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Modelo do Iceberg e Pontos de Alavancagem

Interagir com sistemas sociais é algo que fazemos todos os dias. No entanto, basta olhar ao nosso redor para ver que as soluções empregadas nas organizações e no governo parecem ignorar as relações entre questões estruturais que acabam contribuindo para que os problemas continuem aparecendo.

A discussão sobre onde e como intervir em sistemas sociais para gerar mudanças é uma investigação antiga, na qual muitos pensadores contribuíram com ideias ao longo do tempo. A abordagem apresentada neste texto, embora ofereça insights valiosos, reflete mais um marco histórico do que representa o estado da arte atual sobre intervenções em sistemas complexos.

Há um conjunto de autores no mundo do pensamento sistêmico que trabalharam bastante com a ideia do “iceberg” e pontos de alavancagem. Donella Meadows foi uma autora que divulgou bastante essas ideias, associadas principalmente à abordagem System Dynamics.

System Dynamics é apenas uma pequena parte do vasto campo do pensamento sistêmico e complexidade. Hoje temos formas diferentes de explicar a complexidade dos sistemas sociais.

No entanto, conhecer essa abordagem específica ainda pode oferecer insights relevantes, além de nos munir de uma perspectiva histórica da forma como esse assunto de intervenção em sistemas sociais foi mudando ao longo do tempo.

Neste texto, apresentarei o modelo do iceberg e os pontos de alavancagem mapeados por Donella Meadows. A intenção não é indicar soluções definitivas, e sim explorar uma lente que foi importante para o desenvolvimento do pensamento sistêmico, reconhecendo suas limitações atuais. Ao fim do artigo farei uma breve crítica à ideia de pontos de alavancagem, modelos mentais e o iceberg.

Por que pensar em pontos de alavancagem?

Partindo da premissa de que o observador sempre faz parte do sistema observado, mapear o “todo” exige um tremendo esforço para colher diferentes perspectivas e perceber quais são as forças que atuam num sistema.

Quando vamos fazer intervenções, temos que escolher pontos específicos no sistema para intervir. Existem incontáveis lugares dentro de um sistema complexo onde o que você fará terá efeito quase nulo; pior do que isso, os pontos que parecem ter o maior impacto são frequentemente aqueles com o menor efeito estrutural.

A transformação sistêmica requer intervenções em pontos de alta “alavancagem” para dissolver problemas complexos. Se essa força for aplicada em pontos de alavancagem baixos, ela será superada pelas forças da dinâmica inerente do sistema que surgem do emaranhado de feedback loops que ali estão presentes.

É importante lembrar que os pontos de alavancagem são contra-intuitivos. A alavancagem não se encontra nos pontos centralizados do maior poder manifesto do sistema, mas em níveis de abstrações diferentes. Ao invés de focar apenas nos fenômenos cotidianos observáveis, também olhamos para os fluxos de informação e pressupostos que suportam as estruturas do sistema.

Há uma proposta bastante conhecida para explorar esses diferentes níveis de abstração conhecido como “modelo do iceberg”.

O Modelo do Iceberg

Este é um modelo usado no pensamento sistêmico para ilustrar os vários níveis de abstração dos eventos observáveis aos padrões subjacentes que os geram, à estrutura de suporte e, em última análise, aos modelos mentais usados por uma organização.

Assim como com um iceberg, uma grande porcentagem do que está acontecendo em nosso mundo observável está “oculto” e este modelo tenta tornar isso explícito, descrevendo-o como uma série de camadas que ficam abaixo dos fenômenos observáveis do dia-a-dia.

Este modelo não apenas ilustra as diferentes dimensões de uma questão, mas também oferece uma visão sobre como promover a mudança com uma abordagem integral.

Mudar estruturas e influenciar modelos mentais tem um efeito mais amplo e de longo alcance do que reagir no momento e combater eventos distintos.

A abordagem sistêmica atua no campo dos modelos mentais e estruturas para influenciar padrões e eventos.

Respostas Sintomáticas

A metáfora do iceberg ilustra que alterar apenas os eventos superficiais, sem tratar as causas profundas, é como enxugar gelo. O problema persistirá, pois a maior parte permanece oculta abaixo da superfície.

Atuar na camada de eventos oferece, no máximo, soluções paliativas. São respostas sintomáticas que empurram o sistema em pontos de baixa alavancagem, resolvendo causas imediatas.

Isso pode funcionar temporariamente, mas em sistemas complexos essas soluções simplistas são ineficazes e insustentáveis. É preciso mergulhar mais fundo e tratar as estruturas subjacentes para promover uma transformação efetiva.

Eventos

Vamos pensar no iceberg. A ponta que aparece acima da água representa os eventos observáveis do dia a dia.

Os eventos são atividades ou fatos específicos que acontecem num determinado momento. Por exemplo:

Esses são marcadores que vamos presenciando no nosso cotidiano profissional ou pessoal. São os eventos que vemos e dos quais ficamos sabendo.

A maioria das pessoas acaba focando sua atenção apenas nesses eventos superficiais, sem considerar os padrões e causas subjacentes. É como pilotar no automático, reagindo ao que aparece na superfície dia após dia.

Mas esses eventos são apenas a ponta do iceberg. Para entender melhor o sistema, precisamos mergulhar mais fundo e explorar os padrões e estruturas que estão por trás desses eventos aparentes. Vamos ver isso mais adiante.

Padrões

Os padrões são tendências ou recorrências que indicam a presença de estruturas subjacentes. Por exemplo:

Os padrões respondem a perguntas como “O que está acontecendo aqui?” Ou “o que está mudando?”

Quando fazemos afirmações como “todo ano, depois de três meses construindo o budget, percebemos que não prevemos de maneira adequada a alocação de recursos no ano seguinte” ” ou “estamos perdendo cada vez mais profissionais para o mercado”, são padrões que observamos a partir de uma série de relações entre eventos.

Quando chegamos ao nível do padrão, podemos quase antecipar alguns eventos e isso oferece as bases para desenvolver intervenções que podem afetar alguns arfetatos.

Isso nos ajuda a maximizar a nossa capacidade adaptativa em face aos desafios, mas não é o suficiente para intervenções que vão de fato dissolver as tensões.

Estrutura

A estrutura apoia,  cria e influencia os padrões que vemos nos eventos. As estruturas podem ser entendidas como as “regras do jogo”.

Ela pode ser explícita ou não; podem ser estruturas físicas, visíveis ou invisíveis. São regras, normas, políticas, diretrizes, estruturas de poder formais e informais ou distribuição de recursos que foram tácita ou explicitamente institucionalizadas.

Estruturas respondem a pergunta: O que pode explicar esses padrões? Quais são as forças que inibem ou estimulam esses padrões?

Pode não ser fácil ver a estrutura, mas os padrões que podemos ver nos dizem que a estrutura deve estar lá em algum lugar.

As estruturas são compostas de relações de múltiplas causas e efeitos. Por exemplo, a estrutura subjacente de um problema, como a dificuldade em terminar projetos , pode ser a falta de um limite acordado sobre quantos projetos simultâneos podemos assumir.

Mas se olharmos para as causas estruturais do excesso de projetos , podemos começar a considerar soluções de longo prazo que poderiam focar na adoção de práticas que dão visibilidade sobre o fluxo de trabalho, ajudam a visualizar gargalos, adotar e adaptar diversos acordos e políticas de maneira incremental e impedir que desmontar a cadeia de comando (o que envolve uma mudança de modelos mentais).

Quando começamos a olhar para as estruturas subjacentes, começamos a ver onde podemos mudar o que está acontecendo.

Não estamos mais à mercê do sistema no piloto automático.

Podemos identificar os artefatos culturais que estimulam determinados rituais, processos e começar a compreender melhor os pressupostos que suportam essas estruturas.

Modelos Mentais

Vamos ao nível mais profundo do iceberg: os pressupostos que sustentam tudo o mais.

As estruturas e padrões emergem a partir de suposições, crenças e valores dominantes em determinado sistema social.

Embora o termo “modelos mentais” seja problemático por parecer algo fixo e objetivo, a ideia central é válida: precisamos examinar os pressupostos subjacentes que permitem a perpetuação de certas estruturas.

Os pressupostos são como a “água em que nadamos”. Costumam ser implícitos, difíceis de perceber. Mas eles moldam nosso raciocínio e nossas ações.

Ao desenhar intervenções em sistemas complexos, é essencial revelar e questionar esses pressupostos. Eles formam os “ingredientes básicos” da cultura e sustentam as engrenagens de qualquer sistema social.

Embora os pressupostos não sejam estáticos, e sim dinâmicos e multifacetados, elucidá-los é fundamental para promover uma transformação significativa. Caso contrário, as antigas estruturas tendem a se perpetuar.

Uma crítica ao modelo do iceberg

Embora útil como introdução, o modelo do iceberg pode levar a uma compreensão falaciosa dos sistemas complexos.

Ao colocar os “modelos mentais” ou pressupostos na base, ele sugere que eles são a causa raiz de todos os problemas.

Os padrões, estruturas e pressupostos se retroalimentam de forma não linear e contínua. Não há uma hierarquia fixa, e sim uma rede dinâmica de influências mútuas.

Além disso, o modelo implica que, para transformar um sistema, basta alterar os pressupostos subjacentes. Mas eles são apenas um ponto de alavancagem, não uma panaceia.

Em sistemas complexos, mudar pressupostos arraigados é extremamente difícil. E mesmo quando isso ocorre, as estruturas e padrões tendem a perseverar devido à inércia do sistema.

O diagrama abaixo tenta oferecer uma perspectiva não linear desse modelo.

O caminho para a mudança

Uma vez que estabelecemos o chão para ver além da ponta do iceberg, podemos começar a explorar os pontos de alavancagem propostos por Donella Meadows.

A abordagem da Donella é essencialmente baseada numa perspectiva de System Dynamics(SD), que é apenas uma das várias abordagens do pensamento sistêmico.

Para compreender o básico da proposta de pontos de alavancagem vamos ter que entender melhor o que é esse negócio de System Dynamics.

System Dynamics

SD é uma abordagem para modelar e compreender o comportamento não linear de sistemas complexos ao longo do tempo usando estoques, fluxos, feedback loops, funções e delay.

Basicamente é uma forma de observar o comportamento de um sistema no decorrer do tempo através de um modelo que explora relações causais entre os elementos no decorrer do tempo.

O exemplo para compreender como funciona a modelagem de sistemas dinâmicos é o de uma banheira, onde você possui um fluxo de entrada(água da torneira), o estoque(a banheira) e o fluxo de saída(ralo).

Podemos representar isso assim:

Cada um desses elementos pode ser visto como uma variável de fluxo ou de estoque. Vamos dar uma olhada nesses conceitos.

A modelagem de sistemas dinâmicos permite simular diferentes cenários e testar diferentes políticas e estratégias para entender o comportamento do sistema ao longo do tempo. É uma ferramenta poderosa para tomar decisões informadas e evitar efeitos indesejados em sistemas complexos.

Este diagrama tem uma estrutura básica de stock and flow.

Temos o estoque representado pelo retângulo no meio e o fluxo pelas setas. Lembre que o estoque trata-se de qualquer tipo de variável quantitativa que pode ser acumulada.

Neste caso o “estado do sistema” é qualquer estoque que seja importante: quantidade de funcionários, quantidade de dinheiro no banco, seja o que for. Os estados do sistema geralmente são estoques físicos, mas também podem ser não materiais: autoconfiança, segurança psicológica, confiança nos meus gestores e etc.

Nós temos sempre fluxos que aumentam ou decrescem esses estoques.

A quantidade de demissões e contratações vão regular o número de funcionários em uma empresa. A entrada e saída de dinheiro na conta vai regular o estoque de recursos financeiros. Os rituais feitos para cuidar do campo relacional das pessoas vão regular o “estoque” de segurança psicológica. A relação entre um funcionário e seu gestor vai regular o “estoque” de confiança.

Explorando o exemplo da banheira mais a fundo

Vamos dar uma olhada mais a fundo nesse exemplo da banheira. Pense no seguinte: se a taxa de entrada for maior do que a taxa de saída, a água sobe gradualmente.

Se a vazão de saída for maior do que a de entrada, a água diminui gradualmente.

Leva tempo(delay) para que os fluxos se acumulem nos estoques, da mesma forma que leva tempo para a água encher ou escoar da banheira.

O resto do diagrama mostra a informação que faz com que os fluxos mudem, o que então faz com que o estoque mude. Se você está prestes a tomar banho, você tem o nível de água desejado em mente (seu objetivo).

Você tapa o ralo, abre a torneira e observa até que a água chegue ao nível escolhido (até que a discrepância entre o objetivo e o estado percebido do sistema seja zero). E aí você fecha a água.

Se você entrar na banheira e perceber que a água vai transbordar, é só abrir o ralo por um tempo, até que a água desça ao nível desejado.

Esses são dois loops de balanceamento, um regulando o fluxo de entrada e o outro de saída.

O exemplo da banheira pode ser qualquer variável em nossa vida pessoal ou profissional. É tudo uma questão de compreender os fluxos de entrada e saída e as variáveis de estoque e como o fluxo de informação contribui para o balanceamento do sistema.

Naturalmente que ao lidar com muitas variáveis o processo se torna cada vez menos intuitivo.

Dado que não podemos mudar o sistema diretamente, Donella delineou uma lista de variáveis nas quais você pode agir para influenciá-lo. Ela geralmente classifica os pontos de alavancagem na ordem inversa, do mais básico e menos eficaz ao mais difícil de mudar, mas também mais impactante. Estou pegando emprestado muitas das palavras dela aqui na tentativa de ser sucinto, mas tentando manter a maior fidelidade possível.

Os pontos de alavancagem

Constantes

As constantes são parâmetros numéricos que determinam as taxas, ritmos e limites em um sistema. Elas definem elementos quantitativos importantes que influenciam o comportamento do sistema. No entanto, apesar de serem numericamente mensuráveis, as constantes não existem isoladamente, mas emergem de toda uma complexa teia de relações. Portanto, alterá-las de forma simplista raramente produz a transformação desejada. É preciso compreender as engrenagens subjacentes que expressam aqueles números.

Conceito:

Constantes são dados e taxas observáveis diretamente em um sistema, como orçamentos, limites numéricos, percentuais etc.

Exemplos:

Orçamento anual de treinamento, número máximo de funcionários por equipe, percentual de reajuste salarial, meta quantitativa de produção ou vendas.

Exemplos de Intervenções:

As intervenções nas “constantes” normalmente envolve operações como alocação de recursos(orçamento de contratação), tempos de resposta e outros parâmetros quantitativos.

Buffers: O tamanho dos estoques em relação aos seus fluxos de entrada e saída

Os buffers são reservas ou estoques que funcionam como amortecedores dentro de um sistema. Eles amortecem oscilações e permitem absorver impactos, evitando que variações bruscas se propaguem. Por exemplo, uma empresa mantém uma reserva financeira para suportar imprevistos. Um estoque maior de matéria-prima reduz o risco de paradas de produção. Ao mesmo tempo, buffers muito largos tendem a criar rigidez. Portanto, é preciso calibrar os buffers para otimizar estabilidade e flexibilidade. Intervenções nos buffers visam achar o equilíbrio entre amortecimento e adaptabilidade.

Conceito:

Buffers são reservas que funcionam como amortecedores ou estabilizadores dentro de um sistema.

Exemplos:

Reserva financeira, estoque de segurança, tempo de folga em cronogramas, equipe extra para absorver demandas.

Intervenções:

Estruturas de Estoque e Fluxo: Os sistemas físicos e suas intersecções

As estruturas de estoque e fluxo representam a anatomia interna de um sistema. Os estoques são acumulações ou recursos existentes. Os fluxos são as taxas de entrada e saída que fazem os estoques aumentarem ou diminuírem. Alterar as estruturas de estoque e fluxo implica reformular a constituição interna do sistema. Isso costuma requerer intervenções profundas e abrangentes, pois envolve redefinir relações fundamentais entre recursos e processos. Por isso, geralmente é um ponto de alavancagem de difícil acesso, mas com alto potencial transformador se viável.

Conceito:

Estruturas de estoque e fluxo são os componentes internos tangíveis de um sistema, incluindo recursos acumulados e taxas de movimentação.

Exemplos:

Equipamentos, instalações, funcionários, matéria-prima, capital, fluxo de produção, movimentação de pessoas ou recursos.

Exemplos de Intervenções:

Delays: O tempo de incubação das transformações sistêmicas

Delays são os intervalos de tempo necessários para que uma ação gere efeitos no sistema. Delays longos dificultam aperfeiçoamentos, pois demoram o feedback sobre as intervenções. Já delays curtos possibilitam testes rápidos e incrementais. Encurtar delays aumenta a agilidade do sistema. Porém nem todo delay pode ser reduzido. Alguns decorrem de limites inerentes, como tempo de transporte ou maturação. Outros, de políticas e procedimentos arraigados. Analisar criticamente esses gargalos temporais pode revelar delays desnecessários passíveis de eliminação.

Conceito:

Delays são intervalos de tempo entre causas e efeitos dentro de um sistema.

Exemplos:

Lead time de atendimento, prazos de entrega, tempo para validar e implementar melhorias, idade de equipamentos.

Exemplos de intervenções:

Loops de Balanceamento: A força dos loops de balanceamento em relação ao impacto desejado

Os loops de balanceamento são processos circulares que buscam a estabilidade no sistema. Eles tentam corrigir flutuações e restaurar o equilíbrio de alguma forma. Loops regenerativos promovem adaptação saudável. Loops degenerativos levam à estagnação. Identificá-los e distinguir seus efeitos é fundamental. Intervenções bem calibradas podem transformar loops degenerativos em regenerativos. Mas requer cuidado para não criar flutuações excessivas.

Conceito:

Loop de balanceamento é um processo circular que busca a estabilidade, podendo ser regenerativo ou degenerativo.

Exemplos:

Regulação de temperatura, controle de estoque para equilibrar oferta e demanda, política de contratação preventiva para equilibrar funcionários e demanda.

Exemplos de intervenções:

Para identificar intervenções em loops de balanceamento é preciso construir um modelo qualitativo para compreender melhor a estrutura do sistema. Isso envolve fazer entrevistas e modelar loops causais que explicam fenômenos observados.

No artigo sobre arquétipos de sistemas você pode ver alguns exemplos de loops de balanceamento.

Loops de Reforço: A força dos loops que reforçam comportamentos no sistema

Os loops de reforço são ciclos de amplificação contínua. Eles intensificam tendências positivas ou negativas no sistema. Loops virtuosos criam crescimento. Loops viciosos levam à ruína. É vital identificar e influenciar esses loops. Intervenções bem projetadas podem transformar loops viciosos em virtuosos. Mas loops de amplificação requerem moderação, pois o excesso também gera colapso.

Conceito:

Loop de reforço é um processo circular que amplifica um resultado positivo ou negativo.

Exemplos:

Sucesso atraindo mais recursos e assim possibilitando mais sucesso. Corrupção minando confiança nas instituições, levando a mais corrupção.

Exemplos de intervenções:

Para identificar intervenções em loops de reforço é preciso construir um modelo qualitativo para compreender melhor a estrutura do sistema. Isso envolve fazer entrevistas e modelar loops causais que explicam fenômenos observados.

No artigo sobre arquétipos de sistemas você pode ver alguns exemplos de loops de balanceamento.

Fluxos de Informação: quem tem mais ou menos acesso à informação

Os fluxos de informação determinam como dados circulam em um sistema. Informações pouco acessíveis ou deturpadas geram distorções. Já informação livre e precisa permite alinhamento. Identificar bloqueios nos fluxos de informação e disponibilizá-la de forma ampla e clara é vital. Ferramentas podem aprimorar a coleta, processamento e disseminação de informações. Mas elas só funcionam se as pessoas se comprometem com transparência e alteram velhos hábitos de retenção de informação.

Conceito:

Fluxos de informação são os canais através dos quais dados circulam por um sistema.

Exemplos:

Canais de comunicação, pesquisas internas, comunicados, registros compartilhados, reuniões, rituais de feedback e retrospectivas.

Exemplos de intervenções:

Regras e Políticas

As regras determinam os limites de um sistema. Elas podem ser formais (leis, políticas, processos) ou informais (normas culturais, tabus). Regras funcionais promovem coordenação, mas excesso gera rigidez. Regras disfuncionais criam brechas e distorções. Avaliar criticamente o propósito das regras e eliminar ambiguidades, lacunas ou contradições é fundamental. Mudanças incrementais nas regras formais e diálogo aberto sobre implícitas permitem aumentar a integridade do sistema.

Conceito:

Regras são prescrições formais ou informais que determinam os limites de comportamento em um sistema.

Exemplos:

Políticas, regulamentos, leis, normas culturais, processo decisórios.

Exemplos de intervenções:

Estruturas: Mudanças estruturais que podem evoluir o sistema

As estruturas são as arquiteturas físicas e relacionais que constituem a anatomia de um sistema. Estruturas ágeis permitem reconfiguração. Estruturas rígidas impedem mudança. Avaliar criticamente as estruturas e remover barreiras à evolução contínua é essencial. Isso envolve descentralizar poder, adotar designs modulares e fomentar auto-organização. Mudanças estruturais profundas requerem paciência: avançar experimentalmente, avaliar impactos e incorporar aprendizados no caminho.

Conceito:

Estruturas são as configurações físicas e relacionais que constituem um sistema.

Exemplos:

acordos, processos, rituais, espaços físicos, políticas e ferramentas

Exemplos de intervenções:

Objetivos: o propósito do sistema

O propósito é o que o sistema faz, sua função real. O propósito emergente de um sistema pode diferir dos objetivos declarados. Realinhar o propósito requer mudanças mais profundas do que apenas reformular metas. Envolve redesenhar processos e estruturas para que o sistema passe a cumprir uma nova função. Definir um novo propósito é complexo, pois exige alterar funções arraigadas. Por isso, convém iniciar com mudanças periféricas, criando ambientes propícios à nova finalidade, até que ela se enraíze e se expanda.

Conceito:

Objetivo é a função ou papel real desempenhado por um sistema.

Sobre intervenções:

As intervenções no “objetivo” do sistema são um resultado das intervenções estruturais.

Modelos Mentais: Os valores, crenças e as atitudes que suportam o sistema

Modelos mentais são as crenças e pressupostos profundamente enraizados que influenciam nosso pensamento e ação. Transformar crenças e pressupostos é difícil, pois são invisíveis e tomados como verdade. O termo “modelo mental” é problemático, pois dá a ideia de que as pessoas têm engrenagens estáticas em suas cabeças. Prefiro olhar para esse conceito como sendo um nome infeliz para pressupostos. Pequenas mudanças neste nível geram grandes impactos.

Conceito:

Modelos mentais são crenças e pressupostos que influenciam nossa compreensão da realidade.

Exemplos:

Crenças sobre natureza humana, visões sobre liderança, pressupostos culturais.

Sobre intervenções em pressupostos:

Intervir diretamente nos pressupostos das pessoas é não apenas antiético, mas controproducente. Impor crenças de cima para baixo costuma gerar resistência e alienação, ao invés de expansão de consciência.

Cada pessoa tem o direito fundamental de moldar suas próprias perspectivas de mundo, por mais limitantes e toscas que possam parecer. Nossas crenças e pressupostos estão profundamente arraigados em nossa identidade.

Em vez de ditar pensamentos, o caminho mais ético é criar estruturas que encorajem a autorreflexão e o pensamento independente. Isso pode ser feito por meio do diálogo empático, rituais, histórias e exemplos que revelem outras lógicas.

Mude a forma como as pessoas interagem nos sistemas sociais, não como elas pensam.

Quando expostas a novas visões de maneira não impositiva, algumas pessoas poderão voluntariamente rever seus “modelos mentais”, se é que eles existem. Mas esse é um processo gradual, orgânico, que não pode ser forçado. Impaciência ou autoritarismo só criam resistência acirrada.

Paradigmas: O conjunto de circunstâncias, idéias e modelos que suportam todo o sistema

Novos paradigmas reestruturam nossa percepção de mundo. Quebrar paradigmas dominantes é essencial para a transformação, mas exige “desaprender” pressupostos arraigados. Começar pela linguagem usada e por exemplos que explorem novas lógicas. Contar histórias, usar metáforas e realizar rituais que introduzam outros modos de pensar. Promover a diversidade e o diálogo empático. No nível dos paradigmas, pequenas mudanças podem ter enormes efeitos. Mas a escada é árdua quando desafiamos suposições tão básicas sobre a existência.

Conceito:

Paradigmas são as perspectivas e premissas que moldam a compreensão da realidade de um grupo ou uma sociedade.

Sobre intervenções em paradigmas:

Transformar paradigmas é possivelmente o tipo mais desafiador e profundo de intervenção em sistemas complexos. Ao longo da história, diferentes visões de mundo competiram em conflitos épicos por hegemonia. Mudanças de paradigma podem ocorrer rapidamente durante revoluções, ou lentamente ao longo de séculos.

Paradigmas moldam sistemas econômicos, científicos, epistemológicos e ontológicos. Eles definem o que uma sociedade considera como verdadeiro, justo e possível. Portanto, questionar paradigmas dominantes que perpetuam desigualdades e opressão é central para o trabalho de agentes de mudança e designers sociais.

No entanto, impor artificialmente novos paradigmas gera resistência acirrada. A chave é criar estruturas e rituais que permitam o florescimento de novas lógicas sociais, ao mesmo tempo respeitando a liberdade de consciência. É um equilíbrio sutil entre inspiração e imposição, que exige sabedoria, empatia e paciência.

Perguntas geradoras para mapear intervenções

Ao se deparar com todos esses modelos, pode ser bem difícil tornar essas informações em algo prático.

Uma ferramenta útil é fazer perguntas-chave que revelem áreas de alavancagem em seu mapa. Essas perguntas destacam onde já existem forças e tensões que podem impulsionar a mudança.

Vejamos algumas delas:

Ao respondê-las, você identifica onde focar suas intervenções e obter o maior impacto transformador.

Considere não apenas os elementos, mas as relações entre eles e os loops como um todo. A alavancagem costuma residir nas dinâmicas mais amplas.

As respostas a essas perguntas geram hipóteses que podem ser validadas na experimentação.

Por exemplo:

Se nós fizermos (atividades, ações, produtos, investimentos, etc) Então nós vamos afetar(elementos, relações causal e loops) porque (razões que justificam a existência da premissa).

Cada premissa pode ser experimentada a partir de ciclos curtos onde exploramos as variadas hipóteses que suportam essas intervenções.

Considerações sobre Intervenções em sistemas sociais

Nossa abordagem como designers sociais que mudam transformações nas estruturas dos sistemas deve trabalhar com essa mudança, e não contra ela.

Essa abordagem aplicada à intervenção em sistemas envolve primeiro a identificação das forças no sistema onde há energia para a mudança e, em seguida, fazer as pequenas intervenções necessárias para influenciar essa energia a ser direcionada para um determinado propósito.

Naturalmente que nunca vamos conseguir manipular, moldar ou influenciar  o sistema como um todo, mas uma vez que somos parte desse emaranhado também podemos alavancar grandes transformações se soubermos trabalhar com os fluxos que já estão presentes ali.

Os sistemas sociais podem ser vistos como paisagens adaptativas, terrenos complexos moldados por tensões e estranhos atratores. Como designers, nosso papel é navegar esse terreno buscando as melhores rotas de intervenção.

Assim como a água de um rio, procuramos o caminho de menos resistência para promover a mudança desejada. Identificamos áreas de energia represada e tensões, e então influenciamos esses fluxos com pequenos empurrões na direção pretendida.

Embora úteis como introdução a conceitos do pensamento sistêmico, o modelo do iceberg e os pontos de alavancagem apresentam limitações epistemológicas, éticas e conceituais. Ao focar em mudanças na mentalidade individual, esse modelo negligencia dimensões estruturais como relações de poder, condições materiais e intersubjetividade.

Além disso, pressupõe uma linearidade e previsibilidade irrealistas em sistemas complexos. As descobertas da complexidade nas últimas décadas trouxeram novas metáforas, como o conceito de paisagens adaptativas e estranhos atratores.

Em vez de impor mudanças individuais, uma abordagem mais estruturalista buscaria criar condições e adjacentes possíveis (alternativas viáveis ao status quo) para que as próprias comunidades resolvam seus problemas. Isso envolve lidar com assimetrias de poder e acesso a recursos que limitam verdadeira auto-organização.

Portanto, convém analisar criticamente o iceberg e seus pontos de alavancagem. As heurísticas apresentadas aqui ainda trazem insights relevantes, mas precisam ser integradas a entendimentos mais atuais da complexidade social.

UM CONVITE

Nós não acreditamos em soluções milagrosas para problemas complexos. Intervimos na cultura escutando as pessoas e fazendo experimentos de intervenções. Os feedbacks recebidos a partir dessas intervenções geram novas histórias e novas intervenções, e assim a cultura se transforma.

Não trabalhamos com produtos de prateleira e nem sempre vamos buscar agradar as lideranças com as nossas propostas. Sabemos que as mudanças geram desconforto. Afinal, se ninguém tá incomodado, é porque a transformação é só cosmética mesmo.

Chama a gente para uma prosa  pra conhecer nossa abordagem e faça nossos cursos. Se você quiser se aprofundar mais em pensamento sistêmico, loops causais e complexidade eu recomendo o PESCA.

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