Vivemos no mundo onde todos querem trabalhar em um ambiente colaborativo. Os mais novos ingressantes no mercado de trabalho são seduzidos pelos co-workings, por empresas com menos hierarquia, por startups e negócios sociais onde todos trabalham por um propósito.

Alguns mais velhos sentem-se sufocados nas grandes corporações e largam tudo para virarem coaches, consultores autônomos, empreendedores ou viver em uma ecovila.

Me incluo nessa turma. Gosto muito de trabalhar em um ambiente colaborativo.

Porém, meu entendimento de como criar um ambiente colaborativo em um time ou empresa talvez te surpreenda. Compartilho aqui algumas verdades que carrego e vivencio cotidianamente, e se você não concorda, vamos papear porque quero entender melhor o seu ponto de vista.

Não bastam boas intenções para um ambiente colaborativo

Essa é fácil, mas não custa reforçar. Se juntarmos 10 pessoas bem-intencionadas e que possuem em um determinando momento intenções e propósitos semelhantes, não significa que elas vão conseguir formar um time e criar um ambiente colaborativo.

Elas precisam de acordos claros sobre como irão trabalhar juntas. Esses acordos precisam falar sobre a distribuição de autoridade. Defino autoridade como a autorização explícita dada pelo grupo para o uso do poder por um ou mais indivíduos.

Precisamos falar sobre o poder. Temos receio, medo ou até trauma sobre o poder, mas ele é de suma importância. Para ajudar, vamos separar em dois tipos. O primeiro é o poder sobre o outro. O segundo é o poder com o outro. O primeiro causou um trauma em nossas vidas que atrapalha o nosso entendimento e relacionamento com o segundo poder.

Uma cultura de colaboração (trabalhar junto) emerge quando maximizamos o poder com o outro e minimizamos o poder sobre o outro.  

Só conseguimos sustentar essa cultura de colaboração quando existem acordos claros sobre o uso do poder. Esses acordos funcionam como as faixas nas estradas, eles permitem que todos andem mais rápido. Tire a faixa e todos andam mais devagar. 

Não basta definir valores e princípios

Seria muito bom se pudéssemos acordar valores e princípios descritos em duas páginas e pronto, as bases para um ambiente colaborativo estariam criadas. Não é assim que acontece. E não acontece por alguns motivos.

Valores e princípios, por mais que sejam inspiracionais, são abstratos e muito ambíguos. São poucas palavras que tentam definir muitas coisas e palavras que podem ter significados diferentes para cada pessoa. Exemplo: “Equivalência”. Para um pode significar que todos têm o direito de serem ouvidos e participarem de certas decisões. Para outro pode significar que o trabalho de cada pessoa vale a mesma coisa e consequentemente os salários deveriam ser iguais.

Os princípios levam a conclusões práticas muito diferentes para cada pessoa. Por isso que os acordos precisam ir para um nível mais concreto, mais objetivo: o nível das regras (acho que a palavra “regra” é tão traumática como “poder”). Elas ainda estarão sujeitas a interpretações, e por isso você precisará adaptá-las.

Regras que promovem a colaboração

Criar regras que aumentam o poder com o outro e diminuem o poder sobre o outro é uma arte ainda pouco difundida. Estamos acostumados com regras impostas, estáticas e proibitivas.

Para um ambiente colaborativo precisamos de regras acordadas, dinâmicas e libertadoras.

Uma regra precisa ser acordada, ou seja, as pessoas que estão lá precisam concordar com ela. Só que precisamos mudar um pouco o foco, caso contrário nunca iremos aprovar nenhuma nova regra e permanecerão as regras implícitas e dadas pela cultura vigente (que não é muito colaborativa ;).

Se pedirmos para cada um concordar que a nova regra ajudará a criar um ambiente mais colaborativo, é muito provável que alguém diga não. Sempre alguém tem uma ideia melhor ou prefere não arriscar.

Se abrirmos para qualquer um apontar uma razão para qual não devamos experimentar uma nova regra, a coisa pode começar a mudar de figura. Deixamos de buscar consenso sobre a melhor estratégia e passamos a procurar razões concretas para não experimentar uma (qualquer) estratégia. Sempre podemos voltar atrás e isso precisa ser valorizado. Ok, acordamos com a ideia de tentar, se tudo der certo a regra permanece, se não, a jogamos fora. É isso que chamo de uma regra dinâmica. Ela está em constante evolução.

E o que é uma regra libertadora? É aquela que promove a autonomia. Um bom começo é adotar regras básicas que suspendem todas as regras implícitas (que não são poucas) e reafirmam apenas aquelas acordadas explicitamente. Exemplo: “Tudo é permitido a não ser que explicitamente proibido nesse livro de regras”. Outro exemplo: “Toda responsabilidade já carrega a autoridade para cumpri-la”.

Já reparou em times que delegam responsabilidade de fazer algo para uma pessoa, mas nunca dão a autoridade para ela decidir sobre o assunto? Eles seguem regras (implícitas ou não) proibitivas.

Restrições ou regras que restringem a autonomia devem existir, só que é um remédio que se a dose for um pouco mais alta pode se tornar um veneno para a colaboração.

Nem toda regra complicada é ruim

Precisamos buscar soluções simples, mas nunca simplistas. E às vezes a solução simples e eficaz envolve um conjunto de regras que não é tão fácil de aprender. Buscar esse equilíbrio é levar em conta o que dizia Paul Valéry:

Tudo que é simples é falso, tudo que é complexo é inútil.

Uma regra pode parecer complicada no início, mas com o uso ela pode se mostrar muito simples e eficaz. Um exemplo é o “magic roundabout” ou rotatória mágica da cidade de Swindon na Inglaterra. Imagine você chegando a primeira vez nesta intersecção.

Rotatória Mágica na Inglaterra - Exemplo de ambiente colaborativo

Sim, dá um medinho. Precisamos passar duas ou três vezes por ela até ganharmos confiança. Mas sabe o que é mais interessante? Na prática essa rotatória aumentou em 20% o fluxo de carros por hora sem aumento no número de acidentes se comparado com uma rotatória comum.

Se você ainda tem medo de que uma regra é muito complicada para ser seguida, releia o parágrafo sobre a regra ser dinâmica. O segredo está novamente na constante evolução. Para que isso aconteça é fundamental baixar o custo (tempo e energia) gasto para se aprovar uma nova regra ou adaptar uma antiga. Por isso não gostamos do consenso.

Pedir permissão não combina com colaboração

Muitos querem trabalhar em um ambiente colaborativo, pois odeiam pedir permissão para um chefe. E muitos caem na armadilha de participar de ambientes onde eles precisam a todo momento pedir permissão de um grupo. Pedir para 1 ou para 20 pessoas? Eu prefiro para uma só.

Na verdade eu prefiro não pedir permissão. Os acordos e regras devem existir para que isso seja possível ao máximo. Se eu estou trabalhando em prol de um propósito que está alinhado ao do grupo e da organização, por que devo pedir permissão? Preciso estar aberto ao diálogo e sempre disposto a redefinir as regras do jogo. Mas se estou seguindo as regras e trabalhando pelo propósito acordado, não faz sentido pedir permissão.

Posso pedir conselhos se achar conveniente ou relevante, mas pedir conselho ainda é uma decisão minha. A não ser que exista uma regra que especifique que para aquele tipo de decisão, eu ou qualquer um no meu papel, precise pedir permissão ou conselho. Repare que a regra não é para impedir eu como indivíduo de tomar decisões de maneira rápida e autônoma, mas para qualquer um naquele papel e naquela situação específica. Uma pequena dose do remédio “restrição”.

A colaboração floresce em ambientes onde cada pessoa tem grande poder de decisão, pois o trabalho flui. Não é um empoderamento circunstancial e cosmético, é estrutural e profundo. O poder com o outro aumenta exponencialmente, pois o trabalho de um multiplica o do outro.

Só precisamos aprender a criar ambientes onde não precisamos pedir permissão.


Se você tem interesse em criar um ambiente mais colaborativo em sua organização, considere usar uma tecnologia social como o O2 que já propõe meta-acordos que funcionam como um ótimo ponto de partida para o que descrevi nesse texto. Não existem receitas, mas dá para aproveitar o que outros já aprenderam.