Politicagem, corrupção, egocentrismo. Todas coisas que sentimos uma certa aversão e queremos ver longe da empresa que fazemos parte. Ainda assim, pessoas são complexas. Diferentes relações se formam ao longo do tempo, que atuam como caminhos de “atalho” às estruturas organizacionais existentes. O desenho abaixo ilustra bem isso:
Brian Robertson, criador da Holacracia, acredita que isso é fortemente influenciado pelo fato das empresas não terem “canais” suficientemente eficazes para tratar os problemas que surgem. Então elas criam essas “vias alternativas”.
Acho que essa é uma boa explicação, mas acrescento mais uma coisa: as pessoas têm necessidades únicas, que precisam ser reconhecidas e atendidas. E a Reunião Tática e de Governança da Holacracia não dão conta delas.
Dois espaços importantes
Para avançarmos na importância da interação cuidar e porque ela é necessária, precisamos conhecer dois espaços sempre presentes em todas as organizações: o espaço organizacional e o tribal.
O espaço organizacional diz respeito à organização, seu propósito e as relações entre os diferentes papéis existentes. Toda a estrutura organizacional da O2 (papéis, círculos e restrições) entra aqui.
Já o espaço tribal corresponde às pessoas que fazem parte da organização e as relações entre elas.
Ambos os espaços são voláteis e evoluem com o tempo. As pessoas vêm e vão. Os círculos e os papéis também. O propósito da organização em geral atua como uma ímã, que conecta e aproxima os dois espaços.
Na O2, buscamos governar a organização em função do seu propósito. Entendemos que as pessoas são importantes, mas tornar as suas necessidades soberanas ao propósito da organização mataria essa última. Por isso esse cuidado em separar as coisas.
Ainda assim, isso não significa que as necessidades individuais devem ser ignoradas. E é por isso que a O2 tem a interação cuidar.
A interação cuidar
Olhando a descrição da interação cuidar, veremos que ela é a mais simples e menos prescritiva de todas.
O objetivo desta interação é cuidar do espaço tribal e nutrir a qualidade das relações entre os integrantes de um círculo. O formato é aberto para o facilitador decidir como usar.
Este espaço não deve ser utilizado para realizar mudanças na estrutura do círculo ou pedir projetos e ações de outros integrantes do círculo.
De forma geral, a interação cuidar é geralmente um espaço de conversa livre. Ali não existem papéis além do facilitador (que pode até abandonar o papel eventualmente). É um lugar onde a conversa flui entre os indivíduos ali presentes, não os papéis organizacionais que eles representam.
Na sequência coloco dois exemplos de práticas que podem ser usadas nessa interação.
Fala espelhada (“fórum light”)
Na fala espelhada, todos sentam em um círculo, com uma cadeira especial vazia. O facilitador então introduz o exercício, explicando o objetivo, as regras e o funcionamento:
- Esse é um exercício para desenvolver empatia e compreensão.
- Só é permitido falar se você estiver sentado na cadeira especial.
- Após sentar na cadeira, você pode descrever uma situação relevante que você viveu e que esteja relacionada com o grupo ou com alguém ali presente. Isso pode incluir um desconforto ou necessidade pessoal não atendida. Pode também ser trazer um pedido ou sugestão de estratégia para atender uma necessidade pessoal.
- Todos devem ouvir atentamente, sem fazer perguntas ou oferecer opiniões.
- Quando a pessoa finalizar a sua fala, ela volta para a sua cadeira original.
- O facilitador então pergunta para a pessoa: Você gostaria que alguém espelhasse a sua fala? Se ela responder sim, então ele pergunta ao grupo: Alguém gostaria de espelhar a fala do fulano?
- Se alguém quiser espelhar a fala, essa pessoa senta na cadeira especial e repete aquilo que ouviu, nas suas palavras. Não é permitido acrescentar interpretações ou julgamentos sobre o que o “espelhado” falou, apenas parafrasear e contar novamente o que foi dido.
- Após finalizar, o facilitador volta a pessoa original e pergunta: Você foi bem compreendido? Se a pessoa disser que não, ela pode voltar para a cadeira especial e esclarecer aquilo que ela acha que não foi compreendido.
- O processo se repete até não existirem mais “espelhamentos” ou correções. Depois disso, uma nova pessoa vai para a cadeira especial e conta uma nova história relevante.
Esse é um exercício muito poderoso para o desenvolvimento de empatia em um grupo. Ele faz todo o sentido para a interação cuidar.
Fala livre
Uma forma mais simples e direta de conduzir a interação cuidar é a seguinte.
- O facilitador começa perguntando ao grupo: Existe algo que precisa ser cuidado na relação entre as pessoas aqui presentes?
- Se alguém se manifestar, a pessoa aprofunda explicando qual é a questão e o que ela precisa. O facilitador pode utilizar técnicas de CNV e ajudar quem está falando a melhor expressar seus sentimentos e necessidades.
- Outras pessoas do grupo participam livremente, sempre com foco em ajudar quem está trazendo a questão.
- Se ninguém se manifestar, o facilitador pode perguntar: Existe algo que vocês queiram falar a respeito?
- O processo então se repete até que o tempo acabe ou que não existam mais assuntos para serem tratados.
Um espaço de fala mais livre também ajuda a aliviar a rigidez das interações revisar, sincronizar e adaptar.
Vulnerabilidade
As práticas geralmente propostas na interação cuidar tem um potencial enorme de estimular as pessoas a se tornarem mais vulneráveis. Isso é positivo, especialmente pensando que relações mais profundas e de maior qualidade são importantes para um trabalho de qualidade.
Ainda assim, é importante ter cuidado para que a interação cuidar não se torne algo “obrigatório”. Forçar que as pessoas participem e se tornem vulneráveis pode ser desastroso. Uma forma de mitigar isso, é sempre declarar no início da interação que os exercícios tem a participação opcional e quem não estiver disposto pode fazer o checkout e deixar a reunião.
Cuide de todos os espaços
Não caia na armadilha de achar que as interações revisar, sincronizar e adaptar são o suficiente. Muitas vezes elas não são. Trazer um espaço de fala livre pode ser valioso para as pessoas, especialmente para as que tem dificuldade com a rigidez das outras interações. Cuide tanto da organização quanto das pessoas.
Olá, no modelo espelhado, não entendi como o problema que foi colocado e compreendido pode ser resolvido. Depois da compreensão, o que pode ser feito para encaminhar o problema que foi trazido?
Oi Rodrigo!!! Ótima pergunta. O objetivo da fala espelhada não é necessariamente “resolver” o problema. Até porque o problema pode ser imensamente subjetivo e a solução muito pessoal. O foco é construir compreensão e empatia. Às vezes isso por si só já é a solução! A pessoa se sente melhor por ter sido acolhida e entendida. Claro que é possível que no modo cuidar alguém faça um pedido para outra pessoa. Mas isso seria um pedido pessoal, feito no espaço tribal e sem qualquer relação com a organização, entende?
Abração!
[…] No método Organização Orgânica, temos um momento específico para isso que chamamos de modo cuidar. Se você estiver interessado em fomentar esses espaços na sua organização, confira abaixo o […]
[…] busque punir pessoas ou tentar controlá-las. Se existe um problema de confiança, melhor usar o modo cuidar para isso. As restrições só são efetivas se os membros do círculo enxergarem sentido nelas e […]
[…] is human connection. We need it to stay alive and that can’t be ignored. At O2 there is the Care Mode, which helps people experience this type of space in organizations. An example is that of More Than […]