Target Teal

A árvore da facilitação

Facilitação

Hoje vou compartilhar com vocês uma possível forma de enxergar a facilitação de conversas através de um modelo que criamos na Target Teal. Eu e o Barón já experimentamos algumas metáforas para tentar descrever esse processo de ajuda a grupos e organizações que conhecemos como “facilitação”. Esse é o nosso mapa mais recente dessa arte, que nomeamos “a árvore da facilitação”.

  1. O mapa
  2. Definição
  3. A prática do facilitar e o papel do facilitador
  4. Compreendendo a árvore
    1. Observar
    2. Perguntar
    3. Revelar
    4. Propor
    5. Deixar
  5. Caminho mais do que destino
  6. Outras práticas
  7. Conclusão
  8. Referências

O mapa

Aqui está o mapa que exploraremos no texto:

Definição

Para começar é importante dar clareza para o que nós estamos chamando de facilitação de grupos. Não enxergamos a facilitação como um meio para atingir algo, embora muitas vezes esse processo possa ajudar grupos a serem mais efetivos, tomarem melhores decisões ou terem interações de maior qualidade.

Para nós a facilitação é um processo de ajuda e um fim em si mesmo. Uma definição que chegamos e parece ser satisfatória até então é a seguinte:

Facilitar é perceber e responder ao que acontece de uma forma que convida outras pessoas a fazerem o mesmo.

Aqui já marcamos uma distinção de outras abordagens. Primeiro de tudo, facilitar não é levar o grupo a um lugar que eu acho melhor sem informá-lo. Por ser um processo de ajuda, a facilitação é um convite, que pode ser gentilmente recusado. Quando nos chateamos com uma recusa, é melhor investigar nossas próprias necessidades e quão legítima era a ajuda que estávamos oferecendo.

Quando tento forçar com que um grupo chegue a um resultado sem esclarecer isso para as pessoas envolvidas, estou manipulando e não facilitando. Quando alguém externo me pede para “ajudar” um grupo a fazer um planejamento estratégico e eu me comprometo mais em atender esse pedido externo do que as necessidades das pessoas envolvidas nesse processo, eu estou manipulando e não facilitando. E como essa dinâmica é comum no meio corporativo…

Se com esses exemplos você se percebeu manipulando mais do que facilitando, está tudo bem. Muitas vezes temos dificuldade de discernir quando estamos legitimamente oferecendo algo para outro de quando estamos tentando atender uma necessidade nossa. Mesmo trabalhando com facilitação profissionalmente, continuo me flagrando manipulando os outros para resolver problemas meus sem me dar conta disso. Quando tomo consciência, procuro me colocar novamente no lugar de servir ou então busco outras formas de atender minhas necessidades.

É importante também ressaltar que estamos aqui nos referindo a um tipo de facilitação em que ajudamos nós mesmos e o grupo a se desenvolver. Roger Schwarz chama esse tipo de facilitação desenvolvimentista. Não se trata de uma facilitação pontual para um workshop específico, entregar uma aula ou executar um planejamento estratégico. Por isso chamamos o curso da Target Teal sobre o assunto de “Facilitação de Times Organizacionais“. As práticas e princípios que promovemos estão nesse lugar de apoiar grupos que têm interações recorrentes.

Você pode observar que pela definição que construímos, facilitação é também um estado de presença. Às vezes brinco dizendo que é como meditar enquanto fazemos reuniões ou interagimos. Como acontece nas práticas de atenção plena, mantemos nossa atenção em um ponto fixo (na respiração, no nosso corpo, ou no caso, na estrutura da conversa). Quando percebemos que perdemos o foco, gentilmente voltamos a nossa consciência para o ponto desejado. Observamos nossos pensamentos, as falas e elementos da interação sem nos apegarmos a eles, simplesmente acompanhando tudo ir e vir.

Quando conseguimos facilitar grupos – por meio de estruturas e formas de interações – ajudamos a organização a ter melhores reuniões, acordos mais claros e expectativas mais explícitas. Como consequência as estruturas organizacionais se tornam mais intencionais e efetivas. É dessa forma que a facilitação se relaciona com o tema do design organizacional.

A prática do facilitar e o papel do facilitador

Atente à nossa definição de facilitação e perceba que não mencionamos o papel do facilitador ou da facilitadora. Isto é intencional porque gostamos de distinguir o “facilitar” do “facilitador(a)”. Você já deve ter participado de alguma reunião em que a suposta pessoa facilitadora não facilitou em nada a interação, certo? Você também já deve ter participado de uma conversa em que uma pessoa que não era facilitadora acabou facilitando. Pois é. Facilitar é um fazer, e pode ser feito por qualquer pessoa. O papel do facilitador é um acordo que as organizações criam para aumentar as chances de que a facilitação ocorra.

Por isso que a facilitação é um processo de ajuda e não depende exclusivamente de alguém assumir um papel explicitamente, embora ter o consentimento do grupo para facilitar parece ser importante em alguma medida. Resumindo, qualquer pessoa pode intervir em uma conversa e facilitar, tendo ou não tendo um papel oficial de facilitador.

Curso FATO

Facilitação de Times Organizacionais

Desenvolva a sua capacidade de perceber fenômenos de grupo e propor intervenções efetivas.

Próxima turma: 19 de fevereiro

Compreendendo a árvore

A árvore se desenvolve a partir dessa definição que apresentei. Agora quero te mostrar os principais “ramos”, que representam os “fazeres” da facilitação. Esses ramos mostram quais são as ações práticas da pessoa que facilita dentro de uma interação em grupo. Vou procurar fazer isso através de um caso prático.

Além dos ramos, incluímos também as principais heurísticas (princípios) de facilitação que costumamos utilizar, que constituem as raízes da nossa prática. Essas heurísticas são uma orientação de escolha para momentos difíceis em que enfrentamos um dilema: duas coisas que são importantes para nós e que são inconciliáveis, ou obtemos uma, ou obtemos outra. Listo elas:

  1. Clareza mais do que conforto
  2. Uma coisa por vez mais do que tudo o que importa
  3. Explicitude mais do que velocidade
  4. Caminho mais do que destino
  5. Curiosidade mais do que certeza

Ao invés de tentar explicar de forma abstrata os fazeres e as heurísticas, vamos compreendê-las através de um exemplo prático.

Imagine que você está apoiando um grupo de executivos de uma startup, chamada Redemoinho. Esse grupo é formado por 3 sócios fundadores e 2 diretores contratados. São eles:

  • Cláudia – CEO e fundadora
  • Rosana – diretora de marketing e fundadora
  • Lucas – diretor de tecnologia e fundador
  • Breno – diretor do financeiro e jurídico
  • Pietro – diretor de RH

Quem te chamou para apoiar esse grupo foi a Rosana. Ela trouxe para você que percebe muitos conflitos dentro da organização e que ninguém se escuta nas reuniões. A Cláudia também conversou com você e pareceu concordar com a perspectiva da Rosana: ela admite que as discussões nas reuniões estão quentes. Você propôs ao grupo facilitar as reuniões regulares que eles têm toda terça-feira às 10h.

Observar

O primeiro ramo da árvore é o observar. Ele vai influenciar e muito como fazemos as outras coisas da facilitação: como perguntamos, o que revelamos e o que propomos. Tudo começa com uma boa observação.

Gosto bastante da ideia de “figura e fundo” da Gestalt para descrever esse processo. Veja a imagem a seguir:

São dois rostos um de frente para o outro ou uma taça? É só a partir do contraste entre a “figura” e o seu fundo que podemos perceber qualquer coisa.

A nossa percepção pode se concentrar num determinado ponto específico, como por exemplo, que tipo de pedidos ou exigências as pessoas estão fazendo ao falar na reunião. Quando isso acontece, os demais elementos constituem o “fundo” da nossa percepção e são o que possibilita vermos o que estamos vendo.

Imagine que você está na reunião executiva da Redemoinho e observa a diretora Rosana falar:

“As vendas estão baixas neste mês. Temos que fazer mais promoções ou reduzir o preço para tornar os produtos mais atrativos”.

Você escuta isso e o pedido ou exigência “temos que” parece dominar sua percepção, pois é o foco, é a figura que você contempla. Muitas outras coisas se passam nessa cena que são pano de fundo e não o centro da sua atenção, como a cara de tédio que o Pietro faz, a câmera desligada do Breno, os movimentos bruscos da Cláudia na cadeira, seguido da interrupção do Lucas…

Mais fundo ainda nesse plano estão os seus próprios sentimentos, suas necessidades naquele momento, suas experiências de vida e no limite o seu próprio corpo. Talvez você estivesse preocupado com o que o grupo está achando da sua facilitação naquele instante. O seu coração está palpitando e você pensa: Será que devo intervir?

Mesmo tendo um foco, todo o fundo está ali, influenciando e presente na cena. Você pode em dado momento mudar esse foco para os seus sentimentos. Essa pode ser uma escolha consciente ou não. O nosso próprio corpo pode ser uma boa fonte de percepções sobre o que se passa na reunião. Ao prestar atenção em como respondemos aos estímulos externos, conseguimos ter mais pistas sobre o que está acontecendo com a gente e com os outros. Merleau-Ponty já dizia que o corpo é o fundo de toda e qualquer percepção – ele é o órgão pelo qual percebemos (Cerbone, 2012).

Tudo que percebemos, por mais objetivo que pareça ser – por exemplo a dureza de uma caneta – parece se dar pelo contraste que isso tem com o nosso corpo e constituição psíquica. No caso o seu dedo que pressiona é mais mole que a caneta. Por isso (não somente, mas também) você classifica a caneta como dura. Isso me mostra o quanto meus pensamentos e sentimentos influenciam o que observo na facilitação, assim como minhas experiências de vida.

Uma das primeiras lições que aprendi sobre o observar é que não tenho como prestar atenção em tudo ao mesmo tempo. Então busco selecionar o que parece mais relevante e foco nisso. Tudo bem perder algumas coisas.

Existem, no entanto, coisas que parecem ser mais úteis e interessantes observar num contexto de facilitação. De forma geral, me atenho mais à estrutura da conversa do que ao conteúdo. Se você seguisse esse princípio, pouco importaria para você o problema das vendas relatado pela Rosana e como isso seria resolvido. Mais interessante seria 1) como a Rosana fez esse pedido e engajou outras pessoas e 2) como elas responderam a isso.

Listo algumas coisas que costumo observar na facilitação, que acredito fazerem parte da estrutura da conversa.

  • Cortes: quando alguém interrompe a fala de alguém ou então ignora algo que foi pedido anteriormente;
  • Sentimento: quando algum sentimento é expresso ou então aparece uma fala que pressuponho estar carregada de emoções;
  • Perguntas: questões genuínas que buscam explorar possibilidades ou verificar entendimento (veremos mais a frente);
  • Retórica: perguntas que buscam influenciar – você não acha que deveríamos…?
  • Espelhos: paráfrases de falas de outras pessoas para verificar entendimento (muito raro no meio corporativo);
  • Acontecimentos: relatos de coisas que aconteceram;
  • Opinião: concordo, discordo, acho que, prefiro isso, odeio aquilo, li num livro (sobre ideias);
  • Julgamentos: atribuição de qualidade ao outro (você é isso ou aquilo);
  • Chamados: lembrete, proposta, pedido, conselho;
  • Amenização: quando alguém reduz uma ideia (isso não é relevante) ou sentimento (veja o lado positivo) com o objetivo de não falar sobre aquilo;
  • Apreciação: quando alguém celebra ou contempla as coisas como elas são;
  • Silêncio: pausa na conversa.

Na fala da Rosana você se atentou principalmente ao chamado que ela fez. Não foi feito um pedido explícito, mas ela parecia querer que alguém fizesse algo sobre as vendas. A partir daí você construiu uma interpretação, uma inferência, e está pronto para perguntar, revelar algo ou até propor. Parece que aí existe uma oportunidade de ajudar outras pessoas a perceberem e responderem melhor à fala dela.

Para entender melhor sobre a estrutura ou “design” das conversas, leia esse texto do meu parceiro do Marco Barón.

Perguntar

No mundo corporativo é difícil encontrarmos reuniões onde os participantes assumem uma postura “perguntativa”, dialógica e de curiosidade sobre o outro. O mais comum é encontrarmos algo como isso:

Rosana: As vendas estão baixas neste mês. Temos que fazer mais promoções ou reduzir o preço para tornar os produtos mais atrativos.

Lucas: O nosso grande problema é a conversão. As inúmeras ofertas têm atrapalhado a experiência do usuário e causado uma impressão ruim sobre a marca. Precisamos alinhar isso.

Pietro: Mas o que adianta melhorarmos a experiência quando temos um rombo no nosso caixa? Os investidores estão em cima.

Lucas: Se mirarmos só no curto prazo, em breve não teremos nem clientes, nem investidores!

Cláudia: Essa conversa não está nos levando a lugar algum.

Em grande parte das reuniões que participo, especialmente da “alta liderança”, ouço algo parecido com essa “conversa”. Um bando de gente falando cada um do seu próprio problema, sem demonstrar qualquer interesse ou curiosidade pelo outro. Ou isso ou então uma batalha política, onde cada um tenta preservar a sua imagem, mostrar um resultado supérfluo e passar uma boa impressão profissional. Infelizmente cenas como essa são predominantes no mundo do trabalho, tanto faz se é uma empresa privada, uma ONG, uma grande corporação ou uma startup.

Temos uma cultura corporativa ainda muito voltada em afirmar coisas – Edgar Schein chama isso de uma cultura que supervaloriza o dizer mais do que o perguntar (Schein, 2013).

Na facilitação, fazer boas perguntas pode ajudar a compreender melhor o outro, esclarecer expectativas ou direcionar a conversa para um fechamento. Neste texto já exploramos um pouco mais os diferentes tipos de perguntas e como elas podem influenciar uma conversa. E mais importante de tudo, como podemos evitar a manipulação.

O perguntar se desdobra na árvore em 3 outras grandes ações, que chamamos de explorar, verificar e concluir:

Explorar: Estamos explorando quando fazemos perguntas abertas com o objetivo de compreender melhor um tema ou enxergar possibilidades, por exemplo:

Você: Observo que todos estão compartilhando frustrações sobre a questão levantada pela Rosana. O que gostariam de fazer agora?

Verificar: Estamos verificando quando compartilhamos o nosso entendimento sobre algo que foi dito e pedimos uma confirmação se entendemos corretamente.

Pietro: Mas o que adianta melhorarmos a experiência quando temos um rombo no nosso caixa? Os investidores estão em cima.

Você: Entendi que para você não faz sentido focar em ações de longo prazo quando existe uma necessidade imediata de obter receita. É isso, Pietro?

Concluir: Podemos também fazer perguntas com a intenção de direcionar a conversa para um fechamento ou conclusão. Perguntas dessa natureza já são também uma proposição, porque convidam o indivíduo ou o grupo a fazerem algo.

Lucas: O nosso grande problema é a conversão. As inúmeras ofertas têm atrapalhado a experiência do usuário e causado uma impressão ruim sobre a marca. Precisamos alinhar isso.

Você: Quando você diz que gostaria de alinhar melhor essa questão, o que você espera que aconteça, Lucas? Qual seria o próximo passo para você?

As perguntas de exploração e verificação são uma manifestação concreta das heurísticas 3 e 5 da árvore.

  • (3) Explicitude mais do que velocidade: As perguntas podem ajudar a esclarecer uma situação, como aconteceu na pergunta (e revelação) de exemplo: Observo que todos estão compartilhando frustrações sobre a questão levantada pela Rosana. O que gostariam de fazer agora? Nesse ponto você está convidando todos a declararem suas preferências sobre como gostariam de seguir na conversa. Isso torna as coisas mais explícitas, mas demanda um certo investimento de tempo.
  • (5) Curiosidade mais do que certeza: Quando verificamos nosso entendimento sobre o que o outro diz, estamos exercitando uma curiosidade e interesse genuíno. Entendi que para você não faz sentido focar em ações de longo prazo quando existe uma necessidade imediata de obter receita. É isso, Pietro? Ao invés de me basear em suposições e certezas que tenho a respeito dele, prefiro verificar o meu entendimento. Isso também pode ocorrer nas perguntas exploratórias, quando busco compreender melhor uma situação. O que é mais importante para você nisso tudo?

Para explorar mais sobre o “perguntar” e conhecer mais tipos de perguntas e seu uso na facilitação, leia o nosso texto “a arte de perguntar”. Agora vamos para o terceiro grande fazer da árvore, o revelar.

Revelar

A facilitação seria muito tediosa para mim se eu ficasse apenas observando e fazendo perguntas. Às vezes sinto necessidade de me expressar, revelar o que se passa comigo ou o que estou enxergando acontecer. Esse “fazer” da árvore diz respeito àqueles momentos que compartilhamos com o grupo nossos pensamentos, sentimentos e também inferências (suposições) sobre as interações e a conversa.

O revelar também é aquele momento em que a pessoa que facilita rasga, mostra, torna explícito alguma “verdade inconveniente” que pode ser que todos estejam percebendo, mas ninguém se arrisca a nomear. Essas revelações costumam gerar nas pessoas um misto de desconforto e alívio. Mas por mais doídas que sejam, elas são essenciais na facilitação e correspondem à manifestação mais crua da heurística “clareza mais do que conforto”.

O que geralmente me encoraja a revelar coisas é o seguinte: penso que se estou no papel de facilitador e as pessoas ali de alguma forma esperam isso de mim, é provável que prefiram que eu revele essas verdades inconvenientes mais do que fique calado e seja mais um a colaborar com a manutenção da dinâmica disfuncional.

Vamos retomar a desconversa que estava acontecendo na Redemoinho:

Rosana: As vendas estão baixas neste mês. Temos que fazer mais promoções ou reduzir o preço para tornar os produtos mais atrativos.

Lucas: O nosso grande problema é a conversão. As inúmeras ofertas têm atrapalhado a experiência do usuário e causado uma impressão ruim sobre a marca. Precisamos alinhar isso.

Pietro: Mas o que adianta melhorarmos a experiência quando temos um rombo no nosso caixa? Os investidores estão em cima.

Lucas: Se mirarmos só no curto prazo, em breve não teremos nem clientes, nem investidores!

Cláudia: Essa conversa não está nos levando a lugar algum.

Uma possível revelação seria:

Você: Parece que a Rosana trouxe um incômodo sobre a queda da receita aqui para ser explorado nessa reunião. Talvez a Rosana espere que alguém faça algo com isso ou esteja pedindo ajuda.

Você: Em seguida o Lucas compartilha uma contribuição sobre o que acredita ser o problema por trás da baixa receita, certo Lucas? Aí Pietro entra e parece não concordar com a contribuição dele.

Você: Nesse momento comecei a me sentir ansioso(a) porque parece que começou um debate entre Lucas e Pietro, e a questão trazida pela Rosana inicialmente ficou para trás. Gostaria de acolher e tratar a preocupação da Rosana para depois ouvir melhor vocês, Lucas e Pietro.

Você: Dito isso, que tal tratarmos um ponto de cada vez? Se toparem isso, sugiro voltarmos para a Rosana e verificar o que ela gostaria de fazer com o incômodo dela.

Nessa intervenção a pessoa que facilita revelou várias coisas para o grupo:

  1. Falas que aconteceram na conversa, assim como sua estrutura: chamado da Rosana, opiniões compartilhadas e um corte feito (ignoraram o chamado da Rosana)
  2. Uma interpretação sobre a dinâmica do grupo (debate entre Pietro e Lucas e desconexão com a questão da Rosana)
  3. Seus próprios sentimentos e necessidades: ansiedade e que gostaria de tratar um ponto de cada vez e ouvir melhor a Rosana

Esse é o revelar. Esse fazer da árvore anda muito com o propor, porque na maior parte das vezes não simplesmente relatamos nossa percepção, mas propomos que algo na dinâmica mude.

Sobre as heurísticas da árvore presentes nesse exemplo, percebo principalmente a 1 e a 2:

  • (1) Clareza mais do que conforto: Percebo que muitas das dinâmicas disfuncionais que os grupos se encontram estão relacionadas com algum tipo de busca de conforto. Por isso, por trás de quase todas as “revelações” que a pessoa que facilita pode trazer está uma pitada de constrangimento. Esse parece ser o preço para se obter mais clareza e consciência sobre o fenômeno.
  • (2) Uma coisa por vez mais do que tudo o que importa: A proposição feita para o grupo está diretamente ligada a essa heurística. Para evitar os famosos vieses de grupo que fazem com que o senso crítica das pessoas seja prejudicado pela busca da conformidade, sempre prefiro tratar as necessidades como singulares. Nessa perspectiva, fica menos importante “o que o grupo quer” e mais relevante o que a Rosana, Pietro, Lucas, Cláudia e Breno precisam. Como diz meu colega Barón, “o grupo não tem boca nem mão”.

Nesse exemplo específico que exploramos seria muito estranho a pessoa que facilita terminar no terceiro parágrafo. Talvez o grupo olhasse para você e dissesse: ok, mas o que fazemos com isso? Muitas vezes os participantes de um grupo até percebem a dinâmica disfuncional que acontece, mas não sabem como lidar com ela.

Propor

Durante a facilitação concentramos nossa percepção principalmente na estrutura da conversa, perguntamos para compreender melhor, revelamos o que estamos vendo para ajudar o grupo a perceber mais coisas e por fim propomos novos caminhos.

Parece que existem pelo menos 3 tipos de proposições que as pessoas que facilitam fazem:

  1. Interrupção: Propomos uma interrupção quando queremos que algo pare, seja uma fala específica ou uma dinâmica que se repete. Por exemplo, quando sugerimos ao grupo de executivos da Redemoinho focar na questão trazida pela Rosana, estamos propondo uma interrupção no debate entre o Lucas e o Pietro.
  2. Ação: Propomos uma ação quando esperamos que alguém faça algo naquele insatante na conversa. Exemplos: que tal tratarmos um ponto de cada vez? Que tal fazermos uma pausa? Que tal escrevermos as ideias de todos em post-its? É um convite a mudar o curso das ações no aqui e agora. Novamente, quando propomos uma ação estamos também propondo que outra coisa não seja feita, portanto uma interrupção.
  3. Acordo: Propomos um acordo quando queremos estabelecer um compromisso ou uma intenção de fazer algo por um período de tempo mais longo ou futuramente. Um acordo pode ser uma ação a ser feita por alguém depois da reunião, por exemplo. Pode também ser um conjunto de papéis e responsabilidades (quem faz o que), regras de participação na reunião (levante a mão para falar) ou até expectativas comportamentais (piadas misóginas não serão toleradas). Aqui a facilitação se relaciona fortemente com o design organizacional e a autogestão (arte de fazer acordos).

O repertório de possíveis proposições é infinitamente grande e existem muitas outras abordagens de facilitação que podem ajudar nesse fazer. Listo algumas:

  • Métodos Ágeis
  • Práticas de autogestão (O2)
  • Estruturas libertadoras
  • Open Space, World Café
  • Comunicação Não-Violenta
  • Design Thinking
  • Seis Chapéus do Pensamento
  • Brainwriting
  • Dot Voting
  • Dragon Dreaming
  • Teoria U
  • Círculos Restaurativos
  • Pedagogia do Oprimido

Olhando a árvore pode parecer que esse “fazer” é o único pelo qual o facilitador influencia a direção da conversa. Se você teve essa impressão, queria dividir uma outra perspectiva. A nossa simples presença em uma interação já exerce influência sobre o grupo. Quando perguntamos, mesmo que sejam apenas perguntas de verificação ou exploratórias, estamos fazendo um convite para as pessoas prestarem atenção em algo diferente (portanto é um propor também). Quando revelamos algo, mais ainda. Acreditar que somos isentos ou neutros na facilitação porque não estamos propondo nada explicitamente é uma ilusão. E por isso, o último e fazer é o…

Deixar

A árvore também possui um ramo que pode surpreender um pouco. É o deixar. Em algumas situações, escolhemos simplesmente não agir. Uma intervenção pode facilitar uma conversa ou dificultar. Por melhor que seja nossa intenção, o resultado é imprevisível. Por isso, facilitar pode também ser simplesmente não fazer nada. Não intervir explicitamente. Paradoxalmente, o deixar também não existe, pois o simples ato de não fazer nada já é fazer alguma coisa, portanto uma escolha. Incluímos ele na árvore para honrar esse paradoxo e também nos lembrarmos de que todo o tempo afetamos e somos afetados pelo grupo.

Caminho mais do que destino

Deixei por último e numa seção especial a heurística “caminho mais do que destino”. Sempre quando deixamos de lado nossos planos, intenções prévias e expectativas de controlar a conversa estamos manifestando uma preferência pelo caminho mais do que pelo destino.

A forma mais pura de perceber e responder é se conectar com as necessidades presentes agora, no momento da conversa, da reunião, da interação. Às vezes chegamos em uma reunião de planejamento e descobrimos que ninguém ali quer planejar. Se nos mantivermos apegados a um plano pré-definido, nossa capacidade de observar o aqui agora será prejudicada, e não conseguiremos ajudar o grupo a perceber e responder, porque nem nós mesmos estaremos percebendo e respondendo.

Por isso, caminho mais do que destino, sempre.

Outras práticas

Colocamos também na árvore uma listagem de 9 práticas da facilitação de times, que são manifestações ainda mais específicas dos fazeres e das heurísticas. Nesse ponto do texto elas já devem ser auto-explicativas para você:

  1. Observar o que se passa dentro de mim e como isso afeta a conversa (observar)
  2. Distinguir as necessidades de cada um envolvido na conversa (observar)
  3. Esclarecer antes de oferecer opiniões ou julgamentos (perguntar, revelar)
  4. Parafrasear falas para verificar o entendimento sobre o que foi dito (perguntar, revelar)
  5. Verificar minhas inferências antes de assumi-las como verdadeiras (perguntar, revelar)
  6. Explicar a minha intenção e expectativas ao engajar o outro (revelar)
  7. Compartilhar e pedir exemplos específicos (perguntar, revelar)
  8. Pedir consentimento ao propor (perguntar, propor)
  9. Interromper dinâmicas que afetam a capacidade do grupo de perceber e responder (propor)

Conclusão

Que bom que você leu/assistiu até aqui e conheceu a árvore de facilitação. Mais do que considerar um modelo absoluto (leia mais sobre a falácia dos modelos) ou a verdade suprema sobre essa arte, convido você a encará-la como uma perspectiva possível. Nossa intenção é que ela influencie positivamente a sua prática e possa te ajudar a apoiar outras pessoas a perceberem e responderem melhor ao que acontece. Quem sabe ela pode te inspirar também a criar sua própria árvore. Isso seria fantástico. E se quiser compartilhar com a gente o seu próprio modelo de facilitação, seria ainda mais interessante.

Referências

CERBONE, David R. Fenomenologia. Petrópolis, Vozes, 2012.

SCHWARZ, Roger. The Skilled Facilitator: A Comprehensive Resource for Consultants, Facilitators, Coaches, and Trainers. Jossey-Bass, 2017.

SCHEIN, Edgar. Humble Inquiry: The gentle art of asking instead of telling. San Francisco, Berret-Koehler Publishers Inc, 2013.

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