Um sistema é um conjunto de elementos que se relacionam entre si e, a partir das suas relações, produz algum tipo de comportamento, função ou qualquer coisa parecida.
O Pensamento Sistêmico, área de estudo dedicada a esses construtos, possui uma série de abordagens que acabam por caracterizar um paradigma.
Neste artigo aqui eu dei um uma introdução breve ao assunto.
Ao observar o nosso meio, podemos identificar diversas relações entre os vários elementos que constituem o nosso tecido social, cultural e ambiental.
Pegue por exemplo uma escola. Uma escola é uma organização que é constituída por alunos, professores, um corpo administrativo e vários papéis operacionais como as pessoas que cuidam da faxina, do portão e por aí vai. Isto, claro, se for o caso de uma escola física.
Vários elementos estão relacionados e parecem trabalhar juntos para desempenhar funções específicas. Uma escola poderia então ser vista como um sistema.
Da mesma forma poderíamos olhar para uma família, um estado e qualquer tipo de organização como um sistema também.
Quando olhamos uma floresta como um conjunto de árvores que atuam em simbiose com microorganismos, fungos, animais e minerais para coexistir também se torna evidente que estamos observando um grande aglomerado de sistemas e subsistemas.
Mas o título deste artigo afirma o contrário. Naturalmente que o meu objetivo ao propor tal título é apenas fazer uma provocação e talvez ganhar alguns cliques de leitores curiosos.
É claro que os sistemas existem na natureza. Mas será que os sistemas existem exatamente da forma como os descrevemos e enxergamos?
Veja bem, ao identificar um sistema nós somos forçados a estabelecer um recorte, um escopo, uma membrana.
A nossa própria mente opera de forma direcionada e seletiva e acaba, portanto, excluindo elementos que estão fora do campo.
É o observador que vai definir os limites do sistema observado. Não dá pra fugir disso.
Existem dois movimentos na filosofia do conhecimento que exploram diferentes perspectivas. Um é o campo da ontologia e o outro da epistemologia.
- Ontologia: é o campo de estudo daquilo que é, virá a ser e que existe. É um ramo filosófico da metafísica. Perspectivas ontológicas geralmente carregam a premissa de que os nossos conceitos descrevem a realidade como ela é. Por exemplo: Pense na taxonomia botânica onde organizamos plantas em espécies, classes, famílias, etc. A taxonomia existe na natureza ou é apenas uma abstração conceitual que nos ajuda a descrever padrões a partir da linguagem? Um discurso ontológico radical diria que a taxonomia de fato existe na natureza e a descreve exatamente como ela é (realismo ingênuo). Um discurso menos fervoroso diria que talvez não seja exatamente assim, mas é algo muito próximo disso (realismo moderado) e talvez seja possível construir um modelo muito próximo disso. Um discurso leve seria o de que a taxonomia existe na natureza, mas nunca vamos construir um modelo perfeito (realismo crítico).
- Epistemologia: é o estudo do que é possível conhecer e do próprio conhecimento. Considerando o exemplo acima, a taxonomia seria um recurso epistemológico que nos ajuda a compreender os padrões da natureza, sabendo que o modelo é apenas uma abstração conceitual e não a realidade como ela é. Ou seja, a taxonomia não existe na natureza, é apenas um construto intelectual.
Sendo assim, ao olhar para sistemas na natureza com uma perspectiva ontológica, nós estamos basicamente assumindo uma postura realista que afirma ser possível conhecer a realidade como ela é.
Eu já refleti com mais profundidade sobre este tema no artigo “A Falácia dos Modelos“.
Ao abraçar uma perspectiva epistemológica, entendemos que sistemas são apenas construtos sociais que nos ajudam a compreender e interagir com a realidade. Se eles existem ou não… na verdade não é importante. O que importa é que este construto é útil para nos ajudar a navegar a complexidade do ambiente em que vivemos.
E que diferença faz esse negócio de olhar para sistemas com uma perspectiva ontológica ou epistemológica?
Bom, a diferença é que, quando investigamos a realidade com uma perspectiva epistemológica nós assumimos uma postura crítica e uma certa humildade ao fazer inferências sobre os fenômenos que observamos.
Quando olhamos para ofertas de diagnósticos organizacionais por aí, é fácil encaixar algumas dessas abordagens em uma lente ontológica, que parece assumir uma postura de certeza sobre os fenômenos que observa.
Assumir uma perspectiva epistemológica ao lidar com sistemas sociais é importante para não sair por aí apontando dedos e julgando pessoas, processos e outros fenômenos com certeza absoluta.
No pensamento sistêmico essas abordagens foram divididas por Peter Checkland em dois grandes ramos.
A distinção é expressa em termos de ênfases relativas de tradições ontológicas (sistemas como representando entidades do mundo real) e tradições epistemológicas (sistemas como dispositivos de aprendizagem para investigar entidades do mundo real).
De uma forma bem simplista a tradição ontológica afirma que “sistemas são entidades reais e se comportam da forma como os descrevemos” e a tradição epistemológica descreve que “sistemas são construtos sociais que existem apenas em nossas mentes e nos ajudam a interagir com o mundo”.
As abordagens ontológicas são chamadas por Checkland de “hard systems approaches”, que numa tradução livre seria algo como “abordagens de sistemas duros”.
As abordagens epistemológicas são chamadas de “soft systems approaches”, que numa tradução livre seria algo como “abordagens macias de sistemas”.
Hoje há quase um consenso entre os praticantes do pensamento sistêmico de que sistemas são, em última instância, apenas construtos conceituais.
Há uma frase célebre do Korzybski que diz que o mapa não é o território.
Tudo bem. Mas não significa que não existe um território. Também não significa que não há uma relação entre o mapa e o território.
Certamente que o mapa é uma simplificação do território e nós provavelmente nunca conseguiremos representar o território em sua totalidade.
Mas é melhor ter um mapa ruim que nenhum mapa. :)
Obrigado por ler até aqui!