Aqui no blog já abordamos algumas formas de organizar as ações que a pessoa facilitadora realiza durante o processo de facilitação. Uma dessas tentativas foi a árvore da facilitação, uma sistematização que criamos há algum tempo e que tem como principais fazeres dessa arte o ato de observar, perguntar, revelar, propor e deixar. Nós da Target Teal adoramos sistematizar conceitos e, por isso, frequentemente redesenhamos ou atualizamos nossos modelos para que eles reflitam nossas ideias mais recentes.

Hoje, vou compartilhar com vocês uma nova sistematização que estamos chamando de  habilidades da pessoa facilitadora. Essa sistematização envolve oito ações que a pessoa facilitadora pode fazer para ajudar um grupo a perceber e responder melhor ao que acontece em uma conversa. Se você ainda não conhece a nossa perspectiva sobre o tema e quer uma introdução mais aprofundada sobre facilitação, recomendo a leitura do texto Facilitação e os 2 problemas fundamentais de grupos.

Vale ressaltar que essa é uma lista imperfeita, não finita e incompleta, ou seja, não acreditamos que essa seja a verdade última sobre facilitação. Encorajamos você a criar sua própria lista de habilidades, usando essa como ponto de partida ou não.

Habilidade 1: Perceber

A primeira habilidade da pessoa facilitadora é o perceber. Na facilitação, o perceber envolve estar atento à forma da conversa mais do que ao seu conteúdo. Isso significa escutar e observar atentamente a sequência de eventos que se desenrola no diálogo, inclusive aquilo que não é inicialmente óbvio e visível.

Enquanto estamos percebendo, costumamos prestar atenção nos sentimentos das pessoas, tanto os expressos quanto os implícitos as necessidades que elas têm, os atos de fala (ou seja, o efeito que cada frase ou coisa dita tem nas pessoas naquele grupo), as relações de poder e outros tipos de vínculo entre as pessoas, as intenções e também os tipos de interação. Quando falamos da forma da conversa, estamos nos referindo a esses elementos mais subliminares e menos visíveis que afetam a maneira como as pessoas interagem.

Por exemplo, enquanto um grupo de diretores está discutindo e tomando decisões relacionadas ao orçamento, o conteúdo da conversa gira em torno de qual valor será alocado em cada área e quais são as metas de venda da organização. Mas para além do conteúdo, existe uma forma que sustenta essa conversa, relacionada às dinâmicas entre as pessoas, como relações de poder, necessidades, intenções e a própria estrutura da reunião, como a existência ou não de uma ordem de fala ou processo para tomada de decisão. Esses últimos elementos são geralmente objetos de atenção da pessoa facilitadora.

Na antiga árvore de facilitação, o observar deu lugar ao perceber. Isso porque o perceber é mais do que simplesmente ver as coisas; ele inclui também os elementos implícitos da conversa, que não são visíveis, e o que escutamos. Essa é a primeira habilidade de facilitação na nossa lista e talvez uma das mais importantes, pois é daqui que tudo parte. Conforme incrementamos nosso repertório de facilitação, conhecendo novos modelos e formas de enxergar o mundo, nosso perceber também cresce.

Habilidade 2: Parafrasear

A segunda habilidade da nossa lista é o parafrasear, que consiste em devolver ao grupo o que escutamos da forma mais fiel possível. Quando parafraseamos alguém, além de aumentar a compreensão, conseguimos nos conectar profundamente com aquela pessoa. A paráfrase também é chamada de espelho ou pergunta de verificação, pois é comum terminarmos com uma interrogação, compartilhando o que entendemos da fala da pessoa e perguntando se é isso mesmo, com o objetivo de encorajá-la a complementar o que parafraseamos ou validar nosso entendimento.

A paráfrase é uma intervenção simples, mas extremamente poderosa, pois lida com um fenômeno bastante disfuncional nas organizações: o excesso de pessoas falando e a falta de pessoas escutando. A paráfrase é um esforço de escuta que gera uma sensação de alívio na outra pessoa, criando conexão e atendendo à necessidade de ser ouvido e compreendido.

Colocamos a paráfrase como a segunda habilidade da lista, porque se fosse para indicar apenas uma intervenção de facilitação, seria a paráfrase. No entanto, é mais fácil falar sobre a paráfrase do que realmente fazê-la. Quando tentamos pela primeira vez, podemos nos sentir um pouco estranhos, como se faltassem palavras, mas com o tempo vamos pegando o jeito e isso se torna cada vez mais natural.

Habilidade 3: Explorar

A terceira habilidade é o explorar. Nós exploramos quando fazemos perguntas abertas e curiosas sobre uma pessoa ou situação, suspendendo temporariamente nossos julgamentos. Perguntas como “O que você pensa sobre isso?”, “Como você está se sentindo agora?” ou “O que você espera de nós neste momento?” são exemplos de perguntas de exploração. Claro que depende do contexto e do que acontece, mas de forma geral, podemos dizer que essas perguntas parecem vir de um lugar de curiosidade.

Em uma reunião, eu posso observar que todas as pessoas estão compartilhando frustrações sobre a questão trazida por uma participante chamada Rosana. Nesse caso, eu posso perguntar a ela: “Rosana, o que você gostaria que fosse feito agora que as pessoas já dividiram essas preocupações com você?”. Essa é uma pergunta de exploração sobre a expectativa dela, buscando conhecer algo novo e encontrar um caminho para o grupo naquele instante.

O explorar entra em contraste com algo muito frequente e disfuncional nas organizações: as perguntas retóricas. Essas são perguntas que as pessoas fazem quando querem afirmar um ponto sobre o qual já têm certeza, como “Você não acha que seria melhor fazer dessa forma?”. O explorar é o oposto extremo disso.

Na facilitação, o explorar é uma das primeiras coisas que aprendemos a fazer: boas perguntas. Através da exploração, a pessoa facilitadora busca compreender melhor a situação, as perspectivas e as necessidades das pessoas envolvidas, criando um ambiente propício para o diálogo.

Habilidade 4: Propor

A quarta habilidade da nossa lista é o propor, que acontece quando convidamos o grupo a se movimentar, mudar seu padrão de interação, estabelecer acordos ou realizar alguma ação imediatamente. É a manifestação mais concreta da facilitação, embora, infelizmente, para algumas pessoas a facilitação se resuma a isso.

Por exemplo, quando dizemos ao grupo: “Agora que ouvimos a proposta do João, que tal fazermos algumas perguntas de entendimento para explorar a ideia dele e depois oferecer nossas críticas e opiniões?”. Nesse caso, estamos propondo uma forma de interação para o grupo, o que nada mais é do que o propor.

Nosso repertório de propostas aumenta à medida que conhecemos mais técnicas de facilitação, processos e scripts de interação. Na Target Teal, gostamos muito do conceito de rodadas, que faz parte do nosso repertório e é usado com frequência. Trata-se basicamente de uma forma de interação em que cada pessoa fala por vez, sem interrupções.

As estruturas libertadoras também oferecem um amplo repertório de coisas que podem ser propostas pela pessoa facilitadora. Na autogestão, fazemos uso frequente dos scripts de interação, que são padrões pré-definidos de interação a serem seguidos durante a facilitação. Isso ajuda muito, pois diminui a quantidade de escolhas que a facilitadora tem que fazer, tornando tudo mais fácil.

Habilidade 5: Apreciar

A quinta habilidade de facilitação é o apreciar. Apreciamos algo quando encontramos e expressamos algo de valioso para nós no outro ou em uma interação. A habilidade de apreciação envolve encontrar aquilo que genuinamente valorizamos, até nas pessoas com as quais temos a maior dificuldade de lidar. Portanto, a apreciação é um ato de conexão com o outro, não um elogio vazio, mas uma forma de vulnerabilidade, pois compartilhamos nossas necessidades e sentimentos com o grupo enquanto fazemos isso.

Por exemplo, em uma reunião online, uma pessoa apresenta uma proposta para criar um novo papel dentro do grupo. Mesmo que eu não goste da proposta, posso tentar encontrar algo que valorizamos naquilo que foi feito ou no ato daquela pessoa. Ao refletir sobre isso, posso descobrir que, embora não concorde com o papel proposto, percebo que a pessoa está tentando resolver um problema que ela tem a partir de um acordo com o grupo. Então eu digo:

“Queria dizer que aprecio muito que você está tentando tratar a sua tensão a partir da criação de um acordo explícito – um papel – e não só tendo uma conversa informal.”

Logo em seguida eu posso expressar as minhas críticas ao papel em si.

Habilidade 6: Distinguir

O distinguir acontece quando diferenciamos ou damos contornos a um fenômeno que estamos percebendo e compartilhamos isso com o grupo. Ao chamar a atenção para isso, tornamos possível referenciar algo que antes estava confuso, misturado ou parecia não existir. Portanto, o distinguir é uma forma de nomear fenômenos e compartilhá-los com o grupo.

Por exemplo, imagine que você está em uma reunião e diz:

“É a terceira vez que percebo aqui na conversa que, quando alguém traz uma proposta, logo em seguida outras pessoas criticam a ideia sem fazer perguntas, demonstrar interesse ou apreciar. Agora, que tal se fizéssemos perguntas antes de criticar?”

Ao fazer isso você permite que as pessoas percebam a situação do mesmo ângulo que você e também dá contexto para a sua intervenção logo em seguida – propor um formato de perguntas seguidas de críticas.

À medida que aprendemos novos modelos de facilitação e novas formas de perceber dinâmicas de grupo, suas disfunções e características, conseguimos ajudá-los a enxergar a partir dessas perspectivas e responder a isso. Na antiga árvore de facilitação, o distinguir estaria localizado dentro do revelar

Habilidade 7: Cortar

Apesar de parecer contra-intuitivo, em alguns casos, cortar uma fala ou sequência de falas interrompendo o fluxo da conversa pode ser a coisa mais útil para o grupo naquele momento. Por exemplo, quando combinamos que teríamos uma estrutura de rodadas em que cada pessoa fala em um momento, se uma pessoa, por algum motivo, atravessa essa rodada e comenta sobre algo que outra pessoa está falando, esse seria um momento muito apropriado para cortar essa pessoa, interrompê-la e relembrar o que foi combinado.

O corte é uma técnica de facilitação usada para corrigir o curso de um grupo. Ele é bastante usado quando há um script de interação predefinido, pois o facilitador se sente mais confortável para interromper alguém que está desrespeitando a estrutura pré-acordada.

No entanto, o corte também pode ser aplicado em conversas livres, sem uma estrutura específica. Se o facilitador perceber que o “fluxo natural” da conversa está prejudicando o grupo, é melhor intervir imediatamente. Como dizia Marshall Rosenberg, “o momento ideal para interromper é quando se ouve uma palavra a mais do que se gostaria”.

Habilidade 8: Deixar

Paradoxalmente, permitir que a conversa se desenrole sem intervir também pode ser uma forma de facilitar. Isso porque nossas intervenções nem sempre têm um impacto positivo, e intervir demais pode ser prejudicial. A omissão também é uma escolha, portanto é importante fazer uso dessa opção enquanto facilitadores.

Devemos levar a sério a possibilidade de simplesmente não fazer nada quando, após refletir, descobrimos que esse parece ser o melhor curso de ação. Às vezes, o grupo precisa vivenciar certas dinâmicas e conversas sem a interferência da pessoa facilitadora, para que possam aprender e crescer por conta própria.

No entanto, é fundamental que a decisão de não intervir seja tomada de forma consciente e intencional, baseada na observação atenta do grupo e na avaliação do impacto que nossa intervenção (ou falta dela) pode ter. Deixar de agir por medo, insegurança ou falta de clareza sobre como proceder não é o mesmo que escolher intencionalmente não intervir.

Portanto, a habilidade de “deixar” requer sabedoria, autoconhecimento e confiança no processo do grupo, sabendo que, em alguns momentos, o melhor que podemos fazer é dar espaço para que a conversa e as interações sigam seu curso natural.

Quais são as suas habilidades de facilitação?

Espero que as habilidades apresentadas neste texto sejam uma inspiração e uma boa base para você que se aprimorar nessa arte. No entanto, é importante lembrar que cada pessoa tem seu próprio estilo e que essas habilidades podem e devem ser adaptadas de acordo com a realidade e as necessidades de cada grupo. Por isso, complete esse mapa com suas próprias habilidades ou construa um novo inteiramente!

Compartilhe nos comentários quais são as suas maiores dificuldades quando se trata de facilitar grupos. Você já tentou aplicar alguma das habilidades mencionadas no texto? Como foi a experiência? Quais outras habilidades você considera essenciais para uma boa facilitação?

Obrigado por ler até aqui.

Conteúdos sobre Facilitação

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Sobre o(a) autor(a): Davi Gabriel Zimmer da Silva

Davi é designer organizacional e facilitador na Target Teal, especializado em melhorar interações entre times e indivíduos no ambiente corporativo. É pioneiro na prática de Holacracia no Brasil e co-autor da Organização Orgânica, uma abordagem brasileira para autogestão. Davi é formado em Sistemas de Informação pela UNISINOS e pós-graduado em Psicologia Positiva pela PUCRS. É amante dos temas desenvolvimento humano e de organizações, produtividade, futuro do trabalho e cultura organizacional.

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