“Foi um problema de comunicação”.

Esta é provavelmente a frase que mais ouço quando estou analisando os problemas de design e estrutura dentro de uma organização.

Não é à toa. Podemos dizer que grande parte dos problemas – senão todos – nos contextos corporativos estão ligados às trocas de mensagens entre os indivíduos. Excesso, falta de comunicação, trocas entre as pessoas erradas ou nos contextos errados, ou até comunicação acontecendo, mas de forma inapropriada.

A importância do tema pode levar você a se questionar sobre a influência e relação com o design organizacional. As estruturas de comunicação – canais e formas como ela acontece – influenciam o design de uma organização? Ou será que podemos determinar a comunicação através do design? Comunicação, quanto mais melhor, ou precisamos restringi-la? Neste texto vamos explorar estas perguntas.

Informação, quanto mais melhor? Ou não?

O nascimento das abordagens ágeis e uma busca incessante por colaboração fez com que muitas organizações adotassem a transparência como um objetivo. Na comunidade ágil falamos bastante sobre os “radiadores de informação”, que são instrumentos para dar visibilidade ao trabalho de um time.

Product Backlog

O famoso Product Backlog (uma forma de visualizar as demandas de um time) é muitas vezes exibido em um quadro de post-its, como na figura acima

Transparência é tão importante para os times ágeis que está expresso como um dos 3 pilares do Scrum, junto com inspeção e adaptação.

Junto com os radiadores de informação, também observamos uma proliferação da quantidade de reuniões nas organizações nos últimos anos. Podemos dizer que vivemos uma epidemia delas [1]. Os rituais ágeis, como a reunião diária, planejamento e retrospectiva são novas tentativas, que quando bem utilizadas, auxiliam muito na colaboração e no fluxo de informação dentro e através de times.

Para melhorar, os escritórios abertos, que prometem uma interação mais fluida e descolada entre os times, na realidade reduzem as interações face a face e aumentam a comunicação eletrônica [2].

Quando se trata de informação excessiva, podemos sofrer um tipo de estresse denominado sobrecarga cognitiva. Somos capazes apenas de lidar com um volume finito de informação e quando passamos desse limiar 1) ficamos estressados e 2) nosso cérebro toma atalhos para processar o que percebemos (vieses cognitivos) [3].

Comunicação empurrada e puxada

Muitas organizações, na esperança de tornar tudo mais colaborativo e transparente, vivem uma cultura de comunicação empurrada, onde disparam tudo para todos o tempo todo, inundando todos de informação. São e-mails com inúmeras pessoas copiadas, comitês para decidir qualquer coisa e reuniões para lotar a sua semana.

Em muitos casos que me deparo, na realidade a comunicação é apenas um sintoma de outras tensões mais profundas. Entre as mais comuns, destacaria:

  • Acordos ambíguos e confusos. Não sei de quem é a responsabilidade, então na dúvida peço para muitas pessoas uma mesma coisa, ou copio todos, ou envolvo todos na decisão, ou convoco uma reunião.
  • Baixa confiança. Se desconfio na capacidade ou intenção de uma pessoa ou grupo de entregar algo, é natural que eu precise estar o tempo todo conferindo, aprovando ou pedindo prazos. Como consequência temos um aumento na quantidade de interações.
  • Busca por segurança. Quando nos sentimos inseguros ou desamparados, nossa necessidade de aceitação e pertencimento tende a aparecer. É aí que queremos mostrar o nosso trabalho para os outros e obter alguma apreciação. É comum em culturas onde há punições pelo erro e busca de culpados.

Portanto, ao incentivar a comunicação e a transparência, precisamos estar atentos ao problema que estamos tentando resolver. Podemos criar dois tipos de cultura: uma onde a informação é “empurrada” nas pessoas (jogamos tudo na cara de todos na esperança de que farão o que esperamos) ou uma onde a informação é puxada por quem precisa dela [4].

Comunicação influencia o design organizacional?

Até agora já deve estar claro para você de que há uma relação íntima entre esses dois temas. A questão é, como eles se afetam?

Em 1968 um pesquisador chamado Mel Conway publicou um artigo [5] que explorava a relação entre estrutura organizacional e o design resultante do sistema computacional produzido pela mesma organização. De todas as grandes descobertas da pesquisa, a frase que ficou conhecida como Lei de Conway se destacou:

“Organizações que desenham sistemas estão fadadas a produzir desenhos que constituem cópias da sua própria estrutura de comunicação.”

No artigo Conway desenvolveu que para produzir determinados designs, indivíduos dentro da organização talvez tenham que percorrer caminhos de comunicação que não existem.

Vou trazer o exemplo clássico aqui utilizado no movimento ágil para justificar times multidisciplinares. Imaginem que temos um produto que é produzido por 3 departamentos diferentes: especificação, desenvolvimento e testes. No primeiro todas necessidades do cliente são levantadas para então criar-se um projeto que faça sentido. No segundo departamento o projeto se transforma em um produto que é desenvolvido. O terceiro departamento fica responsável por elaborar testes de qualidade e validar se o produto atende os requisitos especificados inicialmente.

Neste exemplo temos 3 áreas distintas, que provavelmente possuem suas próprias rotinas, rituais, incentivos e metas. É possível que cada time esteja até agrupado fisicamente em salas separadas (ou até prédios, quem sabe?) se estivermos falando de um escritório convencional. Neste tipo de estrutura de comunicação, fica evidente que o que será favorecido serão as trocas dentro do mesmo departamento.

Se seguirmos a Lei de Conway, este tipo de estrutura está fadado a produzir um produto que apresente um desacoplamento entre especificação, desenvolvimento e testes. Como os caminhos de comunicação entre esses departamentos são mais escassos quando comparados aos dentro de um mesmo departamento, é provável que o produto possua uma cisão entre o que o cliente pediu e o que foi feito (especificação-desenvolvimento) e também muitos defeitos (desenvolvimento-testes). O ponto positivo aqui é que por ter boa comunicação intra departamento, esta estrutura tende a apresentar uma alta padronização e qualidade de práticas entre os indivíduos que estão na mesma função, embora isso não seja suficiente para que o produto final seja satisfatório.

Conway entendeu que qualquer estrutura organizacional (divisão do trabalho e responsabilidades) que criarmos fortalecerá determinados caminhos de comunicação e dificulta outros. Isto precisa ser um exercício consciente e não acidental se quisermos ter uma organização saudável.

Manobra reversa de Conway

Mais tarde, James Lewis, diretor técnico na ThoughtWorks, concebeu a “manobra reversa de Conway” [6], que é nada mais do que aplicar a Lei de Conway para influenciar a arquitetura ou design de um sistema.

Nesta abordagem, fazemos um exercício consciente de escolha de um design organizacional que irá inevitavelmente produzir um produto/serviço com o design que queremos. Em outras palavras, influenciamos o produto ou serviço final da organização a partir do seu design organizacional.

Dentro de organizações que produzem produtos digitais, a manobra reversa vem sendo aplicado para criar uma estrutura de times autônomos e pouco acoplados com o restante da organização e que permite um fluxo de valor constante e com poucas “travas”. Tradicionalmente os times de tecnologia adotavam uma arquitetura de sistemas “monolítica”, mas com a ajuda da manobra reversa, tem migrado para uma estrutura de microsserviços. Para saber mais sobre esse assunto, leia Team Topologies de Matthew Skelton e Manuel Pais.

Como melhorar a comunicação nas organizações

Primeiro de tudo, é preciso entender melhor que tensão estamos tentando resolver por trás do problema “comunicação”. Como vimos, muitas vezes isso pode ser apenas um sintoma de dores mais profundas. Vamos imaginar alguns cenários comuns e possíveis relacionados à comunicação, mas que podem levar você a caminhos completamente diferentes:

Ninguém se ouve: Um grupo tem constantes conflitos e o nível de tensão emocional está alto. As pessoas reclamam que ninguém se escuta e falta compreensão. Neste caso, trabalhar com CNV, escuta empática e diálogo pode ser um bom caminho.

Cada time por si: Dois times diferentes, mas que tem uma necessidade de trocar entre si reclamam de vários problemas de “falta de comunicação” em que erros chegam até o cliente final. Neste caso, talvez criar algum tipo de ritual regular com representantes de cada grupo para estabelecer acordos de trabalho e revisar os projetos constantemente pode ser uma boa.

Bolo fatiado na horizontal: Times diferentes especializados em determinadas funções não conseguem entregar um produto com qualidade ao cliente final. Neste caso, a manobra reversa de Conway pode ser um bom caminho. Basta formar um time multidisciplinar para dar conta e entregar um cupcake ao invés de uma fatia horizontal. Leia este texto para entender essa metáfora.

Viu só? Cada tensão exige um caminho completamente diferente. Como agentes de mudanças, o nosso papel passa por entender o problema minuciosamente antes de propor uma intervenção baseada em abstrações como “falta de comunicação”.

Espero que a partir desse texto você tenha entendido melhor a relação entre os temas comunicação e design organizacional. Também estou ansioso para ler sua experiência e opiniões sobre esse tema. Que tal comentar abaixo?

Referências

[1] Stop the Meeting Madness – Leslie A. Perlow , Constance Noonan Hadley e Eunice Eun (2017)

[2] The impact of the ‘open’ workspace on human collaboration – Ethan S. Bernstein e Stephen Turban (2018)

[3] The Cognitive Bias Codex: A Visual Of 180+ Cognitive Biases – Terry Heick (2019)

[4] You Are Not a Router. You Are Human. – Sam Spurlin (2016)

[5] How do committees invent? – Mel Conway (1968)

[6] Team Topologies: Organizing Business and Technology Teams for Fast Flow – Matthew Skelton e Manuel Pais (2019)