https://australasianleadership.com/wp-content/uploads/2020/07/Boiling_frog_optimized.jpg

Nas últimas duas décadas um número crescente de indivíduos optaram por abrir suas próprias empresas, mas as estatísticas mostram que apenas cerca de 40% dessas empresas sobrevivem além do primeiro ano.

Isso me lembra uma fábula bastante conhecida no mundo do pensamento sistêmico chamada “a rã na panela”.

A premissa é que se uma rã for colocada de repente em água fervente, ela saltará, mas se a rã for colocada em água morna que começa a ferver lentamente, ela não perceberá o perigo e será cozinhada até a morte.

A metáfora é freqüentemente usada para enfatizar a incapacidade ou falta de vontade das pessoas em reagir ou ter consciência de ameaças sinistras que surgem gradualmente ao invés de vir de forma brusca e rápida.

Organizações são sistemas complexos que muitas vezes se comportam como o sapo na panela porque não conseguem perceber as mudanças em função das suas redes fragmentadas disfuncionais. Muitas vezes isso se manifesta como um sintoma da miopia sistêmica.

E dentro desse sistema temos vários conjuntos de elementos de diferentes naturezas que se entrelaçam e formam uma grande teia de aranha cheia de relações significativas.

Essa teia é uma rede de pessoas, acordos, rituais, outras organizações e histórias.

Eis aqui mais uma vez um diagrama chamado “Lentes do Design Organizacional” que tenta sistematizar alguns dos vários elementos emergentes em organizações que podem ser observados ou mapeados.

 

Organizações são redes

Hoje em dia ao falar de redes sociais pensamos em plataformas como instagram, twitter, facebook e afins. De fato, essas são redes sociais, mas o conceito de rede social vai muito além de uma plataforma digital.

Uma Rede social é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que compartilham valores e objetivos comuns. (Wikipedia)

E essa estrutura precisa ser nutrida para que as organizações possam se adaptar de forma distribuída, transparente e autônoma.

Além disso olhar para organizações como redes nos ajuda a perceber como as relações entre as pessoas são importantes para o sistema como um todo.

Ao construir redes organizacionais nós queremos observar:

  • A profundidade do relacionamento entre colaboradores
  • O grau em que os colaboradores estão se comunicando uns com os outros
  • O histórico da colaboração dos membros do sistema.
  • Como as idéias se espalham
  • Possíveis elementos que contribuem para que experimentos não sejam difundidos na organização

A imagem abaixo é uma rede mapeada a partir de uma base de emails trocados entre os funcionários da empresa Enron.

 

A informação foi adquirida pela comissão reguladora de energia dos USA ao investigar o colapso da empresa em 2001.

Ao concluir a investigação os emails se passaram a ser de domínio público para pesquisadores e investigadores.

Esta é apenas uma das várias maneiras de mapear as interações de uma rede organizacional.

Mas quais são as características de redes “maduras”?

Estágios de Desenvolvimento de Redes Sociais

É bem tentador pensar que as redes simplesmente nascem prontas. Desenvolver redes saudáveis que ajudam a nutrir o propósito de uma organização é um trabalho longo e árduo.

June Holley, uma das pensadoras mais influentes no campo das redes, apresentou um processo de quatro estágios que descreve o desenvolvimento de redes sociais no seu paper “Building Smart Communities through Network Weaving” com Valdis Krebs em 2006.

https://miro.medium.com/max/3600/0*Vw8piuJISZmEpEiu.jpg

  • estágio 1, fragmentos dispersos: Quando uma rede está apenas se formando ou antes mesmo de se formar e você está simplesmente identificando pessoas que podem ser membros em potencial. Algumas pessoas se conhecem, mas existem muitos silos e pouca interconexão.
  • estágio 2, hub e spoke: O nascimento de uma rede geralmente requer o esforço de algum hub central. Essa é uma das contradições fascinantes de desenvolver uma rede saudável. Uma rede saudável desencorajaria ter uma pessoa desempenhando um papel tão central, mas quando estamos nos estágios iniciais de construção de uma rede, é essencial que alguém desempenhe esse papel, conectando-se entre os vários fragmentos. O segredo é cumprir essa função e depois sair do centro o mais rápido possível.
  • estágio 3, multi-hub: Conforme a rede continua a se desenvolver, você está identificando várias pessoas que podem desempenhar o papel de hub, criando cada vez mais relacionamentos baseados em confiança em toda a rede. Alguns desses hubs podem ter funções formais de coordenação (criadores de redes e gerentes de projeto), enquanto outros podem ser mais informais (os conectores naturais em sua rede).
  • estágio 4, núcleo / periferia: neste estágio, você tem um núcleo denso e interconectado com vários hubs sobrepostos nesse núcleo. Ninguém está desempenhando o papel central. Além disso, há uma periferia que é grande (idealmente 5x o tamanho do núcleo) e diversa. Isso é o que June chama de rede “inteligente”. A grande e diversificada periferia serve como fonte de novas idéias e inovação para a rede.

Inibidores de Redes Saudáveis

Construir organizações que atuam como redes intencionais não é algo trivial.

Stefan Lindegaard fez um ótimo trabalho em mapear alguns inibidores recorrentes de redes intencionais.

Falta de tempo e habilidades

Muitos de nós simplesmente não temos tempo ou habilidades para fazer contatos e construir relacionamentos.

Uma funciona muito melhor se pessoas que compartilham uma experiência, paixão, interesse, afiliação ou objetivo comum estão conectadas.

O networking aleatório raramente resulta em nada além de perda de tempo, o que desvaloriza a idéia de estabelecer relações e torna mais difícil encorajar as pessoas a tentar novamente.

Uma das pessoas que mais influenciaram o mundo do tricô social foi Etienne Wenger quando ele fala sobre comunidades de prática e oferece insights maravilhosos para tecelões e tecelãs que desejam empoderar pessoas e fortalecer os laços de redes específicas que não são apenas intencionais mas se tornam verdadeiras escolas autodirigidas.

Comunidades de prática são grupos de pessoas que compartilham uma preocupação ou paixão por algo que fazem e aprendem a fazer melhor ao interagir regularmente. (Etienne Wenger)

Harold Jarche também oferece ideias valiosas acerca da transformação de redes intencionais e vai ainda além do conceito de comunidades de prática proposto por Wenger.

 

Leia mais sobre aqui.

Falta de compromisso e estrutura

A atitude de “a rede cuidará de si mesma e você não precisa trabalhar para isso” não é a abordagem a ser adotada para construir o que cada vez mais se define como uma habilidade própria.

Construir uma rede requer compromisso e estrutura para apoiá-la.

Falta de comunicação interdisciplinar

A estrutura da sua empresa separa as pessoas que podem se unir para a inovação? O problema pode estar relacionado à logística, geografia, burocracia e inúmeras outras questões.

Mas uma das maiores questões que normalmente influenciam no fluxo de informação em uma organização é a própria cadeia de comando.

Elimine silos e incentive a colaboração interdisciplinar.

Centralização de informação

Um punhado de especialistas domina as informações da sua empresa e as redes de tomada de decisão? Esses guardiões são bons julgadores de novas ideias ou sua experiência em uma área os cega para o potencial de novas ideias de outras áreas?

Ter uma documentação com wikis e ferramentas semelhantes para encorajar o compartilhamento de informações é muito importante para distribuir o conhecimento em toda a organização.

Tricô Social

Mas e aí? O que fazemos para estimular a transformação de uma rede com fragmentos dispersos em uma rede com um núcleo denso e intercontecado com vários hubs?

Happy Hours? Amigo Oculto? Festinha surpresa pra algumas pessoas influentes?

Infelizmente essas estratégias são bastante comuns.

A nossa premissa, no entanto, vai por outra via.

Uma das mais incríveis contribuições de June Holley para a ciência das redes é o conceito de “network weaving.” Este termo quer dizer literalmente “tecer redes”.

A proposta da June é que algumas pessoas podem desenvolver habilidades voltadas para:

  • Conectar pessoas e fortalecer laços
  • Ajudar pessoas a tomarem responsabilidade por suas interações
  • Estimular interações intencionais
  • Oferecer suporte para a rede como um todo

As pessoas que se aprimoram nesse campo são chamada de Tecelãs de Rede ou Network Weavers.

Em português eu gosto de chamar esse campo de “tricô social”.

São inúmeras as tecnologias sociais que podem auxiliar os fiandeiros e fiandeiras sociais a elaborar esse processo de tricotagem. Open Space Technology, Art of Hosting, World Café e Estruturas Libertadoras são apenas alguns exemplos.

Estratégias do Tricô Social

Para estimular o crescimento de uma rede social é importante focar em quatro frentes básicas:

  • Feche os Triângulos . Você está conectado a duas pessoas que não estão conectadas uma à outra? Faça uma introdução! Incentive todos na rede a fazer isso e surpreenda-se com o resultado.
  • Estimule micro-colaborações. June chama isso de twosies e threesies e são pequenos projetos que constroem os músculos colaborativos de todos. Incentive as pessoas a começarem por conta própria. A auto-organização é um princípio básico de uma rede saudável. É ainda melhor se você tiver um fundo de inovação para apoiar alguns dos custos menores que inevitavelmente surgem com esses projetos menores.
  • Cultive uma periferia ampla e diversificada. Esteja sempre atento a maneiras de convidar novas pessoas para participar da rede e abrir espaço para diversos níveis de envolvimento. Nem todos podem ou querem estar envolvidos em reuniões semanais / mensais, mas isso não significa que devam ser excluídos da rede.
  • Compartilhe aprendizados e identifique projetos de alto potencial. Micro-colaborações são mais do que oportunidades de praticar a colaboração. Também são experimentos sobre o que funciona e o que não funciona para trasnformar o sistema. Certifique-se de ter um processo para compartilhar aprendizados em sua rede e usar esses aprendizados para identificar os projetos maiores e de alta alavancagem que têm o potencial de realmente fazer a diferença.

Mapear é preciso

Para conseguir desenvolver estratégias de tricô social precisamos de dados sólidos que fundamentem as nossas hipóteses e experimentos.

Uma abordagem orientada a redes vai nos ajudar a

  1. Estimular RELACIONAMENTOS entre colaboradores
  2. Distribuir PODER na organização
  3. Prover uma estrutura para REDES INTENCIONAIS
  4. Promover a INOVAÇÃO a partir da multidisciplinariedade

Pegue como exemplo o seguinte mapa:

Este mapa descreve interações entre pessoas em uma organização. Cada linha representa quem pede ajuda pra quem.

Algunas linhas são bidirecionais, isto é, ambos pedem ajuda entre si.

Nós também temos 4 grupos ou comunidades nesta rede.

Observe que existem várias pessoas que não possuem “triângulos fechados” e poderiam ser introduzidas pelos seus hubs e intermediários. Também temos algumas pessoas altamente isoladas na periferia do sistema.

Esta é uma rede multi-hub e poderia se beneficiar de intervenções que ajudem a expandir a densidade da rede para evoluir para uma rede distribuída de núcleo/periferia.

As estratégias do tricô social nos ajudam a desenvolver intervenções para redes como esta.

Essa polinização cruzada só é possível se tivermos ferramentas que nos auxiliam a navegar a complexidade dessa enxurrada de informações.

Para compreender melhor o que são Hubs, Intermediários e Periferia leia este artigo sobre análise de redes organizacionais.

E para aprender mais sobre mapeamento de sistemas também temos um artigo sobre este tema aqui.

Se você tem interesse em levar estratégias de tricô social para sua organização marque um cafezinho com a gente.. :)

Referências

Holley, J. (2012). Network weaver handbook. Athens: Network Weaver.

Barabási, A., & Stang, A. Hidden patterns.

Barabási, A. (2014). Linked. New York: Basic Books.

Wenger, E., McDermott, R., & Snyder, W. (2010). Cultivating communities of practice. Boston, Mass.: Harvard Business School Press.

Wenger, E., Smith, J., & White, N. (2009). Digital habitats. Portland, Or.: CPsquare.

kumu

Curso PESCA

Pensamento Sistêmico e Complexidade Aplicados

Aprenda a mapear, modelar e identificar pontos de alavancagem para promover mudanças em organizações.

Próxima turma: 13 de março

Curso PESCA

Pensamento Sistêmico e Complexidade Aplicado em Organizações

Aprenda a mapear, modelar e identificar pontos de alavancagem para promover mudanças em organizações.

Sobre o(a) autor(a): Ravi Resck

Ravi é um hacktivista social, atuando também como facilitador, designer organizacional e mapeador de sistemas sociais. Se dedica ao estudo de metodologias colaborativas e à complexidade dentro dos contextos organizacional, relacional e ambiental. Sua experiência se estende de empresas de todos os portes até cooperativas e associações do 3° setor, tanto no Brasil como em cenário global. Ademais, Ravi tem um histórico de envolvimento com Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs), no mapeamento de redes sociais em organizações de grande escala e na criação e manutenção de comunidades de prática dentro e fora de empresas.

3 Comments

  1. […] Leia mais sobre isso no nosso artigo sobre Tricô Social. […]

  2. Rodrigo Azeredo 2 de julho de 2021 às 17:08 - Responder

    Incrível artigo, Ravi! Me fez pensar em quanta potência não realizada há nas organizações em que prevalecem as cadeias de comando e controle. Vou ter atenção pra colocar em prática esses fechamentos de triângulos, é algo simples e pode começar a ser feito de imediato.

  3. […] Se você quiser aprender mais sobre redes sociais leia este e este artigo. […]

Deixar um comentário