Eu estava errado. Toda vez que me perguntavam sobre qual é o nível de maturidade que é necessário para trabalhar em um empresa autogerida eu dizia: – Autogestão demanda e promove a maturidade. Então se você quer ajudar as pessoas a amadurecerem, a autogestão é o melhor caminho. Qualquer pessoa que é responsável pelas suas ações pode trabalhar em uma empresa autogerida.   Hoje eu percebo que minha resposta não estava totalmente certa. Hoje acho que o mais correto é: –  Na autogestão é mais fácil ser maduro. Pelo menos no tipo de autogestão que acredito e incentivo. Então a medida que a autogestão demanda maturidade, ela também facilita a vida de pessoas para que elas se comportem de maneira madura. Surpreso? Vamos fazer um exercício. Pense em exemplos de comportamentos que você julgaria como de uma pessoa madura dentro de uma organização. Faça uma lista desses comportamentos. Segue a minha:
  1. Uma pessoa madura respeita a sua hora de falar em reuniões.
  2. Uma pessoa madura tem empatia por um colega quando este está com dificuldade de fazer algo. 
  3. Uma pessoa madura busca e sabe receber feedback.
  4. Uma pessoa madura assume um erro que cometeu em um projeto.
  5. Uma pessoa madura tem autorresponsabilidade e não terceiriza decisões.
  6. Uma pessoa madura lida com o desconforto e não faz fofoca.  
Agora, vamos analisar cada um dos itens e estimar o quão difícil é agir dessa maneira em uma organização tradicional e hierárquica e em comparação com uma organização autogerida. 

Respeitar a sua hora de falar em reuniões

Em uma organização hierárquica o seu superior pode não conceder um espaço para você falar. Mas vamos supor que esse espaço exista. Porém, é raro encontrar um facilitador presente na reunião que tem autoridade para cuidar de distribuir os tempos de fala entre todos. É comum alguns dominarem a conversa na busca por mostrar o seu trabalho e boas ideias para o gestor.  Em uma organização autogerida, ainda mais com a tecnologia social O2 dando suporte para as práticas, tenho um facilitador para me lembrar que aquela não é a minha hora de falar. E esse facilitador é escolhido pelo grupo de maneira regular e seguirá um processo claro para todos, gerando legitimidade. Hoje sinto preguiça em reuniões com 5 pessoas ou mais e sem um facilitador. Talvez tenha perdido a prática dos tempos de organizações tradicionais.

Ter empatia por um colega

Quando somos gestores, somos cobrados pelo resultado de nossos subordinados. Essa pressão somada ao fato de estarmos cada vez mais distantes das atividades dos subordinados dos subordinados, vai mudando a nossa perspectiva sobre os outros. Perdemos um pouco de nossa capacidade de sentir empatia. Esse fenômeno que sentimos na vida real já foi estudado em laboratório com impactos visíveis no funcionamento do cérebro. Em uma organização autogerida tentamos minimizar o poder que temos sobre o outro e maximizar o poder que temos ao trabalhar com o outro. Isso é feito através da construção e revisão de acordos explícitos. Ainda não é algo que as pessoas aprendem na escola, mas a arte de fazer acordos, permite a criação de um ambiente que facilita o exercício de empatia dentro de organizações de todos os tipos e tamanho.

Buscar e saber receber feedback 

Ouço muitas reclamações sobre feedback em empresas tradicionais. Uma dor comum é que as pessoas recebem pouco e queriam mais, outra é que o feedback é usado como arma para humilhar e punir um subordinado e por último que fulano não sabe receber feedback. Se investigarmos a fundo encontramos alguns fenômenos comuns.  Existe um chefe e uma equipe seguindo uma proporção entre 1:5 até 1:20. Temos uma pessoa que precisa dar feedback para muitas. Essa pessoa raramente consegue prestar atenção em tudo que acontece com seus subordinados. Os subordinados só consideram o feedback válido quando esse vem do chefe. E o chefe é pressionado para encontrar as falhas no trabalho do subordinado e apontar com feedbacks construtivos. Misture esses elementos e imagine que o resultado só poderia ser esse que temos. Gestores que apontam falhas sem terem conhecimento do contexto, feedbacks uma vez por semestre e todo mundo reclamando. Na autogestão os problemas começam a ficar mais fáceis quando as fontes de feedback e reconhecimento que são consideradas válidas se tornam abundantes, pois não existe apenas uma pessoa que decide sobre seu futuro na organização. Posso buscar feedback com alguém na organização que mais parece ter experiência sobre um determinado assunto ou habilidade que estou trabalhando e não mais com o chefe.  Recebo feedback com uma carga emocional menor, pois sei que a pessoa não está buscando me encaixar no que ela considera ser a forma do funcionário ideal. Muito mais  fácil. 

Assumir um erro que cometeu

Em seu livro Mistakes Were Made (but not by me) – Erros foram cometidos, mas não fui eu – Carol Travis descreve um fenômeno que está no centro da autojustificação.:
“O motor que impulsiona a autojustificação, a energia que produz a necessidade de justificar nossas ações e decisões – especialmente as erradas – é uma sensação desagradável que Leon Festinger chamou de “dissonância cognitiva”. Dissonância cognitiva é um estado de tensão que ocorre sempre que uma pessoa tem duas cognições (ideias, atitudes, crenças, opiniões) que são psicologicamente inconsistentes, como “Fumar é uma coisa estúpida porque pode me matar” e “Eu fumo dois pacotes por dia.” A dissonância produz desconforto mental, variando de pequenas dores a profunda angústia; as pessoas não descansam até que encontrem uma maneira de reduzi-lo.”
Quando estamos em uma empresa tradicional, temos um caminho árduo para subir na carreira e comumente encontramos uma cultura que acredita em meritocracia. Nosso sucesso depende de mantermos uma imagem externa de competência o que inclui o uso do auto-engano para chegar nesse objetivo.  Somando isso a uma tendência da maioria das pessoas de ter um visão dualística do mundo (existe apenas certo ou errado, preto ou branco) e temos a receita para todos tirarem o seu da reta. Afinal, eu não posso ser competente ao mesmo tempo que cometo um erro crasso no processo de compra de um serviço de consultoria.  Na autogestão a competição pelos poucos lugares no topo da pirâmide começa a ser desmontada. Existe espaço para integralidade e a vulnerabilidade é encorajada. Eu não preciso assumir o papel de herói. Sinto muito mais facilidade em assumir erros, não por ser mais humilde ou maduro do que eu era antes, mas porque sei que tenho espaço para isso. 

Ser autorresponsável e não terceirizar decisões

Em uma empresa com chefes é muito comum já existirem estruturas, políticas e práticas que tiram a responsabilidade das pessoas. Existem situações onde elas decidem, mas deixam os outros lidarem com as consequências, como quando diretores decidem demitir 20% das pessoas e comanda o RH a lidar com o pepino. Em outros momento, funcionários não decidem pois sabem que suas decisões podem ser revertidas em instâncias superiores, então eles sobem de nível as decisões mais banais. Por último, gestores que já tomaram decisões, chamam uma reunião de equipe para criar uma cena e deixar registrado que foi uma decisão “consensuada” e assim fugir de punições caso a decisão se mostre desastrosa. Em uma empresa autogerida eu tenho muito clareza da autoridade e responsabilidade de todos na organização. Fortalecemos em vários rituais uma crença de que cada um é a melhor pessoa para lidar com suas próprias tensões. Quando o facilitador pergunta na reunião:  – Qual é sua tensão e o que você precisa? Eu preciso me implicar no processo e não apenas apontar problemas e muito menos esperar que o grupo ou alguém cuide da minha vida. E isso vale para todos, o que torna bem mais fácil. 

Não fazer fofoca

Vá tomar um café em uma empresa tradicional e veja os grupinhos na copa conversando. Aposto que você vai encontrar uma pessoa reclamando de alguém, de um chefe ou funcionário. Tão comum que parece ser um comportamento que surgiu com nossos antepassados na savana africana.  Quanto menos temos espaço ou menos conhecemos caminhos para lidar com nossos problemas, mais teremos a necessidade de desabafar. A fofoca para mim é isso. Um tipo de desabafo de quem ainda não conseguiu encontrar um jeito melhor de resolver seus problemas.  Trabalhando em uma empresa autogerida, cada vez me sinto mais capaz de resolver minha tensões de uma maneira mais saudável. Por exemplo, tendo conversas difíceis ou fazendo acordos explícitos. Com isso, sinto cada vez menos necessidade de fofocar. E vejo o mesmo em colegas. Não somos humanos hiper conscientes e desconstruídos. Pelo contrário. O que acontece é que nossa energia é canalizada para algo mais efetivo que uma reclamação ou desabafo na mesa do café.

Se é tão fácil, por que não é mais comum?

Todos nós estamos em busca de boas estratégias para atendermos nossas necessidades humanas universais. Precisamos de atenção, reconhecimento, autonomia, sentido, etc. Também somos seres hiper-sociais. Muitas dessas necessidades só são atendidas quando fazemos parte de algum grupo social. As organizações deveriam nos ajudar a atender nossas necessidades ou pelo menos não atrapalhar. A palavra imaturidade é usada como um rótulo que damos para as pessoas que estão como nós, buscando atender as mesmas necessidades, só que de uma maneira um pouco (ou muito) atrapalhada e desastrosa. O que precisamos é facilitar a vida delas. Ajudá-las a fazerem uso de estratégias que aumentam a chance dos outros a sua volta também atenderem suas necessidades.  Todos nós ganhamos com sistemas sociais que promovem o aprendizado e o desenvolvimento mútuo. Para mim, a autogestão é um caminho para isso. Ela só não é mais comum, pois a sociedade que vivemos ainda está presa em um “ótimo local”. Ótimo local é um termo dentro de uma abordagem que nasceu na biologia, chamada de Paisagem Adaptativa. Aqui quero aplicar em um processo de evolução cultural das organizações. Na Paisagem Adaptativa criamos um gráfico, (muitas vezes 3D) que mostra como cada cultura organizacional (1 ponto no gráfico) se assemelha a outra pela distância (eixos X e Y) e o quanto cada cultura está adaptada ao contexto da sociedade (altura ou eixo Z).  paisagem-adaptativa Hoje a maior parte das organizações estão presas a um local ótimo (pico menor) em uma paisagem adaptativa que é dinâmica. O pico mais alto onde poucas organizações autogeridas vivem, nem sempre existiu. Ele começa a surgir com mudanças na cultura mais ampla da sociedade.  O desafio e propósito da Target Teal é ajudar as empresas nesse processo evolutivo. Isso com certeza não é fácil, mas quando me perguntarem de agora em diante sobre nível de maturidade que é necessário para trabalhar em um empresa autogerida como a Target Teal, minha resposta vai ser:  – Nunca foi tão fácil ser uma pessoa madura. 
Quer entender melhor como trabalhamos? Vamos conversar!  

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Sobre o(a) autor(a): Rodrigo Bastos

Rodrigo é facilitador e designer organizacional. Formado em Engenharia de Materiais pela POLI-USP. Atuou por mais de 10 anos na criação e condução de programas de desenvolvimento de times e líderes utilizando a educação experiencial como método. Já foi engenheiro e gestor. Apaixonado pelo trabalho com organizações, hoje ele acredita que atuando no sistema social e não nas pessoas, consegue contribuir mais e ser muito mais feliz.

2 Comments

  1. […] A autogestão é o melhor, senão o único caminho para uma equipe amadurecer e se tornar pronta para a autogestão. Continue tratando sua equipe como crianças ou adolescentes irresponsáveis que a tão falada maturidade nunca irá se efetivar. Entenda aqui porque as pessoas já tem maturidade e leia esse outro texto que argumenta que é mais fácil ter maturidade em uma empresa autogerida. […]

  2. […] e evoluir como organizações. Pois bem, se há quem duvide, há também quem acredite que maturidade nunca foi tão fácil. Eu sou uma […]

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