O senso comum prega e pesquisas já mostraram que confiança mútua é fundamental para a colaboração em times e organizações. Mas como se dá o fenômeno confiança e principalmente como se dá a quebra da confiança é o que vou explorar aqui.

Quando trabalho com times e organizações ajudando a restabelecer níveis mínimos de confiança e qualidade nas relações, vejo muitas das minhas estratégias serem frustradas. É como se uma vez perdida, a confiança não pode mais ser recuperada.

Mas por que existe essa quebra de confiança?

Um dos motivos fáceis de identificar, é quando algumas promessas feitas  não são cumpridas, e então perdemos a confiança no outro. Acontece também quando elas não são feitas entre as duas partes, mas uma das partes imagina ou infere promessas a partir de sinais ou uma comunicação confusa.

Para entender melhor como se dão as promessas, vamos dividi-las em quatro categorias. Promessas podem ser sobre:

  • Intenções
  • Input (energia aplicada)
  • Output (resultados específicos)
  • Outcome (impacto no mundo)

*Nota para os leitores do blog* Usamos muito a palavra “acordo” nos textos que falamos sobre autogestão e a tecnologia social O2. Aqui escolhemos o uso da palavra “promessa”, pois essa está mais ligada ao assunto quebra de confiança. Você pode entender um acordo como um conjunto de várias promessas feitas por várias pessoas de maneira coordenada e explícita.    

Prometemos intenções

É muito comum dizermos algo na linha de:

Me comprometo a dar transparência sobre o que estou trabalhando e como estou priorizando o meu trabalho além de ter abertura para o diálogo e a negociação.

Bonita promessa, né? E ela faz muito sentido quando faz parte de um acordo entre pessoas atuando na mesma equipe. Ou seja, existe uma equivalência, pois todos estão prometendo a mesma coisa para o grupo.  

É fácil fazer esse tipo de promessa. E na autogestão usando o O2, acabamos usando muito esse tipo quando alguém assume um papel (se compromete em trabalhar para expressar um propósito específico e dar atenção às expectativas que estão descritas nas responsabilidades). É um tipo de promessa bem subjetiva.

Para sabermos se ela foi cumprida, precisamos usar de muito julgamento. E esse julgamento sempre é carregado de vieses cognitivos. Então quando a confiança é alta, essa promessa é muito provável de ser avaliada como: “ok, ele cumpriu a promessa”. Quando a confiança já foi quebrada ou está desgastada, aí o viés de confirmação opera contra, e a chance da pessoa avaliar que o seu colega não cumpriu a promessa é muito grande.

Prometemos input (aplicar energia)

Esse é um tipo de promessa mais específica e observável que o anterior. Aqui podemos falar algo na linha de:

Vou passar amanhã a tarde trabalhando nesse projeto.

ou

Vou dedicar 5h por semana para a realização desse papel

Em teoria temos grande controle (especialmente em orgs. autogeridas) sobre como usamos o nosso tempo. Então não deveria ser tão difícil cumprir a promessa. Porém o mundo é VUCA, e com frequência situações inesperadas surgem e impedem que nossos planos se concretizem, inclusive a dedicação de energia x para um projeto ou papel.

Para evitar uma quebra de confiança ao fazermos esse tipo de promessa, podemos diluí-la com uma promessa de intenções. Algo como: Minha intenção é passar o dia todo amanhã focado nessa atividade. Dessa maneira, abre-se espaço para múltiplas interpretações do que vai acontecer.

Talvez você já tenha encontrando a seguinte reação: Ah, mas eu quero ou preciso de uma certeza que você vai trabalhar nisso nesse dia!  Ok, nesse caso um caminho possível é a pessoa revelar melhor suas necessidades, razões e trabalhar em conjunto para aumentar as chances de uma promessa de input ser cumprida ou de ter planos de contingência. Ou isso, ou arriscar quebrar a confiança.

Prometemos output (resultados específicos)

Esse tipo de promessa é uma das mais comuns nas organizações tradicionais. Quase todo dia você deve ouvir:

Assumi um compromisso de entregar o documento até terça-feira.

ou

Prometi para meu chefe que termino esse relatório ainda hoje.

Esse tipo de promessa costuma gerar muita ansiedade, stress e hora extra. Em vários casos as pessoas são pressionadas ou até coagidas a fazerem esse tipo de promessa pelos clientes ou pelos gestores.

Mais uma vez o mundo VUCA trabalha contra e potencializa a quebra de confiança. Exceto em trabalhos repetitivos e rotinas maçantes, a realidade costuma surpreender e prazos podem não ser cumpridos. Se você ainda está com dúvida de como lidar com isso, recomendo o texto: Faça como o Waze, não dê prazos.

Prometemos outcome (impacto no mundo)

Se o tipo anterior é fortemente influenciado pelo mundo VUCA, este é ainda mais. Por exemplo:

Assumo o compromisso de vender 80% dos ingressos do workshop.

ou

Garanto que irei dobrar o faturamento da área em seis meses.

Repare: não basta prometer trabalhar para vender o máximo de ingressos possíveis, é preciso uma promessa de resultado financeiro que depende de fatores macroeconômicos e muitas outras coisas. Para mim, é quase que apostar a qualidade de relação (confiança) em um cassino ou jogo de dados.

Reação comum: Ah, mas se não batermos o break-even, estamos fod$#@.

Minha resposta: Sim, ok, mas se não batermos break-even com a promessa de outcome, além de estarmos fodidos financeiramente, estaremos quebrando a nossa confiança. Tem mais, se eu tenho dúvidas que fulano é competente em uma certa área como vendas, não é com uma promessa desse tipo que minha confiança vai mudar. Ah, ele prometeu, então ele vai fazer!  Pressionada a pessoa promete muitas coisas. Mesmo que para isso ela tenha que ignorar as consequências de um mundo VUCA.

Tipos de confiança e ciclos de quebra

Existem dois tipos de confiança. Confiança nas intenções e confiança na competência. O primeiro tipo é fundamental. É impossível trabalhar em equipe sem ele. O segundo também é importante, mas ele é mais contextual. Eu posso confiar que uma pessoa é competente em x, mas não em y.

Existem ciclos de feedback que se auto-reforçam, aumentando ou degradando o grau de confiança. Abaixo desenhei dois esquemas que mostram como funcionam e o porquê é tão difícil restabelecer a confiança quando ela é quebrada.

ciclo de confiança

ciclo de confiança

Para rompermos esses ciclos e mudarmos a realidade, precisamos atuar de diferentes formas sobre eles.

Para restabelecermos a confiança nas intenções, devemos trabalhar com os vieses cognitivos presentes, especialmente aqueles relacionados ao viés de confirmação. Além disso, devemos trabalhar a escuta empática entre as duas partes, assim abrimos espaço para que as novas promessas de intenção sejam ouvidas e a surja a esperança de um recomeço na relação.

Para atuarmos na recuperação da confiança na competência, podemos somar outra estratégia. Trazer a seguinte pergunta para a conversa: Considerando que o mundo é VUCA, como podemos trabalhar com o mínimo de promessas de output e outcome?

Não tenho respostas definitivas ou detalhadas sobre os detalhes de como atuar dentro dessas linhas que citei ou mesmo se existe alguma precedência nos tipos de confiança.

Estamos aprendendo na Target Teal, e usamos esse blog para compartilhar os insights que surgem em nossos trabalhos. Deixe seu comentário ou reflexão abaixo, teremos prazer em responder.

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Sobre o(a) autor(a): Rodrigo Bastos

Rodrigo é facilitador e designer organizacional. Formado em Engenharia de Materiais pela POLI-USP. Atuou por mais de 10 anos na criação e condução de programas de desenvolvimento de times e líderes utilizando a educação experiencial como método. Já foi engenheiro e gestor. Apaixonado pelo trabalho com organizações, hoje ele acredita que atuando no sistema social e não nas pessoas, consegue contribuir mais e ser muito mais feliz.

7 Comments

  1. Hermes 27 de junho de 2019 às 14:49 - Responder

    Rodrigo,

    Muito bem contextualizado os ciclos. Só acrescentaria uma variável a mais nesse ciclo, que envolve os indivíduos, que é a auto-estima. Acredito que essa variável provoca toda a tensão (energia) em busca do cumprimento da promessa ou da quebra dela.
    Nessa hora, vai existir um passado cognitivo no indivíduo que pode ser uma repetição de frustração ou satisfação.
    Uma abordagem que tento fazer, quando estou no processo de produzir a promessa é, como coach, caso tenha dúvidas da capacidade de realização da promessa, provocar uma pequena amostra de sucesso para quem está prometendo pra evitar algum “backlog cognitivo” pré-existente de falha na promessa. Da mesma forma, qualificado minhas promessas em pequenas promessas iniciais pra saber se estou no rumo ou se preciso mudar de rota.

    • Rodrigo Bastos 28 de junho de 2019 às 06:58 - Responder

      Olá Hermes. Interessante a sua colocação. Na sua perspectiva, cumprir ou não uma promessa ainda está dentro da esfera de controle da pessoa que está prometendo, é isso?

  2. Hermes 2 de julho de 2019 às 16:59 - Responder

    Acredito que o ato de prometer está no controle (escolha) da pessoa e o resultado afetará a próxima promessa a ser dita…
    Quebrar os aprendizados desse ciclo é o que permitirá a mudança

    • Rodrigo Bastos 2 de julho de 2019 às 18:26 - Responder

      Acho que entendi. Acredito no ciclo de aprendizagem, ação seguido de reflexão e como isso pode ajudar-nos a melhoras nossas decisões. Mas tenho hoje mais consciência de suas limitações. Nesse caso três coisas trabalham contra.

      1. A pressão social, que tem grande influência nas nossas decisões sobre qual promessa faremos. Vale ler o texto “O voo da galinha” – https://targetteal.com/pt/blog/o-voo-da-galinha-e-as-empresas-que-quase-voam/

      2. A dificuldade em pararmos e interrompermos processos decisórios que rodam no sistema 1 do Kahneman.

      3. O que importa não é tamanho da promessa, mas o seu tipo. Muitas vezes, nem temos na nossa cabeça a distinção apontada no texto. E sem alguma distinção, dependemos mais ainda da intuição e do sistema 1.

      Valeu pela reflexão!

  3. […] empurrar uma regra que busque punir pessoas ou tentar controlá-las. Se existe um problema de confiança, melhor usar o modo cuidar para isso. As restrições só são efetivas se os membros do círculo […]

  4. […] desenvolvidos com outras pessoas no trabalho. São relações que não geram apoio mútuo, em que não há confiança e nas quais há conflitos não resolvidos? A chance de burnout […]

  5. […] dar clareza aos papéis e tomada de decisão. Os acordos organizacionais funcionam à base de confiança e sem ela é difícil fazer qualquer coisa. Estando cada um na sua casa não é desculpa para […]

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