Em uma conversa recente com uma colega que também ajuda organizações a adotarem autogestão, ela descreveu um antipadrão que ela chamou de “terceirização de responsabilidade”. Passaram algumas semanas e depois de ter identificado o mesmo fenômeno em alguns clientes, pensei um pouco e resolvi chamar com um nome menos negativo.

Estou falando do antipadrão “tudo é de todos”.

Se você tem dúvidas sobre o que é um antipadrão, leia aqui um texto sobre.

Contexto

Esse antipadrão surge em organizações que possuem intenções louváveis, como criar uma gestão mais colaborativa, menos autocrática, melhorar o ambiente organizacional e fortalecer o senso de time.

Forma Geral

O “tudo é de todos” nada mais é que um conjunto de premissas ou pressupostos básicos da cultura de um time ou organização. Esse conjunto pode ser expresso com as seguintes expressões:

  1. Uma tensão só existe ou é válida se todos no grupo sentirem ela.
  2. Uma tensão só pode ser resolvida se todos se responsabilizarem pela resolução da tensão.
  3. Todos precisam saber de tudo o que está acontecendo e ter espaço para opinar em todas as decisões.

Muitas vezes, esses pressupostos são implícitos e até inconscientes. Todos acreditam, ou uns acreditam mais que outros.

Sinais visíveis desse antipadrão podem vir na forma de falas:

– Essa tensão não é minha, é de todos.

A gente tem que fazer bla bla bla… Leia esse texto que destrincha essa ideia.

– Todos fazem tudo aqui, é assim que funciona. Colaboramos intensamente (sic).

– Se não tivermos todos “alinhados” com tudo, iremos para caminhos diferentes e isso só pode dar errado.

Sintomas e consequências

Um dos primeiros efeitos que pode surgir é a lentidão em resolver problemas e tensões. O grupo só consegue se mover para frente como um bloco. Unido e fechado. Essa solidez que conforta, enrijece, trava o sistema. Medidas simples que podem aliviar tensões, deixam de ser tomadas. Experimentos não são feitos.

Outro efeito possível é a frustração que pode tomar conta de algumas pessoas. O descrédito em processos decisórios e colaborativos, pois levam muito tempo ou são feitos sem o devido cuidado, pois não deu tempo de chegar no consenso tão desejado. Ocorre uma desmotivação dos mais ativos que querem “tocar para frente” ou irritação dos mais precavidos que querem estudar tudo à fundo antes de dar um passo.

O terceiro efeito é a desresponsabilização. Talvez o mais pernicioso. Eu posso trazer e falar de um monte de problemas, mas sei que como o grupo precisa assumir tudo, não está nas minhas costas ter que dar algum passo ou carregar algum piano. Em inglês tem um termo chamado de “social loafing” que reflete um pouco isso.  

Por isso é um antipadrão, ele gera mais problemas ou problemas piores do que os problemas que ele tenta resolver.

Quando estamos em processo de adoção de práticas de autogestão, esse antipadrão se torna mais crítico, porque os problemas que ele tenta resolver já não tem a mesma relevância ou força.

Causas típicas

Esse antipadrão é muito comum pois ele realmente tenta resolver problemas sérios em várias organizações.

O primeiro é proteger as pessoas de ataques. De dedos que apontam culpados. Por isso precisamos de um time forte, que mova-se como um bloco, que todos façam tudo com o máximo de união. Essa necessidade quando estamos migrando para a autogestão, começa a diminuir, pois trabalhamos para que o ambiente seja menos nocivo, menos acusatório.

O segundo é fugir da gestão tradicional. Aquela que o chefe manda e todos obedecem. E o que sabemos colocar no lugar é a máxima o “grupo decide tudo e se responsabiliza por tudo.” Veja, não estou dizendo que o grupo não pode tomar decisões em conjunto, estou só apontando o fenômeno onde acredita-se que tudo deve ser de todos.

Existe um desejo de que as coisas sigam a lógica do “só é válido se for de todos”. Mas esse desejo não se concretiza dentro das pessoas. Elas sabem que o que elas sentem é diferente do que o outro sente. Só que existe um medo. De que se ela externalizar suas tensões como sendo algo dela, dará o direito do colega fazer o mesmo, e isso pode dar errado. É mais seguro trabalhar com aquilo que é coletivo.  

E como fica?

Na autogestão buscamos criar estruturas ou acordos que criam as condições para uma distribuição real de autoridade. Para que as pessoas tenham autonomia e a exerçam sem medo, pois sabem que se algo der errado, existirá um espaço para o aprendizado e se necessário um re-acordo.

Acredito que o exercício de reconhecer a tensão do outro como válida, mesmo você não sentindo ela, é uma importante demonstração de empatia e respeito. Sempre reforço a ideia que a tensão está dentro de uma pessoa. Pode ressoar em outras pessoas, mas mesmo quando ressoa, não é mesma coisa. A tensão é do indivíduo que externaliza, pois ele se importa com o propósito que todos estão buscando.

Além disso, confiar que uma ou duas pessoas podem assumir a responsabilidade para dar passos na direção de resolver uma tensão que é sua, é um voto de confiança poderoso. Ou confiar que o outro vai atuar para resolver uma tensão que ele sente, sempre partindo das melhores intenções possíveis.

E por fim, assumir a sua responsabilidade quando lhe é dever, pois está lá nos acordos feitos. Não preciso que o grupo faça tudo junto, podemos trabalhar para um propósito em comum sem precisar acreditar que todos são responsáveis por tudo e que todos devem sentir as mesmas coisas. Não é isso que você quer viver?


Se você reconhece esse antipadrão em sua organização e quer trabalhar para que ele desapareça, vamos conversar.