Essa ideia de alguém ser solicitado a ser um exemplo sempre me soou meio esquisita.
Pensa comigo: Em alguns dias, mal damos conta dos nossos próprios problemas, então como, exatamente, conseguiremos resolver todas as questões organizacionais e ainda por cima ser um modelo a ser seguido?
Para falar disso, quero contar uma breve história da minha relação com liderança para você.
Vejo-me liderando e influenciando pessoas e projetos desde criança. Já fui representante de turma na escola, líder de adolescentes na igreja e coisas do tipo. A liderança simplesmente acontecia sem grandes explicações ou contextos, então quando entrei no mundo corporativo não foi diferente.
Aos 25 anos eu já pude selecionar meu primeiro time, depois liderei uma equipe de Marketing CRM composta por 8 pessoas e, em seguida, virei gerente nacional de Trade Marketing em uma grande empresa de Telecom, cuidando de um orçamento de mais de 10 milhões e uma equipe com cerca de 20 pessoas, entre diretos e indiretos, no Rio de Janeiro e no Brasil todo.
Antes mesmo dos 30, eu me sentia no pico da carreira, realizando meu sonho de ser líder em uma grande empresa, chegando onde achava que “deveria chegar” e bem nessa hora, adivinhem? Eu desisti.
Desisti de muitas coisas para que novas pudessem começar mas, a maior delas, foi desistir de ocupar cargos de liderança. Desisti pois não queria me comprometer em ser exemplo de tudo. A pressão de ser exemplo, de ter respostas e de acertar, me fizeram desistir de algo que sinto que tenho vocação pra ser, mas que, naquele momento, estava me pesando demais.
O que observei bastante na minha experiência foi um grande julgamento da figura do líder. Ouvia com certa frequência frases como:
- Não é gerente? Como não sabe resolver isso?
- Como pode uma líder não saber do assunto (insira aqui qualquer assunto técnico que a equipe/o chefe do líder acha que o líder TEM QUE saber)
- Nossa, ela é gerente de uma empresa e posta esse tipo de coisa nas redes sociais?
- Como eu que sou especialista sei mais que minha gerente sobre XXXXXX?
Por isso “tô de boas”, não quero esse peso de ser exemplo nas minhas costas, não quero toda essa expectativa sob mim, ao mesmo tempo que fico pensando se realmente algum ser humano têm autoconhecimento suficiente para se intitular exemplo ou referência de alguma coisa, seja ela qual for.
Todo mundo precisa fazer sua parte
Muito se fala que os líderes precisam confiar nas pessoas, criar segurança psicológica, promover um ambiente de erros e aprendizado sem julgamento. Acho ótimo e assino embaixo. Mas quem promove isso para o líder? Será que o líder do líder está realmente preparado para essa virada de pensamento? Quem cuida de quem está cuidando?
Por outro lado, será que os liderados estão realmente abertos para compreender que o líder não tem todas as respostas, que vai falhar e não vai ser um exemplo todos os dias e principalmente em todos os aspectos?
Não existe uma forma de construir uma cultura de vulnerabilidade, colaboração e segurança psicológica se a figura do líder não for integrada ao processo como alguém que também precisa ser cuidado e não como único agente responsável em “se virar” para proporcionar isso para as pessoas.
Talvez por isso que abordagens que tratam a liderança como algo mais fluído e que está disponível para muita gente exercer (ver autogestão) permite uma circularidade nesse cuidar e torna obsoleta a expectativa de que uma pessoa será exemplo e cuidará de todos.
Ué, mas se o líder não precisa ser exemplo, o que ele deve fazer então?
Como diz Richard Benfield, VP de Design na InVision, em seu artigo “Porque a liderança pelo exemplo é o pior tipo de liderança?” (tradução livre):
“Uma boa liderança certamente requer que você ofereça um exemplo do que você quer que sua equipe VEJA, mas isso não é o mesmo que ajudá-los a construir os comportamentos para que os liderados SEJAM os melhores que eles podem ser. Você ser a melhor versão de si mesmo nunca é o mesmo que outras pessoas sendo a melhor versão delas mesmas. Quase todos os líderes sentem dificuldades nesse desafio.”
Então, na minha percepção e experiência, um bom líder é só um ser humano com alguma disposição a mais para fazer as coisas acontecerem e com habilidade de ser um bom maestro da sua banda. Para isso ele não precisa ser exemplo, pois adultos não aprendem apenas observando exemplos, adultos aprendem testando e vivendo situações, evoluindo a partir dos seus próprios experimentos.
Sendo assim, considero que essas são as habilidades-chave para uma liderança humana e mortal:
- Confiar nas pessoas para realizar o trabalho;
- Abrir espaço de escuta para aprofundar verdadeiramente no entendimento das necessidades das pessoas;
- Incentivar uma cultura de experimentação e melhoria contínua;
- Enxergar erros como oportunidades de aprendizado, abraçando as ocorrências para, justamente, defender que a perfeição e o exemplo são conceitos que não existem;
- Compartilhar conhecimentos técnicos e de carreira que ajudem a desenvolver o time;
- Apoiar as pessoas no desenvolvimento de suas carreiras;
- Entender bastante do negócio da empresa para ajudar nas orientações e priorizações do time que lidera.
Ops péra! Volte na lista. Será que todas essas habilidades deveriam ser apenas da liderança?
Perceba que até uma tentativa de listar responsabilidades de um indivíduo, nos faz conectar novamente com a ideia de que a maioria dos itens poderiam ser habilidades e atitudes de qualquer membro da equipe.
Todas as pessoas que fazem parte de um time, aprendem com quem está ao seu lado, então está tudo bem o líder não ser bom em tudo quando temos um time colaborativo, onde um se inspira no outro e sabe que pode contar com o apoio de todos.
Ser exemplo? O que é ser exemplo?
Posso falar da minha carreira atual como Agile Coach e Facilitadora: Quando alguém vem me falar: “Maíra, você é referência e exemplo em Agilidade, CNV…” Eu logo respondo: Não sou referência de nada, só estou compartilhando coisas que estudo e acredito, então recomendo que desconfiem de tudo que eu falo, e também de todas as pessoas que se dizem referências de algum assunto.
Precisamos desenvolver o senso crítico e um olhar atento sobre as pessoas que são nossas referências e exemplos. Hoje em dia minhas maiores referências são justamente pessoas que me contam não somente suas vitórias, mas também suas derrotas e, ao me conectar com a humanidade delas, encontro a humanidade em mim.
O que é exemplo para mim, pode não ser para você. O que uso como referência, pode não ser útil ao seu contexto.
Quem sabe quando humanizarmos a liderança teremos mais gente interessada e se sentindo apta em liderar?
Referências:
https://www.fastcompany.com/3055598/why-leading-by-example-isnt-always-enough
[…] Os pontos levantados pelo Goleman com certeza fazem mais sentido do que aquela listinha tosca da Forbes. Mas ainda assim, relacionar isso com a figura de um(a) líder continua sendo algo que acaba por reforçar a narrativa de que líderes são seres humanos que devem ser seguidos como um exemplo. […]