Target Teal

O papel do Guia do Círculo na O2 (antigo Elo Externo)

Se a sua organização está experimentando uma mudança para a autogestão, talvez você se encontre em uma transição de gestor a pensador sistêmico. E o caminho mais comum (e cheio de armadilhas) é você se tornar Guia (Organização Orgânica) ou Lead Link (Holacracia) de um ou mais círculos. Neste texto cobriremos as semelhanças, diferenças e principais erros nessa jornada.

Na versão 3.5 dos meta-acordos, o nome “Elo Externo” foi ajustado para “Guia”.

O papel

Para começar, vamos analisar a descrição do papel de Guia¹ dos Meta-Acordos do O2, versão 3.5.

Propósito: O propósito do Círculo

Responsabilidades:

  • Estruturar o Círculo para expressar o seu Propósito
  • Atribuir pessoas aos Papéis do Círculo; monitorar a adequação; oferecer feedback para melhorar a adequação; e re-atribuir Papéis a outras pessoas, quando necessário
  • Estabelecer prioridades para o Círculo

Artefatos:

  • Atribuição de Papéis dentro do Círculo

Estruturando o Círculo

Primeiro, o propósito. O Guia tem o seu propósito exatamente igual ao do círculo. A intenção por trás disso é que o Guia atue como uma membrana capaz de segurar todas as coisas que fazem parte do círculo, mas não estão atribuídas a nenhum papel do círculo. Ou seja, se houver algum pedido que faz sentido para o círculo, mas que não há nenhum papel responsável, o Guia pode assumi-lo. Mas preste atenção também para a responsabilidade “Estruturar o Círculo para expressar o seu Propósito”. Se houverem demandas recorrentes que o Guia está puxando, ele deve estruturar o círculo para comportar isso. Ou seja, mudar a estrutura organizacional.

Isso quer dizer que um bom Guia não vai ter muito trabalho. Toda vez que uma novidade aparecer, ele deve estruturar o círculo para comportar aquela nova atividade, seja propondo um papel, modificando um existente, ou até criando um novo círculo interno. Esta responsabilidade acaba sendo exercitada especialmente quando o círculo externo propõe uma mudança no círculo interno. Vamos a um exemplo:

Imagine que você faz o papel de Guia no círculo de Operações de uma empresa chamada Mangia. Este círculo tem os seguintes atributos:

Propósito: Clientes maravilhados com a entrega de alimentos saudáveis

Responsabilidades:

  • Entregar os pedidos aos clientes
  • Organizar e manter o estoque

Artefatos: Layout do Estoque

Vamos supor que uma tensão é processada no círculo externo (que você faz parte como Guia de Operações) em que a seguinte responsabilidade é acrescida ao círculo:

Comprar alimentos e insumos para montagem das cestas

Ou seja, Operações precisa executar uma nova atividade que ainda não há papel definido. Quais caminhos você pode tomar como Guia?

  1. Comprar os alimentos e insumos na próxima semana você mesmo, afinal você é o Guia de Operações;
  2. Propor um novo papel dentro de Operações que vai desempenhar essa atividade. Este papel pode ser atribuído a você mesmo ou outra pessoa;

Ambos os caminhos são possíveis. O caminho a) pode ser interessante se houver uma certa urgência e não houver tempo hábil para o segundo. O caminho b) é mais adequado, pois dá mais clareza à estrutura do círculo e evita responsabilidades implícitas.

É por isso que dizemos que o papel do Guia não deve ocupar mais de 20% do tempo integral de uma pessoa. Um bom Guia vai “esvaziando” o papel a medida que novas coisas surgem.

Atribuindo pessoas aos papéis

O Guia também é responsável por “Atribuir pessoas aos Papéis do Círculo; monitorar a adequação; oferecer feedback para melhorar a adequação; e re-atribuir Papéis a outras pessoas, quando necessário”. Isso significa que o Guia deve buscar boas pessoas dentro da organização para executar cada um dos papéis dentro do círculo. Mas isso não significa que:

  1. O Guia é responsável pela carreira, desenvolvimento e promoção de cada um;
  2. O Guia deve dar feedback sobre o “comportamento”;
  3. O Guia deve intermediar conflitos entre os membros do círculo (muito menos o Facilitador);

Vamos ser claros. O papel do Guia é diferente de um gestor convencional. Ele deve apenas preocupar-se com o encaixe pessoa-papel naquele círculo, nada além disso. Se a pessoa não está desempenhando o papel de forma minimamente adequada, ele (e somente o Guia, pois existe um Artefato definido) pode remover a atribuição. O que acontece com a pessoa depois disso é outra história.

Quando uma organização está em transição para a autogestão, é comum que questões relacionadas à carreira e ao desenvolvimento das pessoas ainda não tenham sido endereçadas. Neste caso, caso alguém procure você acreditando que é o Guia que deve resolver isso, ao invés de continuar atuando como antigo gestor, encoraje essa pessoa a trazer esta tensão no círculo. Assim quem sente a dor também passa a ser protagonista na resolução do problema, ao invés de despachar para você.

Estabelecendo prioridades

A última responsabilidade do Guia é “Estabelecer prioridades para o Círculo”. Note que as prioridades são para o círculo, e não para os indivíduos. Um bom Guia define orientações gerais do que é mais importante para o círculo, ao invés de ordenar listas de tarefas individuais. Por exemplo, você poderia definir como Guia do círculo de Operações da Mangia a seguinte heurística para ajudar na priorização:

Alimentos de qualidade e saudáveis mais do que alimentos de baixo custo

Esta orientação dá clareza sobre uma possível escolha entre duas polaridades que os diferentes papéis no círculo tenham que fazer. Ao invés de ficar definindo prazos, é mais útil especificar prioridades na forma de escolhas ou trade-offs. OKRs também podem ajudar a dar clareza sobre o que é mais importante.

A principal armadilha aqui é não entrar na priorização individual. Se algum membro do círculo pedir sua ajuda para entender o que é mais importante, ofereça sua opinião sem se preocupar. Mas atue de forma mais reativa do que proativa nesse sentido, para permitir que os indivíduos tenham algum espaço para definir suas próprias prioridades.

Principais armadilhas

Agora que já esclarecemos o papel do Guia, veremos algumas das principais armadilhas que você pode ser tentado a cair.

Sentir-se dono do time. As pessoas que fazem parte do círculo que você é Guia não são o seu time. Lembre-se da questão do poder sobre o outro, que abordamos no texto sobre colaboração. Como Guia, você é apenas mais uma pessoa desempenhando um papel com algumas responsabilidades.

Atuar como um filtro de comunicação. As pessoas vão te procurar para pedir coisas relacionadas ao círculo, pois ninguém conhece toda estrutura organizacional e papéis de uma empresa. Nesse caso você deve orientar o solicitante:

O que você está me pedindo é responsabilidade do papel Contratante, que hoje é desempenhado pela Iris. Acho que você pode fazer esse pedido diretamente a ela.

Na próxima vez, o solicitante já vai saber que a Iris é responsável por isso e vai ir direto nela. Ou então a pessoa vai consultar a estrutura organizacional descrita em alguma ferramenta (holaSpirit, GlassFrog), o que é melhor ainda.

Deixar de desenergizar alguém que não está fazendo um bom trabalho. Quando alguém não está colocando a energia acordada em um papel, você deve orientar essa pessoa, trazendo feedbacks constantes. Se isso não funcionar e o trabalho continuar sendo insatisfatório, apenas remova a atribuição. Este é um bom feedback. Normalmente existe algum círculo que ajuda pessoas a encontrarem novos papéis dentro da organização, ou então deixar a empresa caso isso não seja possível.

Mudando o papel do Guia

Os Meta-Acordos permitem alterar o papel do Guia. Veja só esta seção:

Os Papéis Essenciais de cada Círculo podem ser alterados durante o Modo Adaptar. No entanto, as seguintes restrições se aplicam:

– O Propósito dos Papéis Essenciais não pode ser alterado;
– Novas Responsabilidades e Artefatos não podem ser acrescidas ao Papel do Guia;
– As Responsabilidades e Artefatos iniciais do Papel Guia podem ser modificadas ou removidas completamente, desde que sejam delegadas a outro Papel ou processo no Círculo;
– As Responsabilidades e Artefatos iniciais dos Papéis de Facilitador, Secretário e Elo Interno não podem ser removidas ou modificadas.

Ou seja, qualquer um pode propor remover as responsabilidades e artefatos do Guia de um círculo específico, desde que elas sejam delegadas ou atribuídas a outro papel ou processo.

O objetivo desta regra é abrir espaço para a experimentação. Por exemplo, você poderia criar um processo de autoalocação, onde qualquer um pode atribuir-se a um papel, desde que esclareça o motivo e a tensão. É o que fazemos na Target Teal.

Ainda assim, recomendamos utilizar este recurso com muita prudência! Lembre-se que qualquer mudança na estrutura organizacional deve partir de uma tensão.

Conclusão

Esperamos que esse texto tenha dado clareza do que entendemos como uma evolução do cargo de gestor para o papel de Guia na tecnologia social Organização Orgânica. Perguntas de esclarecimento ou reações? Comente abaixo! :)


¹ Neste texto estabelecemos uma base de comparação com o papel do Guia, da tecnologia social Organização Orgânica, v3.5. O Lead Link, ou Elo Principal, é um papel semelhante presente na Holacracia. A única diferença notável entre estes dois papéis é que o da Holacracia possui mais responsabilidade explícitas, como a de alocar recursos e definir métricas.

Sair da versão mobile