Os indivíduos são impelidos a se comportarem de acordo com o sistema em que estão inseridos. As pessoas que trabalham em um ambiente hierárquico não escapam disso. A cadeia de comando, que é o sistema de autoridade em vigor na maior parte das empresas, gera alguns comportamentos interessantes. Hoje exploraremos esses efeitos colaterais para entender a importância do modo sincronizar na O2.

A cadeia de comando determina que o poder reside nas posições do topo de uma empresa. Em geral, donos e acionistas ocupam os cargos da presidência, que delegam um pouco dessa autoridade aos diretores, gestores, superintendentes e assim por diante. A premissa básica é: você não tem a autoridade para fazer algo, sem que antes alguém superior te dê poder. O poder precisa ser empurrado do topo para a base.

É por isso que vemos tantas iniciativas de “empoderamento” por aí. As organizações tradicionais já perceberam que para serem mais responsivas, o poder precisa ser mais distribuído. Senão a lerdeza toma conta e nada acontece.

Obviamente, os indivíduos da base da pirâmide já trabalham com a perspectiva de “falta de poder” na cabeça, geralmente esperando que a ação ou o comando venha de cima. Um fenômeno de “terceirização de responsabilidade” é muito comum nesse contexto. Quando algo dá errado, você culpa o chefe, o time, a empresa ou outro departamento. Afinal, você não tem o poder para realizar uma mudança. Observe, no entanto, que não existe vítima aqui. Todos acreditam nesse sistema e contribuem para que ele se perpetue.

A O2 busca combater esse contexto reativo, de vitimização e terceirização de responsabilidades.

Causas da reatividade organizacional

Muitas coisas contribuem para que as pessoas se comportem de determinada forma na cadeia de comando. Cito algumas:

Não está claro quem tem responsabilidade e autoridade. Se não existem papéis claros, explícitos e descritos, fica difícil saber quem faz o que. Sem essa clareza, todo pedido parece um favor.

Marcos: João, você consegue analisar o relatório de acessos para mim?
João: Acho que isso não é minha responsabilidade.
Marcos: E quem faz isso hoje aqui na empresa?
João: Eu “acho” que seria você…

????

Poucos caminhos para resolver problemas. Se você tem um problema, faz o pedido para uma pessoa, mas não consegue ter uma resposta, o que você faz? Em geral, o único canal que você pode escalar o problema é para o chefe. Mas todos sabemos que os cargos de liderança estão sempre atolados de pendências e não conseguem atender a todos os pedidos. Nesse caso, a falta de autonomia impede você de dar o próximo passo e você fica travado.

Sem formas efetivas de acompanhar resoluções. Você faz o pedido para o João, mas não tem visibilidade do andamento e precisa ficar perguntando o tempo todo para ele o que está acontecendo. Além disso, você não sabe quais são os outros projetos que o João está fazendo, nem os critérios de priorização que ele usa. Daí fica difícil mesmo.

Autoridade de decisão concentrada em poucos. Ok, você passou por tudo isso e decidiu agir para mudar algo. Talvez você mesmo vai pegar o projeto e fazer, por mais que você não seja a pessoa mais adequada. O que acontece? Você toma a iniciativa, mas logo é retaliado por alguém. O Carlos diz que você está passando dos limites e fazendo um trabalho que na verdade é dele. ????

O modo sincronizar

Em combinação com uma estrutura organizacional cristalina e com uma rotina de revisão do trabalho, o modo sincronizar se torna especialmente poderoso. Como falamos no post anterior, a partir da revisão, os participantes sentem diversas “tensões criativas”. Sejam elas oportunidades de melhoria ou problemas percebidos, essas tensões fazem o círculo se movimentar em direção ao seu propósito.

O primeiro momento do sincronizar consiste em elaborar uma lista de tensões a serem tratadas. O facilitador pergunta aos participantes: Você tem alguma tensão para acrescentar à lista? Se sim, diga duas palavras para nomeá-la. Os participantes então dizem as suas tensões e o secretário registra uma lista como essa:

  • Carlos: Problema CRM
  • Diego: Notificação
  • Janaína: Férias
  • Carlos: Migração dados

Depois de elaborada a lista, o facilitador percorre cada tensão, perguntando ao participante: O que você precisa? O participante então aciona outras pessoas conforme necessário, normalmente nos papéis que elas representam no círculo. Então o secretário registra quaisquer ações ou projetos que as pessoas aceitaram para resolver a tensão.

O objetivo do modo sincronizar é processar as tensões rapidamente, geralmente em novos projetos, ações, pedidos e compartilhamento de informação. Isso pode ser feito a qualquer momento, inclusive fora das reuniões do círculo. O modo sincronizar é apenas um momento conveniente para tratar muitas tensões, já que todos estão reunidos.

Como o sincronizar reduz a reatividade organizacional

Algumas características desse modo são muito efetivas para combater a reatividade. São elas:

Objetividade. O modo é extremamente objetivo. O facilitador já começa perguntando o que a pessoa que está sentindo a tensão precisa. A responsabilidade é colocada no indivíduo que traz a problemática e não em terceiros. Obviamente os demais participantes podem ajudar. Mas o centro é sempre a pessoa que sentiu a tensão.

Adeus terceirização. Como o enfoque está no participante que sente o problema, fica difícil terceirizar a responsabilidade para o grupo. Por exemplo, se a pessoa dissesse “O que vamos fazer a respeito disso?”, provavelmente o facilitador rapidamente interromperia e perguntaria “quem tem a autoridade para decidir isso?“. O secretário então consultoria a estrutura do círculo e poderia chegar a conclusão de que não existe ninguém responsável ou nenhuma restrição a respeito. Então o facilitador voltaria para o participante e diria: “Não existe ninguém responsável por isso. Você tem autoridade para tomar essa decisão ou propor um novo papel para isso. O que você precisa?”.

Esse processo é extremamente desconfortável no início. Até as pessoas mais pró-ativas percebem que em muitos momentos elas terceirizam ou se isentam da responsabilidade. Mas conforme esse músculo vai sendo exercitado, os ganhos de agilidade são tremendos.

Registrando as saídas. A divisão entre facilitador e secretário permite que o primeiro se concentre no fluxo da reunião, enquanto que o segundo registra as saídas. Qualquer ação ou projeto aceito será registrado como uma “saída” ou “resultado” da reunião. No caso dos projetos, eles poderão ser acompanhados no modo revisar na próxima reunião de círculo.

Linguagem clara para as saídas possíveis. A O2 possui um vocabulário específico para qualquer decisão tomada nas reuniões. Por exemplo, as saídas do modo sincronizar são geralmente projetos ou ações. Esses termos possuem definições claras e práticas, o que torna o processo muito mais estruturado.

O que o modo sincronizar não faz

O modo sincronizar é incrível, mas existem algumas coisas que fogem do seu propósito.

Todos os pedidos, sejam eles ações ou projetos, são feitos a partir da estrutura atual de círculo. No entanto, em alguns casos é necessário mudar a estrutura atual. Por exemplo, propor um papel novo. Isso não é feito no modo sincronizar, mas no adaptar. Falaremos mais sobre isso em um próximo texto. ;)

Coisas relacionadas ao espaço tribal também não tem muito espaço aqui. Por exemplo, se algum participante trouxer um desconforto, afirmando que ele gostaria de ser mais respeitado, isso não seria tratado no modo sincronizar. Uma tensão como essas é válida, mas ela não pertence aos papéis (espaço organizacional) e sim às pessoas (espaço tribal). A O2 busca separar esses dois espaços, para que um não polua o outro. Ainda assim, existe um modo específico para tratar questões tribais, chamado cuidar. Logo falaremos dele também!

E aí, gostou do post? Deixe um comentário ou dúvida abaixo. No próximo texto da série falaremos sobre o modo adaptar.

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Sobre o(a) autor(a): Davi Gabriel Zimmer da Silva

Davi é designer organizacional e facilitador na Target Teal, especializado em melhorar interações entre times e indivíduos no ambiente corporativo. É pioneiro na prática de Holacracia no Brasil e co-autor da Organização Orgânica, uma abordagem brasileira para autogestão. Davi é formado em Sistemas de Informação pela UNISINOS e pós-graduado em Psicologia Positiva pela PUCRS. É amante dos temas desenvolvimento humano e de organizações, produtividade, futuro do trabalho e cultura organizacional.

3 Comments

  1. Rodrigo Scarano 25 de novembro de 2017 às 09:27 - Responder

    Davi, tudo bem?
    No Workshop lembro que vc usou uma planilha para registrar as tensões, projetos e outros nos modos. Não me recordo se foi indicada alguma ferramenta mais eficaz para isso, existe alguma indicada?

    Obrigado, Rodrigo.

  2. dejailson 7 de fevereiro de 2022 às 15:51 - Responder

    Interessante

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