Existem várias maneiras diferentes de começar uma conversa sobre estruturas organizacionais, a forma como impactam e, ao mesmo tempo, são impactadas pelos comportamentos dos membros de uma organização. Inclusive, este texto faz um trabalho primoroso em explicar esses fenômenos.

Contudo, cada abordagem se conecta de uma forma diferente com seu público-alvo. Quando se quer ensinar e estabelecer bases para um aprofundamento, claro que se buscará um jeito mais teórico de explicar. Em contrapartida, quando a vontade é de estimular as pessoas a pensar nas estruturas à sua volta, como elas podem influenciar os comportamentos,  eventos do dia-a-dia e de que formas elas podem tentar intervir para gerar novos resultados, certamente um viés mais prático ou lúdico têm mais chance de funcionar.

Então, eis minha intenção com esse texto: convidar você para uma brisa, por meio de uma analogia de um quadro televisivo, na esperança de gerar uma boa conversa sobre estruturas organizacionais e seu impacto nos comportamentos e eventos do dia-a-dia. Vamos explorar um pouco dessa temática, utilizando alguns conceitos básicos de pensamento sistêmico e cibernética, sempre com um viés prático, e quem sabe, no final, não descobrimos uma abordagem mais consciente e pé no chão de modelar as estruturas de uma organização?

The Wall

Sabe aquele quadro que tinha no Caldeirão do Huck chamado The Wall? A saber:

É um jogo com uma dinâmica simples: soltar uma bolinha do alto de uma parede, para que ela caia em uma das “caixinhas” que estão no chão, todas correspondentes a diferentes valores em dinheiro. Mas essa parede tem uma série de obstáculos, que constantemente alteram o percurso da bolinha, de forma que o jogador nunca sabe onde, de fato, a bolinha cairá. Cabe ao jogador, então, somente escolher uma dentre sete posições iniciais para a bola iniciar seu percurso, e torcer para que ela caia em uma caixinha de valor alto.

Podemos considerar, então, que as caixinhas lá na parte de baixo da parede são os “possíveis” resultados (coloquei aspas porque vou trazer um twist daqui a pouco) desse jogo. E como os obstáculos na parede não mudam de posição, nem as caixinhas, a única coisa que pode ser alterada de uma jogada para outra é a posição inicial da bola. Era de se esperar, neste caso, que os resultados fossem bem previsíveis, certo? Mas os obstáculos na parede conseguem gerar todo o caos e aleatoriedade que o jogo precisa para ser interessante; se uma bola for liberada 10 ou 100 vezes a partir do mesmo lugar, o jogador nunca saberá com certeza em que caixinha ela chegará. 

Isso não é dizer que é impossível saber onde ela vai cair. É dizer que não podemos ter certezas; podemos ter chances, apostas; probabilidades. Sendo assim, se quiséssemos fazer previsões, teríamos que mapear essas probabilidades, a partir de padrões de resultados reais que observamos. 

Com isso, como não conseguimos antever os resultados, podemos dizer que não dá para estabelecer um vínculo de causalidade *a priori*, apenas *a posteriori*. Ou seja, não dá pra garantir que uma bolinha vai sair da posição 1 e cair no caixinha de 60 mil reais, mas dá pra saber de qual coluna saiu uma bolinha que caiu no 60 mil, e quantas vezes esse resultado apareceu dentre todas as jogadas.

E como se não bastasse, quando assistimos ao vídeo acima, vemos que uma das bolinhas pode surpreender todo mundo e simplesmente cair pra fora da parede! Mesmo num ambiente supostamente controlado, em que todas as variáveis de resultado pareciam explícitas, rolou um evento imprevisível.

Contornos habilitadores

Agora vamos considerar que esta parede representa um “recorte” da realidade de uma organização. Pode ser um processo que envolve vários times; pode ser um time específico; pode ser uma temática, como a sobrecarga. Para exemplificar, vamos pensar num serviço de atendimento a clientes. Se a “parede” é esse serviço, podemos imaginar que cada bolinha que vai cair por ela é um chamado aberto por um cliente. E lá embaixo, as caixinhas são os possíveis resultados desse processo. Um dos chamados é atendido dentro do prazo; outro fica sem resposta nenhuma, perdido num limbo entre dois times; outro foi tão complexo de resolver, sem nenhum material disponível para apoiar, que gerou stress generalizado; outro foi a gota d’água para uma pessoa pedir demissão. Certamente quem já vivenciou um processo desses saberá listar mentalmente vários outros exemplos.

Pois bem. Agora vamos imaginar que cada um daqueles obstáculos na parede seja um pedacinho da estrutura da organização em que o time está inserido. Podem ser estruturas locais, como a divisão de responsabilidades entre as pessoas, os rituais que o time faz, dentre outros acordos (ou políticas explícitas, para quem curte a nomenclatura do método Kanban), que o time fez. Podem ser também estruturas gerais da organização, como um processo de avaliação de desempenho, o modelo de cargos e salários, o processo de desligamento…


Cada um desses artefatos, ou pedacinhos de estrutura que configuram a nossa parede tem influência sobre o comportamento das pessoas do time, certo? Dependendo da maneira como os colaboradores são promovidos na organização, por exemplo, pode acontecer um incentivo explícito (ou implícito) a uma atuação mais individualista, ou em grupo. E ainda, se a equipe não tem nenhum tipo de documento que esclareça as expectativas de contribuição de cada papel, as pessoas podem ficar perdidas e não saberem em que trabalhar. Por fim, se o time não faz nenhuma reunião recorrente para conversar sobre seus processos e problemas, é bem possível que os incômodos fiquem represados, e isso piore cada vez mais o clima do time. Neste último caso, podemos até dizer que a “falta” de uma estrutura tem tanta influência quanto a presença de uma, no resultado final do jogo que estamos imaginando aqui. 

Nesse sentido, podemos descrever esses obstáculos mencionados acima como sendo “condições ou fatores que direcionam o fluxo de acontecimentos, afetando a probabilidade de emergência” de certo resultado. Ou seja, cada pedaço da estrutura gera influência, que torna o acontecimento de um determinado evento mais ou menos provável. Para fins didáticos, vamos chamar esses obstáculos de contornos.

No caso dos colaboradores que trabalham no processo de atendimento ao cliente que imaginamos, quando um chamado é atendido, as estruturas locais do time e da organização como um todo estão tendo influência direta no resultado desse  atendimento. Quais são as chances de um time que não tem expectativas claras, que não tem um momento recorrente para conversar e trabalha orientado a um processo de avaliação individual tem de prosperar em meio aos desafios que se apresentam diariamente?

Com tudo isso em mente, podemos concluir, então, que todos esses contornos mencionados, quando observados em conjunto, como obstáculos na parede do nosso jogo, formam um campo de probabilidades. Os contornos (e a falta deles) tornam alguns acontecimentos mais prováveis e outros menos. Essa é a maneira como a autora Alicia Juarrero descreve o funcionamento das enabling constraints, que traduzi aqui como contornos habilitadores. São as estruturas que aumentam ou diminuem a chance de determinados eventos acontecerem.

Aprendendo com os resultados

Vamos voltar para o nosso exemplo da equipe de atendimento. E se existisse um desejo, seja do próprio time, ou da organização como um todo, de gerar resultados diferentes? E se houvesse uma vontade de melhorar o clima entre as pessoas do time, e de ajudá-las a fazer seu trabalho com mais velocidade e qualidade? Será que é possível executar um plano de ação infalível que com certeza vai realizar esse desejo? 

De acordo com tudo que vimos até agora é impossível  responder sim. Quando uma bolinha entra na parede, não dá pra saber de antemão onde ela vai cair. Mas dá pra saber exatamente em que obstáculos ela bateu até chegar em uma caixinha lá embaixo. Por isso, para tentar tornar algum tipo de resultado mais provável, o time teria que fazer testes. Criar alguma estrutura nova, por exemplo, como uma reunião semanal estruturada e observar se houve mudança nos resultados finais. Qualquer mudança, por menor que seja, nessa estrutura da parede, ou seja, no nosso campo de probabilidades, pode ter um impacto positivo ou negativo nos eventos gerados. Mas, lembrando que, de antemão, é impossível ter certeza do que vai acontecer.

O que nos cabe nesse jogo é experimentar e observar. Testar e ver o resultado. Tentar mexer nas probabilidades, apostando em uma intervenção que pareça boa o suficiente para testar. Em outras palavras, podemos dizer que se trata de um processo iterativo, em que os resultados são, na verdade, aprendizados que nos ajudam a saber se as estruturas definidas estão nos aproximando ou afastando da realidade desejada.

Conclusão

As estruturas de uma organização, assim como a falta delas tem profunda influência na forma como as pessoas agem e interagem. Podemos dizer, inclusive, que existem influências que nem são tão óbvias assim, e acabam passando despercebidas quando se tenta fazer um trabalho de melhorias de clima, de processos, de resultados… E todas elas, juntas, criam um campo de probabilidades, que podem favorecer o acontecimento de vários resultados não intencionados pela organização. Mas isso não significa que somos, necessariamente, vítimas das estruturas, pois elas podem ser mudadas. E embora seja impossível prever exatamente os efeitos mediatos e imediatos de uma mudança, não significa que não possamos manter uma postura investigativa diante delas, aprendendo a cada resultado gerado, e informando cada vez mais o processo de modelagem de uma estrutura. 

Diariamente, estamos imersos em vários desses campos de probabilidades, e participando de rodadas simultâneas de um complexo jogo de The Wall. O que não sabemos, a princípio, é exatamente o grau de influência que cada uma das estruturas da organização tem sobre os eventos que acontecem. E se quisermos gerar resultados diferentes, não vai ter fórmula mágica. Vamos precisar aceitar as regras do jogo, e brincar com elas. Experimentar com as estruturas, observar o que acontece, e experimentar de novo. Bora jogar?