Acho muito curioso as controvérsias em torno das práticas de feedback nas organizações. Para muitas pessoas, principalmente as que trabalham no RH, o feedback é visto como uma ferramenta fundamental. Para outras pessoas, só de pensar no termo feedback já dá um embrulho no estômago. São muitas as perspectivas e a minha que vou compartilhar coloca o uso de feedback em cheque, e pode ajudar você a entender porque tantas pessoas o odeiam (e não é apenas o feedback mal dado que causa esse sentimento).

Definição e Origem do Feedback nas Organizações

Pensando no campo do Design Organizacional, feedback é oferecer ou receber opiniões, impressões e avaliações de atitudes e comportamentos de outras pessoas em qualquer forma ou contexto.  O feedback é dado com a intenção de ajudar os outros a mudar seus comportamentos de forma a beneficiar suas equipes de trabalho e organizações. Seu principal uso atual (pelo menos no discurso) é melhorar o desempenho das pessoas, o engajamento e a capacidade das pessoas de se alinharem às estratégias e objetivos do negócio. 

Historicamente o termo começa a ser associado aos sistemas sociais a partir da década de 40 nas conferências Macy que foram responsáveis por fundar o campo de estudo da Cibernética. O uso de feedback nas organizações vem de uma visão mecanicista dos sistemas sociais e de como os humanos se relacionam. Mas acho que o mais relevante, são as crenças ou premissas que estão por detrás da ideia de que o uso de feedback é sempre bom. São três grandes teorias:

  • A primeira é que são os outros, (observadores externos – considerados lúcidos, sem viéses e objetivamente confiáveis) que estão mais cientes do que você de suas fraquezas e que a melhor maneira de te ajudar, portanto, é eles mostrarem a você o que você não pode ver por si mesmo. Podemos chamar isso de teoria da fonte da verdade.
  • A segunda crença é que o processo de aprendizagem é como encher um recipiente vazio: você não tem certas habilidades que precisa adquirir, então seus colegas devem ensiná-los a você. Podemos chamar isso de teoria da aprendizagem.
  • E a terceira crença é que a excelência é sempre universal, analisável e descritível, e que uma vez definida, pode ser transferida de uma pessoa para outra, independentemente de quem somos. Portanto, você pode, com feedback entender onde você fica aquém do ideal e depois se esforçar para remediar suas deficiências. Nós podemos chamar isso de teoria da excelência.

Quando o conceito de feedback e essas teorias (assumidas de maneira implícita) entra em contato com organizações que são estruturadas usando a cadeia de comando, mas que se envergonham de promover relações de chefe-subordinado, surge então um casamento perfeito. 

“Eu como gestor, não preciso mandar o colaborador fazer x ou y, pois posso dar um feedback, que nada mais é do que uma diretriz de como eu acho que o outro deve se comportar. Coitado dele, se não aceitar de bom grado esse “presente”.” 

Agora acho que você já começa a ver as rachaduras no casco dessa “maravilhosa ferramenta do século 20”. Vamos mais a fundo. 

Premissas nem sempre válidas

Vamos analisar as três teorias que apresentei acima. 

A teoria da fonte da verdade parece fazer sentido em situações muito específicas. Por exemplo, contrato um professor de tênis com anos de experiência, obviamente seu julgamento sobre minha técnica será mais válido que qualquer tentativa minha em fazer uma auto-avaliação. Porém é incomum encontrarmos contextos análogos. O principal motivo é a subjetividade ou complexidade do que está sendo analisado. Nas organizações é comum trocarem feedback sobre qualidades como “assertividade”, “pensamento estratégico” e “ousadia” e nesses casos, a verdade (se está bom ou não) está mais nos olhos de quem analisa e não do sujeito observado. 

Vários estudos confirmam (ver Scullen nas referências) que mais da metade das avaliações que fazemos de outra pessoa reflete nossas características, não a dela. Esse efeito não some com treinamentos e reuniões de calibração. Podemos chamá-lo de efeito idiossincrático do avaliador e ele é gerado por vários vieses cognitivos conhecidos, tais como: 

  • Viés de confirmação
  • Heurística de Disponibilidade
  • Efeito halo
  • Viés de auto-serviço
  • Viés de atenção
  • Fixação Funcional
  • Viés de ancoragem
  • Efeito de desinformação
  • Outros vieses e preconceitos implícitos (raciais, de gênero, etc.)

Conclusão: quando se trata de atributos abstratos, somos péssimos em avaliar o outro e isso já foi documentado e explicado. 

A segunda crença é sobre como aprendemos com mais informações. Essa teoria também não se sustenta na maior parte dos contextos. Aprender não é sobre receber mais informações da mesma maneira que um balde recebe mais água. O aprendizado trata mais de reconhecer, reforçar e redefinir o que já existe e menos de somar alguma coisa que não existe.

Aprendemos quando percebemos que poderíamos fazer alguma coisa melhor adicionando novas nuances ou expandindo nossa própria compreensão. O aprendizado se apoia em nossa percepção do que estamos fazendo bem, e não do que estamos fazendo mal, e certamente não no julgamento de outra pessoa sobre o que estamos fazendo mal. 

A terceira crença é sobre excelência ser algo universal e descritível. Novamente, quando estamos pensando em atributos mais abstratos ou qualidades mais complexas, encontramos exemplos que mostram que cada indivíduo que se mostrou excepcional ou que muito admiramos, atingiu esse estado de maneira única, específica e não replicável. Pense em artistas, líderes comunitários ou cientistas que você acha que atingiram um nível excepcional em suas atividades. Aposto que cada um terá características únicas e de difícil descrição. Criar uma receita para ganhar um prêmio Nobel não faz sentido, e por isso que a ideia que podemos apresentar para alguém um modelo de como ela deve se comportar faz sentido só quando ignoramos o que já sabemos. 

Se essas crenças são na imensa maioria das vezes inválidas, para que serve o feedback? Será que ele não resolve aquilo que se propõe ou gera problemas piores? Já podemos enterrá-lo junto com a curva forçada no cemitério de maiores antipadrões da história do design organizacional?

Usos em casos específicos

Se os contextos onde essas premissas são válidas são específicos, então os casos onde  feedback pode ajudar as pessoas a se desenvolverem também são específicos. São os contextos onde a avaliação ou julgamento de alguém pode te ajudar, onde a falta de informação faz a diferença e onde fazer bem algo é sempre muito parecido. 

Para alguém aprender ou se desenvolver tecnicamente em um esporte, o feedback me parece muito útil. Para alguém aprender técnicas básicas de alguma arte, também acredito ser bastante útil, como por exemplo aprender a cantar. Mas assim que a pessoa avança no seu desenvolvimento, ela pode enveredar para um estilo ou desenvolver um jeito único de fazer arte que torna o feedback mais dispensável. Ignorar isso e insistir no feedback só faz sentido se você pretende anular a singularidade das pessoas e homogeneizar ao máximo o comportamento de todos, levando de bandeja a mediocridade. 

No trabalho com organizações existem muitos tipos diferentes de atividades e contextos. Se conseguirmos pensar em um feedback sobre alguma atividade que é específico, objetivo (o máximo, sabendo que nunca é 100%) e acionável, talvez ele seja útil. Mas mesmo assim, se ele não for solicitado, essa informação terá grande chance de ser considerada inútil. 

Por exemplo, é comum eu atuar como “sombra” de uma pessoa que está atuando como facilitadora. Ser sombra funciona assim, fazemos um acordo prévio que diz: “assisto a facilitação da pessoa e dou ao final da reunião alguns feedbacks ou ajudo a pessoa a refletir sobre como pode melhorar na próxima vez”. Com esse acordo tenho espaço para algum feedback, mas na maioria das vezes pergunto o que foi mais difícil e se ela tem alguma dúvida sobre alternativas ou caminhos que uma facilitadora pode tomar em um tipo de situação x ou y. Repare que isso é radicalmente diferente de eu após várias reuniões dizer em termos gerais como ela pode se tornar uma boa facilitadora sem nem ela ter perguntado.

Menos feedback e mais conversas difíceis

Existem casos onde a pessoa que quer dar um feedback está irritada, chateada ou decepcionada com alguém. Nesses casos eu tenho convicção de que dar feedback é uma péssima ideia. 

Ter uma conversa sobre o acontecido já é outro caminho totalmente diferente. Em uma conversa eu posso focar no meu aprendizado e posso abordar todo o processo com uma legítima curiosidade. Não devo jogar fora meus sentimentos, mas não posso cair na armadilha de despejar na pessoa uma série de julgamentos e sentimentos e achar que ela vai aproveitar algo e que a pessoa vai então “consertar” seu comportamento. Leia mais sobre isso aqui nesse post.

No ambiente de trabalho, quando existe uma cadeia de comando, surge com facilidade a relação chefe-subordinado. E esse “feedback” desastroso dado por um “chefe” que está carregado de emoções como essas podem gerar resultados que parecem positivos na superfície, mas que se analisarmos um pouco mais a fundo, o prognóstico é péssimo.

Prognóstico 1: O subordinado abaixa a cabeça e pede desculpas, com medo de represálias, mas isso não significa que algo vai mudar, pois normalmente a situação é muito mais complexa e não foi investigada pelos dois. E quando muda é a auto-estima e autoconfiança do subordinado que vai implodir e diminuir sua capacidade de atuar e trabalhar.

Prognóstico 2: O subordinado abaixa a cabeça, mas por dentro está com muita raiva e se vendo injustiçado. O ressentimento que ele sente aumenta, podendo virar raiva de toda a organização. Depois de algumas vezes o engajamento chega ao fundo do poço e só a saída dele da organização parece fazer sentido.

Se olharmos para situações onde a relação chefe-subordinado não está presente, como por exemplo em organizações autogeridas ou entre sócios de uma empresa, o contexto ainda é ruim para o feedback carregado de emoções. Se você tentar,  no máximo criará uma uma “guerra de mensagens”, também chamada de DR, algo como uma discussão onde ninguém se escuta. 

No livro “Conversas Difíceis” os autores descrevem de maneira didática alguns passos ou caminhos que podemos aprender para diálogos mais construtivos. Deixo abaixo uma tabela extraída do livro, que classifica os tipos de conversa e como elas podem se tornar uma guerra de mensagens ou conversa de aprendizagem dependendo do pressuposto e do objetivo de quem está na conversa.

Tipo de Conversa DifícilGuerra de MensagensConversa de Aprendizagem
Acontecimentos
Desafio: a situação é mais complexa do que ambas as pessoas podem ver.
Pressuposto: Eu sei tudo que eu preciso saber para entender o que aconteceu. 
Objetivo: Persuadi-los que eu estou certo.
Pressuposto: Cada um de nós está trazendo informações e percepções importantes. Provavelmente existem coisas que ambos desconhecemos. 
Objetivo: Explorar as diferentes histórias, como entendemos a situação e os porquês.
Acontecimentos
Desafio: a situação é mais complexa do que ambas as pessoas podem ver.
Pressuposto: Eu sei qual é a intenção deles. Objetivo: Dizer para eles que o que eles fizeram é errado.Pressuposto: Eu sei qual era a minha intenção e o impacto das ações deles em mim. Eu não sei (e não posso saber) o que se passa na cabeça deles. 
Objetivo: Compartilhar o impacto em mim e descobrir o que eles estavam pensando. Também descobrir que impacto eu posso estar causando neles.
Acontecimentos
Desafio: a situação é mais complexa do que ambas as pessoas podem ver.
Pressuposto: É tudo culpa deles (ou minha). Objetivo: Fazê-los admitir a culpa e assumir responsabilidade para reparar o dano causado.Pressuposto: Provavelmente ambos de nós contribuímos com a situação atual (problema, conflito). 
Objetivo: Entender o sistema de contribuição, ou como as nossas ações produzem os resultados. 
Sentimentos
Desafio: a situação é emocionalmente carregada.
Pressuposto: Sentimentos são irrelevantes e provavelmente não vai ajudar compartilhá-los. Ou ainda, os meus sentimentos são culpa deles e eles precisam ouví-los. Objetivo: Evitar falar sobre sentimentos (ou descarregá-los).Pressuposto: Sentimentos são complexos e fazem parte da situação. Eu posso ter que cavar fundo para entender os meus próprios. 
Objetivo: Lidar com sentimentos (meus e dos outros) sem julgamentos ou atribuições. Reconhecer os sentimentos antes de ir para “resolução de problemas”. 
Identidade
Desafio: a situação ameaça a nossa identidade e equilíbrio.
Pressuposto: Sou competente ou incompetente, sou bom ou ruim, leal ou desleal. Não existe meio termo. 
Objetivo: Proteger minha autoimagem tudo-ou-nada. 
Pressuposto: Há muito em jogo – psicologicamente falando – para ambos os lados. Somos complexos e imperfeitos. Objetivo: Entender os problemas de identidade em jogo para ambas as partes. Desenvolver uma autoimagem mais complexa.
Adaptado de Conversas Difíceis de Douglas STONE

E as pessoas que querem mais feedback?

E o que fazemos quando as pessoas de uma organização ou time estão reclamando que não recebem feedback? 

A primeira coisa que eu recomendo é parar para investigar o significado que elas dão para esse pedido e as necessidades que estão por trás dele. 

Algumas pessoas dizem feedback quando querem dizer atenção, ou seja, elas querem ser vistas, reconhecidas ou receberem afeto. E isso pode estar relacionado com o fato da estrutura organizacional supervalorizar alguns cargos ou pessoas, fazendo com que o afeto e atenção dessas pessoas seja procurado por muitas pessoas, gerando uma certa escassez.

Às vezes está relacionado com falta de clareza: a pessoa está preocupada, pois não enxerga o que precisa fazer para ganhar um cargo, status ou aumento no salário. 

E por fim, pode estar relacionado a insegurança no trabalho ou emprego. Em contextos mais difíceis, as pessoas antecipam que vai acontecer um corte e essa insegurança aumenta a necessidade de ser vista e reconhecida como descrevi acima. 

Essas necessidades podem ser atendidas sem necessariamente ter um aumento expressivo na quantidade de feedbacks dados, o que às vezes é difícil se a única fonte de feedback válido é um chefe que com uma equipe de 30 pessoas. Acredito ser fundamental uma investigação sobre as necessidades e o desenho de experimentos para atender essas necessidades. Leia mais sobre essa abordagem aqui nesse e-book.

Por fim, é possível imaginar que se eu prestar atenção à minha volta, poderei coletar feedbacks de diferentes pessoas e situações, se isso for algo que considero importante para o meu desenvolvimento. Se pararmos tanto de apostar no feedback como uma bala de prata, poderemos realmente ajudar as pessoas a se desenvolverem, e isso passa sempre por conversas, reflexões e um processo essencialmente autodirigido.  

Em suma, podemos resumir em quatro pontos esse artigo:

  • Acreditar que feedback é uma solução depende de você acreditar em três teorias sobre verdade, aprendizado e excelência que na maior parte das vezes não são válidas; 
  • Se o contexto permite um feedback objetivo, específico, acionável e solicitado (são raros os contextos com essas características), ok, caso contrário não insista;
  • Se a situação estiver carregada de emoção, também esqueça de dar feedback, foque em ter conversas difíceis;
  • Se as pessoas estiverem reclamando que estão recebendo pouco feedback, investigue mais as necessidades que estão por trás. Depois disso proponha intervenções que atuem de maneira mais direta nas necessidades. 

Espero ter contribuído para promover reflexões sobre o uso dessa ferramenta tão polêmica. Se precisar de alguma ajuda para tratar esse ou outros temas em sua organização, pode chamar a Target Teal para um café. 

Referências:

BUCKINGHAM, Marcus; GOODALL, Ashley. The feedback fallacy. Harvard Business Review, v. 97, n. 2, p. 92-101, 2019.

SANFORD, Carol. No more feedback: Cultivate consciousness at work. 2019.

SCULLEN, Steven E.; MOUNT, Michael K.; GOFF, Maynard. Understanding the latent structure of job performance ratings. Journal of Applied Psychology, v. 85, n. 6, p. 956, 2000.

STONE, Douglas. Conversas Difíceis-Edição 2004. Gulf Professional Publishing, 2004.