“Parte essencial do trabalho de facilitação envolve lidar com situações difíceis em grupos.” Não… Vou deixar mais claro. Gente MALA tentando bagunçar tudo! Depois de me irritar muito com alguns comportamentos disfuncionais e recorrentes que observei, cheguei nessa lista de “personas”, ou figuras que as pessoas encarnam nas reuniões e que tornam as interações improdutivas. Mais importante ainda, compartilho também como costumo lidar com cada uma dessas disfunções e o que aprendi sobre elas.

Agora que me sinto um pouco mais calmo depois de escrever o parágrafo anterior, quero destacar alguns pontos:

  1. Apesar de estarmos atribuindo esses comportamentos a pessoas, é importante considerar que o indivíduo é influenciado por inúmeros fatores contextuais, como a cultura da organização, o papel/cargo, além das suas próprias necessidades do momento.
  2. Não podemos em nenhum momento caricaturizar a pessoa e pensar que ela é a persona. A persona é apenas uma máscara temporária que ela assume. E por trás da persona, há um ser humano singular com necessidades universais.
  3. A categorização de uma pessoa em determinada persona geralmente está carregada de inferências por nossa parte. Então sempre fique atento e teste todas as suas inferências fazendo boas perguntas.
  4. Aproveite a oportunidade para também fazer uma autorreflexão sobre em quais personas você costuma representar ou mostrar em seus comportamentos.

Dito isso, vamos nos divertir um pouco. Identifiquei essas personas:

  1. Caroneira
  2. Pessimista
  3. Desconfiada
  4. Grupalitarista
  5. Informalista
  6. Alinhadora

Caroneira

A pessoa que assume a persona caroneira é aquela que de forma sutil e sorrateira introduz na conversa um novo assunto do seu interesse, que se “conecta” com o assunto sendo tratado no momento. Exemplo:

Ana: O orçamento para treinamentos já se esgotou, mas precisamos realizar um curso preparatório para a certificação ISO. Financeiro autoriza?

Roberto: Podemos aprovar isso em exceção, é uma questão urgente e conectada com nossos objetivos estratégicos.

Clara: Acho importante discutirmos o orçamento. Claramente ele não está sendo feito de uma forma apropriada. Deveríamos ter previsto esse valor.

Em termos de conteúdo, o descontentamento da Clara com o orçamento se relaciona com o que foi trazido pela Ana. Mas não foi isso que a Ana pediu inicialmente. Ao pegar “carona” no tema trazido por ela, Clara leva a conversa para outro rumo. Quando isso acontece comigo, me sinto totalmente frustrado. É como se estivesse conversando com uma parede.

Como lidar: A Clara não é um monstro, ela só está tentando resolver um ponto que também é importante para ela. Talvez ela se sinta segura sabendo que a questão do orçamento vai ser endereçada em algum momento. Nesse caso uma pauta dinâmica ajudaria. A pessoa que facilita poderia simplesmente convidá-la a adicionar seu ponto numa lista de tópicos e retomar para a necessidade da Ana, tratando um ponto de cada vez.

Pessimista

A pessoa que assume a persona pessimista é aquela que opina sobre uma ideia ou ponto trazido com bastante negatividade. Geralmente ela expressa uma depreciação ao que foi trazido, sem que isso seja solicitado. Exemplo:

Clara: Gostaria de propor uma reunião especial para tratarmos do orçamento, assim não atrapalhamos a reunião executiva convencional. Tudo bem se for na próxima quarta, no mesmo horário?

Roberto: Mas a nossa reunião é justamente para isso. Não vejo sentido em marcar outra.

Se essas depreciações forem frequentes, isso pode desestimular as pessoas a trazerem tópicos em reuniões de pauta aberta. Roberto expressou a opinião dele, mas o que a Clara queria na realidade era saber se o horário estava adequado. Aqui partimos do pressuposto que a Clara tem autoridade sobre essa reunião que está propondo.

Como lidar: Roberto provavelmente está se sentindo muito frustrado. Talvez ele gostaria que o seu ponto de vista fosse considerado. Ou talvez ele queira simplesmente ser ouvido. Em ambos os casos a pessoa que facilita pode abrir um espaço para que o Roberto possa falar sobre o seu próprio incômodo e o que está pegando. Geralmente o pessimista também é um caroneiro. Também pode ser útil para o Roberto fazer mais perguntas exploratórias antes de expressar sua opinião, por exemplo:

  • O que te leva a propor essa reunião especial para tratar do orçamento?
  • Pode me dar mais detalhes do porque você considera que discutir orçamento aqui atrapalha, Clara?

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Desconfiada

É um tipo específico da persona anterior, mas na qual o pessimismo se direciona a uma desconfiança nas capacidades ou intenções do outro. O pior de todos os desconfiados é aquele que usa perguntas manipuladoras. Exemplo:

[…]

Clara: Pode deixar que fico com o projeto de rever as métricas do trimestre.

Ariel: Você acha que é a melhor pessoa para isso, Clara? Talvez devesse ficar com o Roberto, já que ele é de BI.

Roberto: Para mim faz mais sentido isso ser de responsabilidade do financeiro.

Aqui no exemplo as perguntas do(a) Ariel partem de um pressuposto de que seria melhor que o Roberto fizesse. Talvez ele tenha uma desconfiança nas capacidades da Clara de fazer o que foi pedido. Mas Ariel prefere não falar sobre isso diretamente e escolhe influenciar a situação por meio de falsas perguntas.

Como lidar: É uma das personas mais difíceis para mim. Em parte, porque tudo fica nas entrelinhas e para avançar é necessário revelar a situação em alguma medida. Mas antes de tudo devemos reconhecer que estamos navegando num terreno de inferências, por isso é importante fazer perguntas de verificação:

Ariel, parece que você prefere que esse projeto fique com o Roberto ao invés da Clara. É isso?

A partir então da resposta do(a) Ariel escolheria a próxima intervenção. No mínimo uma pergunta como essa ajudaria a todos a prestarem atenção nessa possível desconfiança, se existente. E se isso gerar um incômodo, essa pessoa poderia trazer esse assunto para conversa (inclusive a própria Clara).

Grupalitarista

No mundo da gestão moderna todo líder teme ser autoritário demais, afinal o gestor descolado do momento é aquele que “dá autonomia ao seu time”. Nessa jornada por uma gestão mais igualitária, muitos grupos caem na armadilha da chamada tirania da desestrutura (leia aqui sobre “tudo é de todos” e “a-gente-tem-que“). Não se trata mais de um autoritarismo individual, mas um autoritarismo de grupo. Chamamos isso de grupalitarismo.

A persona grupalitarista é aquela que tenta sempre levar a conversa para um lugar “coletivo”. Busca o consenso constantemente, nas suas próprias questões e nas dos outros. Os grupalitaristas desconhecem a primeira pessoa do singular, e por isso sempre falam na primeira pessoa do plural (nós, a gente) e usam os pronomes indefinidos (alguém, ninguém, todos). Por exemplo, o pedido:

Roberto: Estou frustrado com a demora nas métricas para montagem do relatório… Eu preciso da ajuda da Clara para extrair as métricas e então criar a apresentação.

Em grupalitarinês ficaria assim:

Roberto: Gente, essa demora não dá. Um dos nossos valores é colaboração e espírito de dono. Faltam métricas, gente. Cadê o espírito de dono? A gente tem que fazer algo sobre isso. As métricas precisam ser extraídas. Como vamos montar a apresentação?

Roberto falou bastante, mas ocultou mais ainda. Quem recebe uma mensagem como essa não tem certeza a quem ela se destina ou o que Roberto espera exatamente que seja feito.

Como lidar: Os grupalitaristas também são muito desafiadores para mim. Nessa hora eu respiro fundo e tento me concentrar na necessidade da pessoa. O que ela precisa? Talvez seja se sentir parte de uma comunidade e colaborar com outras pessoas. Ou talvez não saiba para quem pedir e tem medo de perguntar quem é o responsável. Depois de me conectar com essa necessidade, tento fazer perguntas para esclarecer melhor o que ela precisa. Exemplos:

  • Roberto, quando você diz que faltam métricas, você espera que alguém específico faça algo com isso? Se sim, quem é essa pessoa?
  • O que é mais importante para você nesse momento: certificar-se de que você foi ouvido ou ter a situação resolvida? (Se for o primeiro, peço uma paráfrase/espelho, se for o segundo, pergunto o que ele espera que aconteça a partir desse compartilhamento)

Enquanto facilitador eu também poderia propor ao Roberto endereçar o pedido dele a alguém específico dentro daquele grupo.

Informalista

A pessoa que assume a persona de informalista tem uma grande aversão a qualquer processo ou formalidade. Para ela, tudo é resolvido por uma boa conversa. Frequentemente os informalistas gozam de muitos privilégios dentro da organização e não percebem isso. Qualquer registro de acordo, projeto ou ação é visto como uma “burocracia”.

Existem diversas motivações para uma pessoa informalista: uma delas é manter-se no controle. Pessoas que se acostumaram a navegar nas relações interpessoais para obterem o que precisam assumem essa persona, especialmente em organizações que estão buscando a autogestão. Outro tipo de informalista é aquele que na realidade teme que os processos acabem com as relações e a proximidade entre as pessoas. O sentimento predominante parece ser o medo, ainda que muitas vezes as pessoas informalistas expressem suas insatisfações por meio de sarcasmos e piadas. Exemplo:

[…]

Joana (facilitadora): Como o que você quer estabelecer é uma expectativa recorrente (responsabilidade), precisamos usar o processo de decisão integrativa. É aquele que verificamos se as pessoas têm alguma objeção ao que você está propondo, Carlos.

Carlos: Ah, sei, aquele negócio que as pessoas tem que falar tipo uns robozinhos se vêem algum mal né? (risos)

Joana: Isso mesmo. Vamos anotar aqui a sua proposta antes de seguir.

Carlos: Não, deixa assim… eu e o João já estamos combinados. Não precisa registrar não.

Os informalistas tentam manter os acordos implícitos o máximo possível, por isso fogem quando conseguem dos contornos propostos pelos facilitadores. Tenho muito pouca paciência com essa persona, por isso tenho que respirar não uma, mas duas vezes antes de responder. Preciso também me lembrar que é apenas alguém tentando resolver as coisas de um jeito familiar. Geralmente essas pessoas precisam de leveza, flexibilidade e conforto. Coisas que também são importantes para mim.

Como lidar: Se estou seguindo algum tipo de acordo estabelecido (como acontece com frequência na autogestão) tenho que relembrar esse acordo ao participante. Se percebo que a pessoa informalista não está “topando” o processo acordado, tento encorajar que ela proponha uma mudança no acordo ou então abra uma conversa exploratória para isso, geralmente num fórum reduzido e com as pessoas interessadas:

  • Carlos, me parece que você não está contente em seguir o processo de objeções que acordamos. Estou certo?
  • Se esse processo não te atende, que tal propor um processo diferente?
  • Se você ainda não sabe como resolver o seu incômodo, que tal marcar uma reunião chamando as pessoas que acreditam que podem te ajudar e explorar melhor o que te aflige?
  • Fale mais sobre o que te incomoda nesse processo. Imagino que você queira mais flexibilidade, certo?

Alinhadora

A persona alinhadora é o oposto da informalista. Ela quer deixar tudo bem “alinhado”. O problema é que esses combinados são geralmente informais e fortalecem hierarquias ocultas (ou a velha cadeia de comando, quando num processo em direção à autogestão). Isso é oposto do que buscamos com a facilitação e um bom design organizacional: geralmente queremos as coisas claras, explícitas e conscientes. Por isso essa persona está aqui na lista.

A persona alinhadora é bem próxima da grupalitarista. A diferença é que o desejo do alinhador é que apenas algumas pessoas específicas participem da decisão e/ou sejam consultadas, e não todos, como ocorre no grupalitarista. A necessidade está mais relacionada a ter segurança: geralmente alinhadores temem serem punidos ou prejudicados por não considerarem pessoas influentes dentro da organização nas decisões. Exemplo:

[…]

Jaqueline (head de produto): Acho bacana então seguirmos por esse caminho de simplificar o fluxo do carrinho de compras. Pode aumentar a conversão da página.

Joana (head de operações): Humm, isso precisa ser muito bem alinhado com a diretoria de operações.

Neste exemplo pressupomos que a autonomia de decisão é da área de produto, representada pela Jaqueline. Por consequência, dá para concluir que Joana está 1) incentivando que esse acordo não seja seguido ou que 2) gostaria de alterá-lo, porque percebe uma oportunidade.

Como lidar: Geralmente busco esclarecer os acordos, da mesma forma que no exemplo do informalista. Poderia investigar com a Joana se ela tem ciência do acordo e caso sim, se deseja alterá-lo.

As personas revelam tensões criativas

Espero que tenha se divertido com o texto, se vendo e relembrando reuniões disfuncionais que você já participou e pessoas malas que assumiram as personas listadas. Para finalizar, queria destacar que as personas muitas vezes nos ajudam a revelar tensões criativas. Por trás de todas essas falas (ok, quase todas) existe uma oportunidade para tornar as coisas mais claras, melhorar as interações e tomar consciência sobre os processos de grupo. Por isso, vamos celebrar a contribuição que essas personas têm no nosso trabalho. E se você descobrir mais algumas, comente abaixo no post!

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Um curso para te ajudar a navegar pelas complexidades relacionais, abrir caminho para novos níveis de empatia e conexão humana no contexto corporativo.

Sobre o(a) autor(a): Davi Gabriel Zimmer da Silva

Davi é designer organizacional e facilitador na Target Teal, especializado em melhorar interações entre times e indivíduos no ambiente corporativo. É pioneiro na prática de Holacracia no Brasil e co-autor da Organização Orgânica, uma abordagem brasileira para autogestão. Davi é formado em Sistemas de Informação pela UNISINOS e pós-graduado em Psicologia Positiva pela PUCRS. É amante dos temas desenvolvimento humano e de organizações, produtividade, futuro do trabalho e cultura organizacional.

Comentário

  1. Katya Vietta 20 de janeiro de 2022 às 08:50 - Responder

    Muito bom!!!!

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