seu poder mais explícito. Essa é a tirania da falta de estrutura, que pode ser terrivelmente mais opressiva que o autoritarismo explícito do chefe.
Ao mesmo tempo, também já vivi o outro lado. Algumas vezes me senti muito desconfortável em levar uma proposta inédita na Target Teal, e senti vontade de consultar outras pessoas para ganhar confiança antes da reunião. Será que estava engajando no mesmo jogo de pré-combinar a reunião que percebi no meu cliente? Nessa hora senti um arrepio, pois me vi num dilema entre aumentar minha segurança e ser incoerente com a minha prática (afinal, pregava nos clientes que não deve-se combinar a reunião antes), ou ser coerente e continuar inseguro.
Agora eu compreendo que pode não ser um problema consultar as pessoas antes de propor algo e aprendi algumas heurísticas que me ajudam com isso. Mas antes de olhar para essas heurísticas, vamos avaliar dois extremos possíveis:
- Nunca consultar ninguém e apresentar coisas completamente inéditas em uma reunião para deliberação; OU
- Sempre consultar todo mundo o tempo todo e não agir sem aval do grupo ou das pessoas mais influentes (reuniões pré-combinadas).
Nunca consultar
No caso do “nunca consultar”, posso apresentar propostas nas reuniões que sei que podem gerar insegurança nas pessoas, e ao não ter muito tempo para refletir, as pessoas podem se sentir encurraladas ou descuidadas.
Quando trabalhamos com a ideia de acordos adaptativos que está presente na Organização Orgânica, essa sensação pode diminuir, pois todos sabemos que os acordos podem ser revertidos rapidamente. Ainda assim, alguns poucos acordos podem ter impacto negativo irreversível na organização e nas pessoas.
Outra coisa que ajuda a aliviar esse extremo são as propostas pequenas e incrementais. Quanto menor a minha proposta de mudança, mais tranquilamente ela será recebida.
Eu vivi uma situação dessas na Target Teal, em que sentia uma grande tensão sobre a forma que nossa comunidade (a Teal Network) estava sendo gerenciada por um grupo externo à organização de 7 pessoas. O caminho que escolhi seguir inicialmente foi dos mais mirabolantes: integrar todas essas pessoas à Target Teal, que na época tinha 11 integrantes. Imagine o tipo de impacto que isso gerou na organização: a proposta não era nada simples. Claro que eu tinha argumentos e um racional para isso, mas percebi que se seguisse em frente eu afetaria as pessoas e as relações internas. Acabei optando por seguir um caminho mais simples para evitar danos e muitos “alinhamentos” foram necessários. Se tivesse proposto algo mais simples desde o começo, provavelmente não seria necessário alinhar nada. Quando falo que foi necessário alinhar, me refiro à minha própria necessidade de segurança, e não uma exigência dos meus colegas. Para mim era importante tanto cuidar do impacto dessa proposta nos outros quanto da minha tensão original.
Sempre consultar (a reunião pré-combinada)
Igualmente perigoso (ou até mais) é o caminho de sempre consultar. Para agradar todos e evitar danos nas relações, prefiro alinhar sempre antes de apresentar qualquer proposta de deliberação. Se isso for feito de forma sistemática e por todos, com o tempo os rituais de deliberação (como uma reunião de círculo ou de governança) tornam-se mera formalidade.
Talvez as pessoas até desistam destas reuniões por perceberem que elas não tem função, já que tudo “a gente resolve conversando”. Nesses espaços informais e não facilitados, os vieses de grupo dominam, assim como as relações de poder invisíveis.
Queria destacar aqui uma prática comum em várias organizações que fortalece o extremo da reunião pré-combinada, que é definir e compartilhar a pauta antes da reunião. Ter a pauta antes dá tempo para as pessoas “se prepararem” e fazerem alianças políticas, fortalecendo o efeito manada e outros vieses de grupo. Por exemplo, se estamos inseguros com nossa possível objeção a uma proposta, vamos buscar um salvador para levantar ela em nosso nome. Se achamos que nosso rank é baixo na organização, vamos querer apoio dos mais influentes.
Consultar ou não consultar?
Se consultar demais é um problema, assim como consultar de menos, como achar um ponto de equilíbrio nisso? Acredito que não há resposta certa e genérica para isso, mas como disse no início do texto eu encontrei algumas heurísticas gerais que me ajudam a escolher.
Em geral, quando penso que se já sei qual é minha tensão (o problema que quero resolver) e tenho uma proposta, estou pronto para deliberar. Portanto levo a decisão na reunião onde deve ser tomada e não tenho necessidade de consultar as pessoas antes.
Ou seja, busco consultar as pessoas apenas quando:
- Quero explorar mais minha tensão, compreender meus interesses e necessidades;
- Quero construir uma proposta ou ter ideias de como resolver minha tensão.
No segundo caso vale um cuidado extra para não buscar a solução perfeita, apenas a boa o suficiente. Também é importante focar apenas na minha tensão, pois quando compartilhamos nossa tensão com outras pessoas, é comum elas trazerem também as delas. Nessa hora posso tentar buscar uma solução que contemple todas as necessidades, e termino por cair no Paradoxo de Abilene e também no papel de salvador do outro.
Quanto mais tempo ficamos “cozinhando nossas tensões” e alinhando antes de propor, mais rebuscada será nossa solução, mais apego teremos à proposta e menos dispostos estaremos a integrar diferentes objeções.
De forma geral, busco dividir os momentos em “exploração” e “deliberação”. Quando estou no primeiro, utilizar do grupo para entender caminhos pode ser útil. Quando já tenho uma proposta e estou no segundo já parto para o espaço de propor algo ao invés de tentar alinhar antes.
E você, como lida com esse dilema entre consultar ou não as pessoas no seu contexto de trabalho?