Como chegamos aqui?
A cadeia de comando é tão onipresente nas organizações que tenho dificuldade em encontrar textos e referências teóricas e práticas de um design organizacional que não faça uso dela. Talvez por isso eu goste de escrever aqui no blog.
A cadeia de comando (como elemento estrutural), o comando e controle (como estratégia de gestão) e a hierarquia de comando (como princípio) são tão antigos que precisamos voltar atrás séculos para encontrar pistas de sua gênese e as razões de sua vida tão longa.
A hierarquia e o surgimento da civilização
Podemos dizer que o surgimento da civilização e da hierarquia de comando é concomitante.
A hierarquia social em agrupamentos humanos tem sua origem em grupos de caçadores e coletores que já possuíam algum tipo de divisão de trabalho por gênero (nem todos eram assim), ou alguma forma incipiente de patriarcado (homens adultos dominam) ou gerontocracia (anciãos dominam).
Com o surgimento em várias partes do mundo da agricultura, deu-se uma mistura explosiva do patriarcado/gerontocracia com o abundância de recursos. Ou seja:
A agricultura e outros avanços tecnológicos permitiram que as hierarquias nascentes se tornassem muito mais complexas, autoritárias e violentas. Pior ainda, as vantagens militares inerentes à agricultura – como maior densidade populacional, resistência a doenças por viver com animais domesticados e ferramentas de metal – permitiram que as hierarquias mais desenvolvidas da civilização se espalhassem por mais territórios com o uso de exércitos conquistadores.
As ideias e elementos da gestão baseada no comando e controle emergem nesse contexto.
A divisão do trabalho e o organograma
Em 1776 Adam Smith defendia a divisão do trabalho como uma maneira de aumentar a produtividade. Em uma visita a uma fábrica de alfinetes ele conjecturou que um trabalhador conseguia sozinho fabricar 20 alfinetes, porém se ele fizer uso da divisão do trabalho, especialização e mecanização esse mesmo trabalhador poderia produzir 4800 alfinetes.
Alfred Chandler descreveu em seu livro “A Mão Visível”, uma hierarquia de comando que foi introduzida em resposta a um acidente de trem nos Estados Unidos em 1841. O objetivo era evitar acidentes, controlando as operações através da definição de responsabilidades, com relatórios e verificações. Esses conceitos foram consagrados em um organograma onde a cadeia de comando era desenhada como uma linha conectando caixinhas (cargos). Hoje quase toda empresa tem algo parecido.
Foi Frederick Taylor na primeira década do século 20 que trouxe um verniz científico à algumas ideias já bem conhecidas. Dizia ele que os métodos eram território exclusivo dos gestores. São os gerentes que devem decidir a melhor maneira de fazer as coisas e o papel dos trabalhadores é garantir que aquilo seja feito.
Menos de 10 anos após as publicações de Taylor, o alemão Max Weber descreveu a burocracia como a forma mais eficiente e racional de organização. Ele acreditava que ela precisa ter 6 elementos essenciais:
- Especialização e divisão do trabalho;
- Estruturas de autoridade hierárquica;
- Regras e regulamentos definindo critérios de desempenho;
- Recrutamento baseado em diretrizes técnicas e de competência;
- Impessoalidade e indiferença;
- Um padrão de comunicação formal definido.
No entanto, Weber também foi pessimista sobre o impacto da burocracia sobre os trabalhadores. Ele podia ver os efeitos desumanizantes da “gaiola de ferro” da burocracia que “consegue eliminar do mundo dos negócios, o amor, o ódio e todos os elementos puramente pessoais, irracionais e emocionais que não são possíveis de cálculo.” Ele estava certo em ser pessimista.
As Histórias de Sucesso
Duas narrativas consolidaram o comando e controle nos métodos de gestão que conhecemos. A primeira foi de Henry Ford, com sua linha de produção que levou a cortar os custos pela metade e dobrar os salários dos empregados. A produção em massa de Ford era um sonho.
Um sonho para acionistas e clientes. Para os trabalhadores era um inferno. Em 1913 a Ford precisou contratar mais de 50 mil pessoas para manter sua fábrica com 14 mil trabalhadores. O trabalho na linha de produção era monótono e desmoralizante. Foi nesse contexto que os sindicatos cresceram e muitos dependiam de um tipo de relação altamente disfuncional e conflituosa.
Na década de 30 Alfred Sloan, um executivo na General Motors, tentava descobrir como ou onde eram as áreas mais lucrativas de sua empresa. Ele propôs a criação de centros de custos e unidades de negócio, além de uma ideia que muitos ainda acham genial, a gestão por objetivos. Sloan considerava desnecessário, ou até prejudicial que diretores soubessem da operação, se os números estão ruins, demite-se o gestor da unidade, se estão bons, promove-se. Sorte, mercado ou qualquer outro fator não entravam em sua análise.
Em resumo, a cadeia de comando emerge para sustentar e potencializar uma hierarquia social, e com a revolução industrial é enaltecida como o principal fator capaz de gerar eficiência e produtividade. Nos dias de hoje, essas razões começam a ser colocadas em cheque, pois identificamos consequências que não podem ser ignoradas.
Consequências do uso da cadeia de comando
A cadeia de comando e todas as estruturas e práticas relacionadas à hierarquia de comando geram consequências à sociedade e as organizações que fazem uso dela.
Algumas das consequências do uso da cadeia de comando são:
Fortalecimento das injustiças
O comando e controle dita que as pessoas devem trabalhar em seus cargos que são desenhados pela gestão e comportar-se de acordo com os requisitos definidos pela “liderança”.
Esse crença de como o trabalho deve ser organizado justifica e mantém grandes disparidades salariais e benesses aos altos executivos. Um CEO de um banco no Brasil chega a ganhar 2000 vezes mais que um atendente do banco. Ao fazer uso da cadeia de comando estamos reforçando uma cultura que acredita que o poder deve ser distribuído de maneira tão desigual e portanto fortalece injustiças.
Diminuição da capacidade
As crenças e práticas que suportam a cadeia de comando geram uma separação entre quem toma decisões e quem realiza o trabalho. E isso limita a capacidade das organizações gerarem valor em setores que envolvem conhecimento ou criatividade.
É incoerente, para não dizer ilógico, um trabalhador do conhecimento ser forçado a fazer algo, quando ele na verdade é pago para tomar boas decisões. Mas é isso que a cadeia de comando permite.
Pegue o caso de um desastre como de Chernobyl, a equipe que operava o reator número 4 teve sua capacidade de evitar um acidente limitada pela cadeia de comando. O engenheiro vice-chefe Anatoly Dyatlov fez uso de sua autoridade quase ilimitada, inclusive com uso de ameaças, para forçar os jovens engenheiros subordinados a tomarem decisões que eles acreditavam e se provaram ser desastrosas.
Diminuição da adaptabilidade
Atualmente a realidade VUCA demanda que as organizações sejam responsivas e se adaptem com rapidez. Dois fenômenos dificultam isso.
O primeiro tem relação com a velocidade nas tomadas de decisão. Com a cadeia de comando, é comum decisões subirem junto com a informações da linha de frente, e lá em cima, os gestores fazem seu julgamento do que fazer. O problema disso é que gera gargalos nos processos decisórios e portanto lentidão.
O segundo tem relação com a manutenção dos benefícios auferidos. A cadeia de comando promove uma competição por cargos com mais autoridade, essa competição pode ser vencida por quem souber agradar seu superior. Quando a pessoa alcança uma posição de destaque e autoridade, ela começa a lutar para mantê-la. Quando a organização encontra uma oportunidade que exige uma guinada ou mudança de curso, esses líderes veem suas posições ameaçadas. Qualquer mudança precisa passar pelo crivo desses gestores que têm medo de perder os benefícios que conquistaram.
Um exemplo emblemático é a própria GM de Alfred Sloan. Uma empresa que passou uma boa parte das décadas de 80, 90 e 2000 em crise e não conseguiu se reinventar. Mesmo quando teve uma oportunidade incrível com a joint venture com a Toyota, e conseguiu com muito esforço dar uma guinada na planta NUMMI, ela não conseguiu aproveitar o que aprendeu e difundir essas práticas para outras unidades. A cadeia de comando mantém as coisas como estão, pois quem está no topo tem medo de perder a posição.
Desumanização e desresponsabilização
Os métodos associados a cadeia de comando compreendem um fabuloso sistema de liquidação de empatias e desresponsabilização moral dos sujeitos. É fácil para um ser humano jogar para seu superior ou uma figura de autoridade a responsabilidade sobre seus atos. É isso que ouvimos no cotidiano das empresas. É esperado que o gestor seja responsável pelos atos dos seus subordinados e as consequência dos mesmos.
Esse arranjo organizacional torna possível situações e eventos abjetos e desumanos como o Holocausto Nazista. Em seu livro Modernidade e Holocausto, Zygmunt Bauman conclui enfaticamente: “Na verdade, a história da organização do Holocausto poderia se tornar um manual de gestão científica”.
Alternativas a cadeia de comando
Se queremos organizar o trabalho sem o uso da cadeia de comando, vale lembrar que a ausência de estruturas e acordos claros sobre o poder não vai impedir que ele se acumule e seja mobilizado por um pequeno grupo. Apenas torna esse processo de concentração de autoridade velado e feito por uma politicagem nas sombras.
Outra saída seria extinguir a possibilidade de alguém tomar qualquer decisão sozinho que tem o potencial de impactar um grupo, porém essa também não é uma boa alternativa, pois incapacita e imobiliza uma empresa ou organização.
A estratégia que propomos e já enxergamos seu uso em várias organizações, segue a seguinte premissa: precisamos de acordos claros e explícitos sobre como a autoridade é distribuída e precisamos de bom métodos para manter esses acordos atualizados. É o que chamamos de A Arte de Fazer Acordos.
Existem algumas práticas que estão emergindo nesse campo. A tecnologia social O2 (Organização Orgânica) agrega e sistematiza algumas delas e se você quiser saber mais sobre, dá uma olhada aqui.
Se você quer dar um chute na cadeia de comando e se rebelar contra o status-quo, a Target Teal está aqui para te ajudar nessa jornada. Vamos conversar?
[…] parte dos livros de administração sobre estrutura organizacional e gestão. Esse pressuposto é a cadeia de comando, ou a pirâmide hierárquica. Basicamente, existe uma “linha de reporte”, onde sempre […]
[…] ao olhos é que antes, na época de Schein e Senge, existia uma premissa inquestionável. A de que a cadeia de comando é um elemento essencial para estruturar o trabalho nas organizações. Nós questionamos esse pressuposto. Mas não fazemos […]
[…] organizacional comumente possui elementos explícitos como organograma, papéis, job descriptions, cadeias de comando, diretorias, processos, políticas, etc. Mas ela possui também aspectos implícitos ou […]
[…] Distribuir a autoridade com estruturas organizacionais que não fazem uso da cadeia de comando […]
Quando você começa o artigo falando das origens da cadeia de comando, me lembrei de leituras sobre CNV a respeito do surgimento da linguagem violenta que usamos hoje. E é a mesma origem: quando começou a agricultura e a pecuária e o homem começou a ter posses, com isso veio polaridades como MEU / SEU , estou certo/ você está errado , culpado/não culpado, etc. A linguagem foi um reflexo de uma necessidade de dominação, de exercer o “poder sobre”, para proteger as posses. E, apesar da abundância que a agricultura traz, o que está por trás disso tudo é uma crença de escassez gigante: “tenho que garantir o meu, porque não tem pra todos, mesmo que pra isso você fique sem”.
Também acho que o surgimento de meios sofisticados de produção agrícola podem ter promovido crenças como você trouxe. Quando a quantidade é tal de posses que precisamos inventar algo como propriedade privada, aí damos mais um passo para ordens sociais estratificadas. Mas pode ser que a abundância ultrapasse um ponto de inflexão que gere um efeito oposto. O futuro dirá…
A passagem dos grupos de caçadores e coletores para modelos de produção agrícola foi bastante diversa mundo à fora e, assim, gerando diferentes complexidades nas formas de organização social e de liderança. Em geral, as análises simplificadas pouco nos permitem compreender de tal universo.
Embora, também considerando as suas particularidades étnicas e temporais, as análises a respeito da emersão do conceito de indivíduo, no contexto das comunidades (sempre de caráter familiar), é que apontam para uma percepção de liderança articulada a ideia de poder. Ao que parece, a ideia de Ego se relaciona mais a noção de poder do que a ideia de líder.
Os grupos sociais organizados a partir de comunidades de parentes tendem a associar chefia/liderança ao exemplo, à temperança, à reciprocidade e outros elementos ligado à ideia de equilíbrio. Nas populações tradicionais um líder não se fazia pelo poder, mas pela habilidade de ser respeitado enquanto tal.
[…] e sem sentido especialmente seguido de uma troca de diretores e gestores. Em uma estrutura com a cadeia de comando, a troca de quem está em uma posição de autoridade abre espaço para grandes mudanças. Nesses […]
[…] No fim, aquilo é considerado como “core” neste caso, inclui 22 competências de liderança, 18 competências de gerenciamento, 45 competências de negócios e 33 competências individuais, para um total de 118. E para cada uma das competências existem 4 níveis de experiência possível, dependendo do nível hierárquico do cargo. […]
[…] um outro círculo cujo propósito é relacionado. Isso é diferente do que geralmente acontece nas organizações tradicionais hierárquicas, onde as conexões são formadas a partir linhas de comando mais do que em busca de coesão. Em […]