Olá leitor. Você que já tem estrada no mundo organizacional já deve ter ouvido todas essas:
- “É importante alinharmos quais serão os próximos passos do projeto”.
- “Gostaria de alinhar se o que estou imaginando é um bom caminho”.
- “Vamos alinhar o nosso entendimento dos desafios que estamos enfrentando”.
- “Então quer dizer que posso seguir em frente com o projeto. Estamos alinhados né?”
Essas frases, por mais corriqueiras que sejam, geram uma grande charada na interação entre pessoas no ambiente organizacional. Agora me diga: olhando para elas, qual desses sentidos a palavra alinhar tem? Obrigado Marco Barón por ter identificado estas 4 possibilidades.
- Alinhar = comunicar algo para alguém ou ser comunicado (ter visibilidade);
- Alinhar = consultar se o que estou pensando parece ser um bom caminho ou não na perspectiva dos outros;
- Alinhar = explorar possibilidades de forma aprofundada ou planejar ações de forma coordenada;
- Alinhar = validar ou aprovar com alguém que tem autoridade se posso ou não fazer algo.
E aí, qual alternativa você escolheu? A certa? A resposta correta é…
Não sei. Na verdade não temos como saber sem perguntar para o sujeito que usa esse verbo que significa tanta coisa. Ou seja, vamos ter que explorar na conversa para compreender se para ele alinhar significa comunicar, consultar, explorar, validar, ou alguma outra coisa que não está na listinha acima.
O problema é que sem uma boa facilitação na reunião ou na conversa esse significado muito provavelmente ficará oculto. Isso é um problema porque talvez duas pessoas terão diferentes entendimentos sobre o que o dito alinhar significa. Uma está querendo validar/aprovar (deliberação) uma coisa e outra está querendo explorar (discussão ou diálogo). Já falamos num episódio da série “Conversas” que misturar diferentes tipos de conversa dá ruim. Na facilitação é essencial compreendermos o que uma pessoa precisa para oferecer para ela caminhos e possibilidades de conversa que atendam sua necessidade.
Também observamos uma proliferação das reuniões de alinhamento e do uso desse termo no ambiente corporativo. E isso é um problema muito mais grave do que uma simples confusão em uma conversa.
A moda do alinhamento
Quando começou eu não sei, mas percebi um uso bastante extensivo desse termo especialmente nas startups, empresas de tecnologia e ONGs – tipos de organização em que mais trabalho. Coincidência ou não, tivemos uma explosão do famoso “modelo Spotify” nos últimos anos também nesse mesmo meio. Um dos elementos presentes no vídeo publicado pelo Henrik Kniberg em 2014 faz menção ao termo alinhamento:
Segundo ele, autonomia e alinhamento devem andar juntos para termos uma organização efetiva. Quando temos muita autonomia e pouco alinhamento, as pessoas podem exercer sua criatividade e trabalharem nas coisas que acham mais importantes, mas nada garante que teremos esforços coordenados. Já quando temos alto alinhamento e pouca autonomia, os esforços até estão organizados, mas as pessoas estão insatisfeitas porque estão simplesmente agindo conforme são instruídas. O modelo Spotify se propõe a equilibrar essas duas variáveis através da sua estrutura de chapters, guilds, squads e tribes.
Mas como acontece com boa parte das tecnologias sociais que almejam a excelência, a comoditização deste conceito tornou ele opaco (leia mais aqui sobre o mito da excelência comoditizada).
Pela perspectiva das lideranças, os alinhamento são tentativas de melhor coordenar e organizar o fluxo de trabalho. Pela perspectiva dos subordinados pode soar como uma ordem disfarçada. Nesse casos o bom e velho alinhamento se tornou apenas uma forma mais suave de fazer menção à estrutura de comando da organização. O “precisamos estar alinhados” na verdade significa “você precisa fazer exatamente como eu mandar”.
Como fugir dos alinhamentos?
Enquanto liderança, tente substituir o termo “alinhar” pelos verbos mais específicos listados acima: comunicar, consultar, explorar ou validar. Quando você quer instruir uma pessoa fazer algo conforme você determina, diga isso explicitamente. Afinal você tem essa autoridade enquanto gestor ou diretor. Quando você declara isso explicitamente você dá mais chances da outra pessoa fazer uma escolha.
Para quando o outro usar o alinhar com você, o bom e velho ato de revelar o que está oculto que usamos na facilitação pode ser de grande ajuda. Quando alguém pedir para alinhar algo com você, gentilmente e curiosamente pergunte:
Só para entender, quando você diz alinhar o que está esperando? Você quer que eu te consulte, você quer que eu faça como você especifica, ou alguma outra coisa?
Para que isso funcione, é importante que você esteja tranquilo em relação ao seu interlocutor. Se sinto raiva da pessoa por achar que está tentando me manipular ou ocultar a verdade, respiro fundo e tento lembrar que ela está fazendo o melhor que pode. Provavelmente nem ela está considerando que o significado desta palavra é tão ambíguo.
Talvez o seu interlocutor responda algo como: Imagina, eu quero que a gente construa junto e colaborativamente! Aí você pode responder:
Ótimo! Que bom que está querendo fazer o trabalho de forma colaborativa! Mas e se eu quiser seguir pelo caminho A e você pelo B, como vamos resolver isso?
Dessa ele/ela não escapa. 🤭
Mas te alerto: questionar essa pessoa que quer alinhar com você pode ser bem desconfortável, especialmente se ela tem autoridade sobre você. Dá um frio na barriga para mim também, mesmo fazendo isso consultor externo nas organizações que atuo. Esse é o preço que se paga por questionar os autoritarismos. Não posso te aliviar disso, só posso dizer que estou junto nessa com você. É isso ou aceitar o status quo e viver em culturas pseudocolaborativas e tóxicas.
Vale aqui um alerta final sobre isso: não condene o outro por usar essa palavra. Não podemos deixar o alinhar entrar na “lista de palavras proibidas” e repreender quem usa o termo. Isso seria tão autoritário quanto manipular as pessoas utilizando o alinhar. Ao invés disso, trate o outro com gentileza e sugira outra palavra. Não podemos controlar o que o outro diz, mas podemos afinar nossa escuta. Sempre que precisar e não entender um termo, pergunte.
Espero que este texto tenha te inspirado a nos ajudar na nossa missão de emancipar as pessoas e as organizações. Comenta aí as suas experiências com alinhamentos.
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