Resistência à mudanças não é um problema, mas é um sintoma de algo que está acontecendo durante uma transformação. Precisamos entender melhor como organizações e sistemas sociais mudam para entender esse fenômeno e quem sabe transcendê-lo.
Para começar a explorar o tema, gostaria de questionar algumas premissas.
Mitos sobre processos de mudança em organizações
Mito 1 – Precisamos prever e controlar a mudança
O meu trabalho é essencialmente de um agente de mudanças. Sou chamado a entrar nas organizações e ajudá-las a redesenhar sua estrutura e cultura. A cada semana que passo trabalhando eu aprendo algo que me deixa mais humilde e menos propenso a acreditar que consigo controlar um processo de mudança.
“Try as you may, change cannot be controlled” Jason Little – Lean Change Management
Desde o primeiro dia em uma organização estou em contato com uma realidade em constante mudança. O pensamento tradicional em gestão de mudanças é fazer um diagnóstico, montar um plano e executar. Mas para isso funcionar tudo teria que ficar parado, o futuro deveria ser previsível e nada poderia ser tão complexo. O mundo VUCA teria que ser uma fantasia. Meu trabalho como agente de mudança é influenciar um sistema social de maneira consciente e efetiva, não gerir ou controlar a processo de mudança.
Reconhecer nossas limitações e a complexidade do que está acontecendo é importante.
Mito 2 – As pessoas têm medo ou não querem mudanças
Já ouvimos ou vivenciamos histórias terríveis sobre processos de mudança desastrosos dentro de organizações. Normalmente envolvia uma mudança abrupta e sem sentido especialmente seguido de uma troca de diretores e gestores. Em uma estrutura com a cadeia de comando, a troca de quem está em uma posição de autoridade abre espaço para grandes mudanças. Nesses cenários as pessoas têm medo, e com razão. Demissões, incertezas gigantes sobre o futuro, projetos descontinuados, re-organizações sem sentido e processos top-goela-abaixo são elementos recorrentes nessas histórias de horror.
Então toda vez que ouço que as pessoas não querem mudança, tento entender que tipo de mudança existe no histórico dessa organização. Normalmente é do pior tipo.
“Não é que as pessoas não gostam de mudança, o que elas não gostam é de serem mudadas”
Quanto mais você entender o sistema social (cultura) e o indivíduo que está na sua frente, melhor será sua capacidade para atuar. Generalizações como as pessoas não gostam de mudanças, costumam atrapalhar.
Mito 3 – Basta convencer as pessoas
É muito comum a crença de que se a pessoa ou grupo de pessoas souberem o que precisa ser mudado e os motivos ou vantagens da mudança, elas vão mudar. Todos os esforços de comunicação, eventos de kick-off, posters na parede, ajudariam nesse processo de convencimento. E uma vez convencidas, a mudança ocorreria facilmente. Porém essa é uma premissa fácil de ser invalidada.
Se isso fosse sempre verdade, todo mundo após uma consulta médica com recomendações claras de parar de fumar ou ajustar a dieta, faria mudanças simples e que potencialmente salvariam a vida delas. Nenhuma razão parece ser mais forte do que salvar a sua própria pele. E mesmo nesses casos, frequentemente nada muda.
É comum existir um gap entre novas crenças, intenções, compromissos e o comportamento observável de uma pessoa. Cultura, hábitos, falta de capacidade, tudo isso pode estar em jogo e você precisa ampliar o seu olhar.
Esse vídeo ilustra um pouco a distância entre querer mudar e conseguir mudar.
Detratores e promotores (o tal do buy-in)
Supondo que você tenha clareza que não irá controlar a mudança organizacional. Supondo que você compreenda que cada pessoa pode resistir ou não à mudanças e por fim, supondo que você acredite que existe um gap entre intenção e ação. Mesmo assim você ainda pode querer classificar na sua cabeça as pessoas entre detratores e promotores. E essa é outra armadilha.
A primeira razão é simples. Mesmo que você queira classificar o nível de buy-in ou convencimento de uma pessoa, dá pra imaginar que existe no mínimo um espectro de buy-in:
- Paixão (O que você está propondo é a coisa mais importante da minha vida)
- Engajamento (Eu quero o que você está propondo)
- Concordância (Eu vou fazer o que você está propondo)
- Compliance (Ok, mas onde estão as brechas?)
- Apatia (Eu não me importo)
- Resistência passiva (Ups, não fiz…)
- Resistência ativa (Nem a pau!)
O engraçado desse espectro e que muitas pessoas (inclusive eu) tem muito mais dificuldade em lidar com os comportamentos do nível 6 (resistência passiva) do que os de nível 7 (resistência ativa).
A segunda razão para jogarmos fora os rótulos de promotor e detrator é que eles não são nada estáticos. Mesmo olhando para o espectro acima, eu posso interpretar que uma pessoa está tendo um comportamento nível 4 e na semana seguinte nível 7. As coisas mudam e as interpretações também são enviesadas.
Uma vez em uma sessão de retrospectiva pedi para as pessoas se classificarem usando a escala acima. Apareceram vários níveis, e em muitos casos eu conseguiria lembrar momentos onde os comportamentos apontavam para outro nível. Então, a coisa também é mais complexa aqui.
Taxonomia das resistências
Se alguém está se comportando de um jeito que pode ser classificado como “resistência à mudança organizacional”, até mesmo falando as frases exemplos dos níveis 5, 6 e 7 podemos encarar esse fenômeno como um sinal, um importante feedback para o processo de transformação.
E para aproveitar esse feedback, precisamos estudar os fatores ou possíveis causas. Uma ferramenta que pode ajudar esse estudo é uma taxonomia das resistências que classifica os diferentes fatores que podem estar em jogo quando as pessoas mostram sinais de resistência. Os fatores são:
Informacional
A pessoa resiste porque possui informações insuficientes ou simplesmente erradas.
Habitual
A pessoa quer mudar, mas a força do hábito gera relapsos e baixa consistência nos novos comportamentos.
Emocional
A pessoa tem muito medo ou raiva do que está sendo proposto. Pode ter relação com eventos passados e com situações extremas como uma possível demissão.
Pragmático
A pessoa não se sente capaz, não vê vantagens em mudar e/ou não entende direito o que precisa ser mudado, como e o porquê.
Identidade
A mudança proposta é vista como uma ameaça à identidade da pessoa ou como ela se vê. Exemplo: alguém que mandou fazer um cartão de visitas com ênfase no cargo de diretor, pode não gostar da ideia de autogestão.
Justiça
A pessoa acredita que a mudança vai gerar injustiças.
Ideológico
A mudança é vista como contrária aos seus valores pessoais ou filosofia de vida.
Efeitos de rede
Quando os novos comportamentos não estão sendo reforçados por pessoas próximas ou quando as novas ferramentas/métodos ainda não ganharam popularidade, mudar é bem mais difícil. Para entender melhor esse fator, recomendo o livro “How Behaviour Spreads”.
Político
Concordar ou seguir com a mudança colocaria em risco sua filiação a um grupo ou tribo.
Comumente esses fatores não atuam sozinhos. Um reforça o outro. Uma pessoa pode ter uma informação equivocada sobre o processo de mudança e isso somado a um histórico pessoal pode gerar o medo de ser demitida. Ou a identidade de uma pessoa estar intimamente relacionada ao fato de pertencer a um grupo de profissionais e a mudança ameaçar as duas coisas.
Indo além
Se explorarmos a fonte de resistência com coragem e curiosidade, podemos aproveitar para influenciar e ajustar o processo de mudança em curso. Deixamos de atuar exclusivamente no convencimento das pessoas e passamos a atuar no sistema.
Por exemplo, uma pessoa tinha um cargo de gestor de uma equipe e agora precisa se adaptar à um contexto onde a autoridade é distribuída ou seja, a equipe é autogerida. Ela mostra alguma resistência em comentários sobre a impossibilidade de pessoas jovens e pouco experientes assumirem papéis e tomarem decisões. Essa conversa aponta para a necessidade de esclarecer alguns conceitos relacionados a autogestão e a tecnologia social O2. Um caminho é ofertar para todos os ex-gestores um workshop especial sobre construção de papéis, alocação e o papel de Elo Externo. Além disso, você aproveita um círculo que está indo bem e está cheio de estagiários e faz a ponte para eles acompanharem algumas reuniões e observarem de perto como as coisas podem fluir.
Paradoxalmente os mesmos fatores que geram resistência são os que permitem ou apontam a direção que pode ser seguida no processo de transformação. A resistência portanto pode ser vista como um tipo de feedback que não pode ser ignorado.
Exemplificando, em um processo de transformação você percebe uma reação quase automática de algumas pessoas. Uma espécie de medo de falar o que acham daquilo que está sendo proposto. Nesse momento, você pode colocar energia na criação de um ambiente emocionalmente seguro. Você como agente de mudança pode propor e facilitar um ritual regular com foco na escuta profunda e empática. Com o tempo, as pessoas irão incorporar as mesmas estratégias em outras conversas fora desse ritual que é facilitado. Pode levar tempo, mas o resultado é duradouro.
Por fim, um dos antídotos ou vacinas mais poderosas contra a resistência a mudança é a confiança. Construir um ambiente de confiança em uma organização prepara ela para se adaptar e mudar com muito mais facilidade.
Toda vez que encontramos resistência, precisamos mergulhar de cabeça, investigar, elaborar e propor experimentos que aproveitam o feedback embutido na resistência. Não existe bala de prata, nem receita de bolo. É duro, mas é mais fácil do que resistir.
Se você quiser conversar mais sobre processos de transformação organizacional, vamos tomar um café.
Rodrigo, muito boa tua reflexão. Obrigado por compartilhar.