Você já se perguntou por que, mesmo quando temos pessoas diferentes nas mesmas posições, elas parecem se comportar de forma similar?

Pegue um estereótipo da polícia brasileira(e não só) ao interagir com pessoas pretas, por exemplo. O que poderia explicar tantos policiais diferentes agindo de forma tão violenta com essas pessoas? Julgando-as automaticamente como sendo criminosas?

Um exemplo um pouco mais leve seria a questão dos estudantes que buscam brechas no sistema escolar para “trapacear” e conseguir uma boa nota sem necessariamente ter que estudar. Por que isso acontece? Todos esses alunos são simplesmente trapaceiros por natureza?

O que a questão do abuso de poder dos policiais com pessoas pretas e os alunos trapaceiros tem em comum?

E o que diabos isso tem a ver com design organizacional?

A resposta que vos trago não é óbvia e certamente não é suficiente. Mas é um começo.

Ao olhar para as estruturas sociais com uma perspectiva sistêmica, nós tentamos compreender como os vários elementos do sistema se relacionam e acabam por influenciar o comportamento de indivíduos e talvez até da sociedade como um todo.

Você provavelmente já ouviu falar de racismo estrutural, por exemplo. Pois é.

Basicamente, o que quero dizer é que, embora as pessoas tenham autonomia para agir como bem entendem, elas são altamente influenciadas pelas estruturas dos sistemas que elas habitam. Isto é, a estrutura influencia o comportamento. Portanto, o policial racista está reproduzindo um comportamento enaltecido por um sistema que oprime pessoas pretas de inúmeras formas. O aluno trapaceiro está jogando pelas regras de um sistema educacional que prepara os estudantes para passarem em testes e não para aprenderem sobre a vida e como todas aquelas matérias são relevantes.

Mas o que é essa tal de “estrutura”?

Se você pensa que estou falando da estrutura organizacional que está descrita no org chart, não é isso.

Podemos considerar como “estrutura” tudo o que influencia nossas decisões e, consequentemente, nosso comportamento.

Procedimentos, regras, manuais de operação, instruções sobre como fazer relatórios e o tipo de informação que eles contêm, arquitetura do espaço de trabalho, logística, símbolos, rituais, objetos, papéis…

Mesmo aquelas regras “informais” ou não escritas acabam por condicionar o comportamento das pessoas dentro de sistemas sociais.

Tendemos a pensar em “estrutura” como restrições externas aos indivíduos.

Mas o que chamamos de estrutura aqui trata das relações básicas que influenciam o comportamento humano. Nos sistemas sociais, a estrutura inclui como as pessoas tomam decisões – as “políticas operacionais” pelas quais traduzimos percepções, objetivos, regras e normas.

Ainda tá abstrato? Pense em coisas como o “dress code” da sua organização, o modelo de gestão(seja hierárquico ou distribuído), as reuniões, o sistema de avaliação de desempenho, enfim, tudo isso é um reflexo da estrutura do sistema social que você habita.

Por que será que mesmo com tantos treinamentos que prometem mudar o mindset das pessoas e transformar completamente as organizações a tal da mudança nunca acontece?

Bom, eu parto da premissa que se queremos mudar o comportamento numa organização, devemos evitar soluções simplistas focadas em “metas de desenvolvimento”, “mudança de mentalidade” e “treinamentos” que prometem transformar a cultura sem nenhuma intervenção estrutural.

Temos que identificar as causas que motivam determinados comportamentos, compreender como elas se relacionam e redesenhar a estrutura do sistema para que o comportamento desejado se torne viável.

Não adianta nada querer que as pessoas sejam mais “autônomas” se a estrutura não abre espaço para que isso seja possível.

Não culpe as pessoas e nem o sistema.

A estrutura é encontrada nas relações entre os vários elementos do sistema. Podemos identificar facilmente os elementos, mas é preciso tempo e esforço para entender como eles se influenciam e como os padrões dessa influência mútua mudam ao responder a uma mudança em outra parte do sistema. Tudo está interconectado.

É quase como se os artefatos ao nosso redor tivessem um script a ser seguido pelo usuário de determinada cultura. Por exemplo, se você tiver uma mesa e uma cadeira próxima dela, parece que há um script que te convida a sentar na cadeira. A estrutura influencia o comportamento.

Talvez seja por isso que indivíduos muito diferentes muitas vezes acabam se comportando de maneiras muito semelhantes quando são colocados na mesma posição em um sistema – por exemplo, uma pessoa pacífica pode se transformar da noite para o dia em um valentão arrogante quando recebe o cargo de guarda penitenciário(talvez isso explique o que aconteceu com o seu colega que foi promovido e começou a te tratar diferente). No entanto, seria incorreto supor que as pessoas são meras engrenagens de uma máquina sem vontade própria.

No caso de um sistema social – como uma escola, uma empresa ou uma prisão – os indivíduos não existem à parte da estrutura do sistema; pelo contrário, eles são parte integral de todo o sistema. Isso significa que culpar alguém ou outra coisa não é útil; nem culpar o “sistema” é uma desculpa legítima.

Significa também que não estamos à mercê de forças externas que estão em outro lugar qualquer, acima e além de nosso controle; em vez disso, temos uma influência considerável precisamente porque estamos intimamente ligados à teia de influências que define a estrutura de um sistema. A mudança pode vir de qualquer lugar, mesmo que não seja da liderança.

Assim como a estrutura do sistema influencia e molda nosso comportamento, nós também temos o poder de mudar parte da estrutura dentro da qual funcionamos. A influência se dá em ambas as direções.

Peter Senge, no livro “A Quinta Disciplina”, apresenta três camadas que podem ser utilizadas para observar fenômenos sociais. Todas as camadas são válidas, mas possuem utilidades diferentes.

As explicações de eventos concentram-se em coisas como “quem fez o que a quem” e tendem a focar em um modo reativo.

As explicações de padrões de comportamento se concentram na identificação de tendências de longo prazo e na descoberta de suas implicações; essa abordagem começa a nos libertar do modo reativo e nos permite responder deliberadamente à situação.

As explicações estruturais são as menos comuns e as mais poderosas. Elas se concentram em entender a estrutura do sistema para encontrar as causas mais profundas que geram os padrões de comportamento observados; tais explicações podem nos ajudar a identificar pontos de alavancagem, capacitando-nos, assim, a dissolver a estrutura ao redesenhar o sistema para que tenha um novo comportamento.

Senge se inspirou no famoso modelo do Icerberg proposto pela Donella Meadows.

A Donna inclui também os modelos mentais, isto é, os pressupostos que estão por trás dessas estruturas.

Eu acho importante considerar tudo isso mas vejo com frequência a falácia de que os modelos mentais são a causa raiz de todos os problemas… Não é à toa que vemos tantas empresas investindo em treinamentos para mudança de mindset das lideranças.

Que tal derreter o modelo do Iceberg e olhar para esses elementos de forma não linear?

Agora torna-se evidente que todos esses elementos são interdependentes e não existe uma causa raiz. Basta escolher o ponto de alavancagem que você quer intervir para começar a influenciar o sistema. Eu opto pela via estrutural.

Para mudar a estrutura, temos que mudar as regras do jogo

Há um jogo que demonstra tudo isso de uma forma visual e bastante didática. O jogo se chama Icosystem Game.

Este jogo demonstra claramente os seguintes pontos:

  • Regras simples de comportamento individual podem levar a resultados surpreendentemente consistentes a nível sistêmico.
  • Pequenas mudanças nas regras ou na forma como são aplicadas podem ter um impacto significativo nos resultados agregados.

O jogo possui duas regras básicas: a do agressor e a do defensor.

Cada agente escolheu dois oponentes aleatórios, A e B. A é o “agressor” e B o “defensor”. Como agente, você tenta ter B entre A e você mesmo, para que B “proteja” você de A. Na simulação abaixo não dá pra saber quem é quem e isso não é relevante.

E o que aconteceria se você fosse o defensor, colocando-se entre A e B?

Agora cada agente X escolheu dois oponentes aleatórios, A e B. A é o “agressor” e B o “defensor”. Como agente, você tenta estar entre A e B, para “proteger” B de A.

Uma pequena mudança nas regras levou a um resultado completamente diferente.

Ou seja, a estrutura (regras do jogo) influenciou o comportamento do sistema como um todo.

E o que fazer com isso?

Ao invés de buscar soluções como o famoso “plano de ação”, treinamentos, diagnósticos, grupos de trabalho, comitê e coisas afins, nós propomos intervenções práticas que vão gerar diversos experimentos.

Segue abaixo um exemplo de experimento desenhado utilizando o nosso canvas. Este experimento foi desenhado para tentar dissolver o problema das costumeiras “reuniões que poderiam ter sido um email”.

Como você pode ver, o experimento não propõe um treinamento, um diagnóstico ou nada parecido. É uma proposta prática que pode ser experimentada já. E a melhor parte é que você não precisa esperar as pessoas ficarem “maduras” pra começar a brincar. O experimento propõe uma alteração na estrutura imediata ao oferecer um processo e um acordo.

Claro que para chegar até aí é importante aprender um pouco sobre mapeamento de sistemas e ganhar vocabulário para desenhar esse tipo de solução.

É pra isso que temos o nosso curso de Culture Hacking e Pensamento Sistêmico e Complexidade Aplicados à organizações.

O convite é o seguinte: busque compreender as estruturas e perceber como isso influencia o comportamento dos agentes. Quando você tiver uma melhor compreensão da estrutura será possível desenhar intervenções que influenciam o comportamento de uma parte ou até mesmo do sistema como um todo.

Comece observando o que o sistema faz e não o que as pessoas dizem que deveria fazer.

Evite soluções simplistas, evite culpar alguém e evite culpar o próprio sistema.

É melhor ter uma solução sistêmica para uma parte do problema do que uma solução parcial para o problema como um todo.

Tenha em mente que as suas soluções devem criar menos problemas do que você tinha antes.

E se você tiver interesse em nos convidar para desenhar intervenções para o sistema do qual você faz parte, não hesite em marcar um cafézinho.

Obrigado por ler até aqui! :)