Recentemente publicamos um texto contando em detalhes o modelo de autogestão RenDanHeYi (人单合一) da Haier. Hoje vamos explorar como a Organização Orgânica (O2) pode ser utilizada para replicar integralmente o modelo RenDanHeYi da Haier, adicionando ainda uma camada importante estrutural que pode permitir uma evolução constante dessa estrutura.
Para que você aproveite bem esse texto, é essencial que leia aqui o nosso post sobre o RenDanHeYi e conheça minimamente os contornos da Organização Orgânica.
MEs e EMCs se tornam Círculos
Na estrutura organizacional da Haier, as Microempresas (MEs) e as Comunidades Micro-Ecossistemas (EMCs) são os elementos fundamentais. Vamos relembrar brevemente a sua definição:
Microempresas (MEs): São pequenas unidades autônomas dentro da Haier, geralmente com 10-15 pessoas. Cada ME funciona como uma mini-startup, com total responsabilidade por suas decisões de negócios, gestão de pessoas e remuneração. As MEs têm a liberdade de buscar oportunidades de mercado e inovar rapidamente.
Comunidades Micro-Ecossistemas (EMCs): São agrupamentos de MEs relacionadas ao longo de uma cadeia de valor. As EMCs facilitam a colaboração entre diferentes MEs, permitindo que elas compartilhem recursos e criem valor coletivamente. Essa estrutura promove uma resposta mais ágil às mudanças no mercado e às necessidades dos usuários.
Podemos replicar essa estrutura utilizando os círculos da O2 da seguinte forma:
- MEs como círculos: Cada ME pode ser representada por um círculo na O2. Isso permite que cada unidade tenha sua própria estrutura interna de papéis e responsabilidades, mantendo a autonomia característica das MEs no modelo RenDanHeYi.
- EMCs como círculos maiores: Os EMCs podem ser representados por círculos que englobam vários círculos de ME. Isso reflete a estrutura de cadeia de valor do ecossistema proposta pelo RenDanHeYi e permite coordenação entre as diferentes MEs através da reunião de círculo. Além disso a O2 utiliza representação dupla (Guia e Representante) para conectar os círculos. Nessa reunião de EMCs teríamos a participação de cada Guia de círculo ME além de um representante eleito.
- Papéis dentro das MEs: A O2 oferece uma vantagem adicional ao modelo RenDanHeYi ao permitir a criação de papéis específicos dentro de cada ME. Isso pode ajudar a clarificar responsabilidades e expectativas dentro das microempresas, algo que não é explicitamente abordado no modelo da Haier conforme documentado pela Corporate Rebels.
- Tomada de decisão: A estrutura de círculos e papéis da O2 fornece um processo claro para estabelecer e modificar acordos dentro das MEs e EMCs, o que pode melhorar a governança interna dessas unidades e também permitir que todos os membros das MEs participem da tomada de decisão. A O2 utiliza a tomada de decisão integrativa, um processo decisório diferente do consenso que equilibra participação e agilidade.
Além disso, as seguintes responsabilidades poderiam ser adicionadas aos círculos de ME e/ou EMCs:
- Priorizar as necessidades do usuário final nas ações e decisões, considerando-o como o verdadeiro foco e orientando todas as atividades para a criação de valor para ele (ME e EMCS).
- Desenvolver “ofertas de cenário” que atendam às necessidades holísticas dos usuários, integrando produtos, serviços e parcerias externas (para EMCs);
- Criar “marcas de ecossistema” que visem estabelecer relacionamentos de longo prazo com os usuários, desenvolvendo experiências completas e personalizadas (para EMCs).
Limites de integrantes por Microempresas
O modelo da Haier estabelece uma limitação de tamanho para as MEs no intervalo entre 10-15 integrantes. Para replicar esse efeito em uma estrutura como O2, poderíamos adotar a seguinte restrição no círculo geral da organização:
Restrição: Limites de integrantes por Microempresas Se o número de integrantes de uma Microempresa (ME) for igual ou superior a 15 pessoas, o @Guia não poderá atribuir novos parceiros a papéis na ME. Caso o limite de 15 integrantes seja atingido, o @Guia deverá:
- Realizar uma análise para identificar possíveis subdivisões na ME, considerando o propósito e as responsabilidades dos papéis existentes;
- Propor a criação de duas ou mais MEs menores no círculo da EMC correspondente, redistribuindo os papéis e parceiros de forma equilibrada.
Obs: O Guia é o nome do antigo papel essencial do “Elo Externo”, que foi alterado na versão 3.5 da O2.
Responsabilidade financeira nas MEs e EMCs
Para que as MEs gastem somente aquilo que tem disponível, poderíamos criar uma restrição no círculo geral da seguinte forma:
Restrição: Responsabilidade financeira das MEs e EMCs
Os círculos de Microempresa (ME) e Comunidade Micro-Ecossistema (EMC) somente poderão utilizar recursos financeiros provenientes de:
- Receitas geradas a partir de clientes da própria ME/EMC;
- Investimentos captados diretamente pela ME/EMC, seguindo as diretrizes da organização;
- Repasses formalmente aprovados pelo círculo geral ou outros círculos da organização, mediante solicitação prévia.
É importante também orientar as MEs e EMCs quanto ao pagamento da remuneração dos parceiros que empregam seus esforços nestes círculos. Em uma organização convencional, este pagamento geralmente é centralizado. No entanto, para aumentar a responsabilidade financeira precisamos descentralizar isso restringindo a atribuição de papeis a pessoas pelo Guia do Círculo, que geralmente é responsável por isso na O2.
Restrição: Verificação de recursos antes da atribuição de parceiros Antes de atribuir um parceiro a um papel no Círculo, o @Guia deve:
- Verificar se o Círculo possui recursos financeiros suficientes para pagar o salário ou remuneração do parceiro pelo tempo e energia dedicados ao papel;
- Caso os recursos sejam insuficientes, buscar alternativas como a redistribuição de recursos de outros papéis ou a captação de novos recursos;
- Somente proceder com a atribuição do parceiro ao papel após garantir a disponibilidade dos recursos necessários.
Contratação de pessoas
Não há uma restrição sobre contratação de pessoas na O2 definida a priori. Por isso qualquer círculo poderia contratar novos parceiros para a organização, desde que observasse as restrições de alocação propostas na última seção. Ainda assim, poderíamos criar uma ME de recrutamento e seleção que prestasse esse serviço internamente na organização.
Pessoas subalocadas
Um problema que pode surgir a partir desse tipo de organização e “orçamento por círculo” são pessoas que foram contratadas pela organização, mas que estão alocadas apenas parcialmente por terem perdido papeis em alguns círculos. Há pelo menos 2 caminhos para lidar com isso:
Caminho 1: Forçar alocação exclusiva
Há vantagens de manter as pessoas restritas a trabalhar em uma única ME ou em MEs de uma mesma EMC, principalmente a redução da “sobrecarga cognitiva” pelas trocas de contexto frequentes. Se esse for o caminho que você deseja para a sua organização, você pode criar uma restrição que limite a atribuição de papeis:
Restrição: Alocação exclusiva por EMC Antes de energizar uma pessoa em qualquer papel no círculo, o @Guia do Círculo deve verificar se essa pessoa terá dedicação exclusiva a este círculo. Se a pessoa já estiver energizada em papéis em outros círculos, o @Guia do Círculo não deve energizá-la, a menos que:
- Os outros círculos façam parte da mesma Comunidade Micro-Ecossistema (EMC) que este círculo.
- A pessoa concorde em se desenergizar dos papéis nos outros círculos que não fazem parte desta EMC, ficando com dedicação 100% exclusiva a esta EMC.
Caminho 2: Círculo de Talentos
Outro caminho para lidar com a subalocação seria a criação de um círculo de “Talentos”, ou uma ME dentro do modelo RenDanHeYi responsável por monitorar a alocação dos parceiros e oferecer um serviço de contratação para os demais círculos. Ele poderia ter uma estrutura como essa:
Círculo Talentos
Propósito: Contratações ágeis e benéficas a longo prazo, com alocação eficiente dos talentos internos.
Responsabilidades:
- Realizar processos seletivos, em parceria com o círculo contratante, para efetivar novas contratações
- Monitorar o percentual de alocação dos parceiros nos papéis e círculos
- Apresentar aos parceiros subalocados as oportunidades disponíveis em outros círculos
- Conectar parceiros que manifestem interesse em novos desafios com círculos que necessitam de seus talentos
- Conduzir desligamentos quando a realocação não for possível
As MEs que necessitem portanto de mais pessoas para os seus papeis acionariam esse círculo trazendo sua necessidade. Primeiro o círculo de talentos ofereceria os parceiros internos que estão subalocados, para só depois recrutar pessoas externas à organização. Esse serviço seria cobrado do círculo que tem a necessidade, respeitando as regras de responsabilidade financeira do modelo da Haier. Parceiros que ficassem subalocados por muito tempo seriam desligados pelo círculo, para evitar prejuízos para a organização.
Declaração de Valor Agregado
A Declaração de Valor Agregado é uma ferramenta financeira desenvolvida pela Haier para superar as limitações das demonstrações financeiras tradicionais. Ela inclui elementos como recursos dos usuários, parceiros internos e externos, lucros obtidos, receitas e custos, ganhos marginais.
Para que cada ME fosse responsável por produzir sua própria declaração de valor agregado, poderíamos adicionar a responsabilidade correspondente nos círculos:
- Elaborar e atualizar regularmente a declaração de valor agregado
- Monitorar e reportar o desempenho financeiro e de criação de valor das MEs dentro do EMC
Monitoramento e Exclusão de EMCs e MEs
Para manter a saúde financeira do ecossistema, podemos criar um papel no círculo que contém os EMCs:
Papel: “Auditor de Ecossistema”
Propósito: Ecossistema organizacional saudável financeiramente
Responsabilidades:
- Monitorar as declarações de valor agregado de todos os EMCs e MEs
- Propor a exclusão ou reestruturação de EMCs que não estejam financeiramente sustentáveis
- Avaliar e recomendar ações para MEs que não estejam contribuindo adequadamente para o valor do ecossistema
Conclusão
A adaptação do modelo RenDanHeYi da Haier utilizando a estrutura da Organização Orgânica (O2) demonstra a flexibilidade e adaptabilidade da O2 como uma tecnologia social. É importante ressaltar que todas as adaptações propostas foram realizadas sem a necessidade de alterar os meta-acordos originais da O2.
Nesse exercício de imaginação, conseguimos replicar todos os elementos fundamentais do RenDanHeYi – como as Microempresas (MEs), Comunidades Micro-Ecossistemas (EMCs) e a Declaração de Valor Agregado usando círculos, papéis e restrições da O2. Além disso podemos dizer que não só replicamos, mas aprimoramos o modelo em certos aspectos. A implementação proposta oferece vantagens como clareza estrutural, flexibilidade adaptativa, governança distribuída, responsabilidade financeira e uma gestão de talentos mais eficiente.
Esta abordagem permite que as organizações colham os benefícios do modelo RenDanHeYi – como agilidade, foco no cliente e inovação – enquanto aproveitam a estrutura clara e os processos bem definidos da O2. O resultado é um sistema organizacional que é ao mesmo tempo robusto e altamente adaptável, capaz de evoluir continuamente em resposta às mudanças internas e externas.
Ainda assim, é importante destacar que esse é um exercício teórico. Desconhecemos qualquer organização no Brasil que esteja testando algo parecido com o modelo da Haier. Caso queira experimentar algo parecido com isso, entre em contato com a gente.
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Excelente el articulo Davi! Me encantó este mash-up entre los dos sistemas! Y me encantaria saber de alguna empresa con gran cantidad de empleados que se atreva a experimentar con esta sinergia.