Imagine a seguinte cena: você está em uma reunião de diretoria, discutindo um problema recorrente que tem afetado a produtividade da empresa. Após algumas horas de discussão acalorada, alguém bate na mesa e declara: “Precisamos encontrar a causa raiz desse problema e eliminá-la de uma vez por todas!” Todos na sala concordam, e a equipe parte em uma missão para identificar a fonte de todos os males, armada com post-its, flipcharts e uma ferramenta de análise de causa raiz.

A busca pela causa raiz tem sido uma constante nas organizações por décadas, uma abordagem amplamente aceita e raramente questionada. Afinal, faz sentido, não é? Se pudermos identificar a causa subjacente de um problema, poderemos eliminá-la e evitar que o problema ocorra novamente. É uma ideia simples, direta e reconfortante em sua clareza.

No entanto, a busca pela causa raiz pode não ser tão simples quanto parece. Em nossa ânsia por respostas claras e soluções definitivas, podemos estar negligenciando a complexidade inerente aos sistemas organizacionais. A própria noção de causa raiz pode ser inadequada para lidar com os desafios mais espinhosos que enfrentamos no século XXI.

Pense nos problemas mais difíceis que sua organização enfrenta atualmente. Eles geralmente envolvem múltiplos departamentos, processos interconectados e uma miríade de fatores humanos e tecnológicos. Esses problemas são como emaranhados de fios, onde cada fio está entrelaçado com muitos outros de maneiras sutis e muitas vezes imprevisíveis. Puxar um único fio raramente resolve o emaranhado; na verdade, pode torná-lo ainda mais caótico.

Neste artigo, exploraremos as limitações da análise de causa raiz quando aplicada a sistemas complexos e questionaremos os pressupostos subjacentes a essa abordagem. Também apresentaremos abordagens alternativas para lidar com a complexidade nas organizações, abordagens que reconhecem a incerteza, valorizam múltiplas perspectivas e promovem a aprendizagem contínua.

Origens da noção de causa raiz

A noção de causa raiz não surgiu do nada; ela tem suas raízes em uma série de abordagens e movimentos que moldaram o pensamento organizacional ao longo do século XX. Para entender as limitações da análise de causa raiz, é útil examinar o contexto histórico e intelectual do qual ela emergiu.

As origens da análise de causa raiz podem ser traçadas até o movimento da gestão da qualidade, que ganhou força após a Segunda Guerra Mundial. Naquela época, pioneiros como W. Edwards Deming, Armand Feigenbaum e Joseph Juran introduziram conceitos e ferramentas estatísticas para melhorar a qualidade e a eficiência dos processos de manufatura. Eles enfatizaram a importância de identificar e eliminar as causas de defeitos e variações nos produtos.

Um dos principais contribuidores para o desenvolvimento da análise de causa raiz foi Kaoru Ishikawa, um engenheiro japonês que desempenhou um papel fundamental no movimento da qualidade total. Ishikawa criou o diagrama de causa e efeito, também conhecido como diagrama de Ishikawa ou de espinha de peixe, como uma ferramenta para identificar as causas potenciais de um problema de qualidade. O diagrama organiza as causas em categorias principais, como mão de obra, máquinas, materiais, métodos, medição e meio ambiente.

O movimento da qualidade total(TQM), que ganhou força na década de 1980, ampliou ainda mais a aplicação da análise de causa raiz. Esse movimento enfatizava a melhoria contínua dos processos e o envolvimento de todos os membros da organização na busca pela qualidade. A análise de causa raiz se tornou uma ferramenta essencial nesse contexto, usada para identificar e eliminar as causas de problemas de qualidade em toda a organização.

Ao longo das décadas seguintes, a análise de causa raiz se tornou uma prática padrão em muitas indústrias, desde a manufatura até a saúde e a aviação. Várias técnicas e ferramentas foram desenvolvidas para apoiar o processo, como os Cinco Porquês, a Análise de Árvore de Falhas e a Análise de Modos de Falha e Efeitos (FMEA). Essas técnicas compartilham a premissa de que os problemas podem ser rastreados até causas específicas e que, ao eliminar essas causas, os problemas podem ser resolvidos de forma definitiva.

No entanto, é importante reconhecer que essas abordagens são essencialmente oriundas da engenharia e se baseiam no pressuposto do conhecimento objetivo. Elas tendem a ignorar as contribuições das ciências sociais, que há muito tempo reconhecem a complexidade inerente aos sistemas sociais. 

A persistência da análise de causa raiz nas organizações contemporâneas pode ser atribuída, em parte, a um processo sistemático de marginalização das ciências sociais dentro das disciplinas de administração e gestão. Como resultado, muitos profissionais são expostos apenas a abordagens objetivas e lineares, derivadas da engenharia, para lidar com a complexidade dos sistemas sociais e do comportamento humano.

Técnicas associadas à busca da causa raiz

Ao longo das décadas, várias técnicas e ferramentas foram desenvolvidas para apoiar o processo de análise de causa raiz. Embora as técnicas sejam muitas, o processo é quase sempre o mesmo. Faz-se uma linha do tempo dos problemas identificados, aplica-se um conjunto de técnicas para análise de causa raiz e depois elabora-se um plano de ação para encaminhar as soluções propostas. Essas técnicas são amplamente utilizadas em diversas indústrias e setores, desde a manufatura até a saúde e a aviação. Nesta seção, examinaremos algumas das técnicas mais comuns associadas à busca da causa raiz, explorando suas origens e as metodologias às quais estão associadas.

  • Cinco Porquês: Desenvolvida por Sakichi Toyoda, fundador da Toyota Industries, e popularizada por Taiichi Ohno, pai do Sistema Toyota de Produção, a técnica dos Cinco Porquês é uma abordagem iterativa para explorar as relações de causa e efeito subjacentes a um problema. Ela envolve perguntar “por quê” repetidamente até chegar à causa raiz. Embora seja uma ferramenta valiosa para a resolução de problemas, os Cinco Porquês podem levar a uma simplificação excessiva, ignorando múltiplas causas contribuintes e interações complexas.
  • Diagrama de Ishikawa (Espinha de Peixe): Criado por Kaoru Ishikawa, um pioneiro do movimento da qualidade total no Japão, o diagrama de causa e efeito é uma ferramenta visual que organiza as possíveis causas de um problema em categorias principais. Também conhecido como diagrama de espinha de peixe devido à sua aparência, ele é frequentemente usado em conjunto com outras ferramentas de qualidade, como o brainstorming e a análise de Pareto. Embora útil para considerar uma ampla gama de fatores, o diagrama de Ishikawa ainda pode levar a uma análise linear e estática.
  • Análise de Árvore de Falhas (FTA): Desenvolvida por H.A. Watson, da Bell Laboratories, em 1962, a FTA é uma técnica dedutiva usada para identificar as causas potenciais de um evento indesejado. Ela cria uma representação visual das relações causais, usando símbolos lógicos para mostrar como diferentes falhas podem se combinar para produzir a falha principal. A FTA é amplamente utilizada em indústrias de alta confiabilidade, como energia nuclear e aviação, mas ainda se baseia em uma visão determinística e linear da causalidade.
  • Análise de Modos de Falha e Efeitos (FMEA): Originada na indústria aeroespacial na década de 1960, a FMEA é uma abordagem sistemática para identificar possíveis modos de falha em um sistema, produto ou processo. Ela foi formalizada em um procedimento militar americano, MIL-P-1629, e posteriormente adaptada para uso em outras indústrias. A FMEA atribui classificações de severidade, ocorrência e detecção a cada modo de falha, priorizando as áreas para melhoria. No entanto, ela pode não capturar adequadamente as interações complexas e os efeitos emergentes em sistemas adaptativos.
  • Análise de Barreira: Desenvolvida por James Reason, um psicólogo britânico, como parte de seu trabalho sobre o modelo do queijo suíço para acidentes organizacionais, a Análise de Barreira se concentra em identificar as barreiras que deveriam ter prevenido um evento indesejado e determinar por que essas barreiras falharam. Essa técnica é frequentemente usada em conjunto com a análise de causa raiz em indústrias de alta confiabilidade. No entanto, a Análise de Barreira pode levar a uma abordagem de “defesa em profundidade” que não aborda adequadamente a complexidade e a adaptabilidade dos sistemas sociotécnicos modernos.

Esta não é uma compilação exaustiva de todas as técnicas associadas ao tema da análise de causa raiz. Elas são, no entanto, as que eu mais observo sendo usadas nas organizações em que trabalho. Embora essas técnicas tenham seu valor e possam levar a melhorias incrementais, elas compartilham algumas limitações inerentes. Todas elas, em maior ou menor grau, se baseiam em noções lineares de causalidade, pressupõem a previsibilidade dos sistemas e correm o risco de simplificação quando se trata de sistemas complexos.

Todas essas abordagens, no entanto, podem oferecer algo de útil em problemas complicados desde que usadas com uma perspectiva crítica. Repare que eu disse “algo de útil”. Pessoalmente eu abandonaria essas abordagens por completo, mas entendo que é difícil fazer isso quando é o que se aprendeu a vida toda.

Pressupostos falaciosos da análise de causa raiz

Embora amplamente adotada e considerada uma prática padrão em muitas organizações, a análise de causa raiz se baseia em uma série de pressupostos problemáticos que podem limitar sua eficácia quando aplicada a sistemas complexos. Vamos dar uma olhada em alguns desses pressupostos e entender por que eles podem ser inadequados para lidar com a complexidade inerente às organizações.

  • Conhecimento objetivo da realidade social: A análise de causa raiz assume que é possível obter um conhecimento objetivo e imparcial dos sistemas sociais e organizacionais. Esse pressuposto positivista ignora o papel das interpretações subjetivas, dos significados compartilhados e das relações de poder na construção da realidade social. Em sistemas complexos, múltiplas perspectivas e interpretações coexistem, tornando problemática a noção de uma única verdade objetiva.
  • Causalidade linear e determinística: As técnicas de análise de causa raiz geralmente se baseiam em modelos lineares de causalidade, nos quais uma causa leva a um efeito de maneira previsível e determinística. No entanto, em sistemas complexos, as relações de causa e efeito são frequentemente não-lineares, recíprocas e emergentes. Múltiplos fatores interagem de maneiras imprevisíveis, tornando difícil isolar causas únicas ou prever resultados com certeza.
  • Reducionismo e simplificação excessiva: A busca pela causa raiz muitas vezes envolve a decomposição de problemas complexos em componentes menores e mais gerenciáveis. Embora essa abordagem reducionista possa ser útil em alguns contextos, ela corre o risco de simplificar excessivamente a realidade e ignorar as interações críticas entre os componentes. Em sistemas complexos, as propriedades emergentes e os padrões de comportamento surgem das interações entre as partes, não podendo ser compreendidos apenas pela análise das partes isoladas.
  • Foco em eventos isolados ao invés de padrões: A análise de causa raiz tende a se concentrar em eventos específicos ou falhas, buscando identificar as causas imediatas desses incidentes. Essa abordagem pode negligenciar os padrões mais amplos e as condições subjacentes que dão origem a problemas recorrentes. Em sistemas complexos, os eventos são frequentemente sintomas de dinâmicas mais profundas e estruturas subjacentes que requerem uma análise mais crítica.
  • Suposição de previsibilidade e controle: Implícita na análise de causa raiz está a suposição de que, uma vez identificadas as causas, é possível prevenir a recorrência de problemas por meio de intervenções específicas e controle gerencial. No entanto, em sistemas complexos adaptativos, a mudança é constante, a incerteza é inevitável e o controle é limitado. Tentar impor soluções rígidas e de cima para baixo pode levar a consequências não intencionais e minar a capacidade de adaptação do sistema.

Esses pressupostos problemáticos revelam as limitações fundamentais da análise de causa raiz quando aplicada a sistemas complexos. Para lidar efetivamente com a complexidade, é necessário um conjunto diferente de abordagens e visões de mundo que reconheçam a natureza dinâmica, emergente e não-linear dos sistemas sociais.

A natureza dos problemas complexos

Para entender por que a análise de causa raiz pode ser inadequada em certos contextos, é preciso examinar a natureza dos problemas complexos e como eles diferem dos problemas complicados. Nesta seção, exploraremos essas distinções usando o framework Cynefin como guia, e discutiremos as implicações da complexidade para a compreensão das relações de causa e efeito e a importância do contexto e das interconexões.

Distinção entre problemas complexos e complicados

O framework Cynefin, desenvolvido por Dave Snowden, oferece uma maneira útil de categorizar problemas e situações com base em sua complexidade e incerteza. De acordo com o Cynefin, os sistemas podem ser classificados em cinco domínios: claro, complicado, complexo, caótico e confuso. Cada domínio exige uma abordagem diferente para desenvolver soluções.

Os problemas que ocorrem no domínio complicado, embora desafiadores(como construir um foguete por exemplo), podem ser analisados e resolvidos por meio da aplicação de conhecimento especializado e técnicas analíticas. Eles geralmente têm relações de causa e efeito claras e previsíveis, e as soluções podem ser projetadas e implementadas com um alto grau de previsibilidade. Em contraste, os problemas complexos são caracterizados por interações dinâmicas e não-lineares entre múltiplos elementos, tornando difícil discernir relações de causa e efeito. As soluções para problemas complexos emergem através da adaptação e aprendizagem contínuas, ao invés de serem planejadas e controladas de cima para baixo.

O ponto essencial aqui é entender que, ao lidar com sistemas complexos, não adianta chamar um grupo de especialistas para diagnosticar o problema e desenvolver uma solução. Precisamos de múltiplas apostas para observar como o sistema se comporta e verificar se as nossas hipóteses fazem sentido a partir do comportamento do sistema observado. Para quem quiser ir um pouco mais fundo nisso, vale a pena investigar a diferença entre o raciocínio indutivo, dedutivo e abdutivo, sendo que o último é o que utilizamos para lidar com fenômenos sociais complexos.

Consequências da simplificação excessiva de problemas complexos

Quando problemas complexos são tratados como se fossem meramente complicados, e abordagens reducionistas como a análise de causa raiz são aplicadas sem considerar as características únicas dos sistemas complexos, várias consequências negativas podem surgir.

Interconexões podem ser ignoradas

Uma das principais armadilhas da aplicação da análise de causa raiz a problemas complexos é a tendência de ignorar as interconexões entre os elementos do sistema. Ao se concentrar na identificação de causas raízes isoladas, essa abordagem pode negligenciar as relações críticas e as influências mútuas que dão origem a comportamentos emergentes e resultados inesperados.

Quando as interconexões são ignoradas, as soluções propostas podem ser fragmentadas e simplistas, abordando apenas uma parte do sistema sem considerar os efeitos cascata em outras partes. Isso pode levar a melhorias localizadas e de curto prazo, mas falha em abordar as dinâmicas subjacentes que perpetuam os problemas a longo prazo.

Uma única causa pode ser assumida

A análise de causa raiz muitas vezes assume, implícita ou explicitamente, que existe uma única causa principal para um problema complexo. Essa suposição pode levar a uma simplificação excessiva da realidade, ignorando a multiplicidade de fatores contribuintes e suas interações dinâmicas.

Quando uma única causa é assumida, a atenção e os recursos podem ser direcionados de forma muito estreita, negligenciando outras áreas importantes que podem estar contribuindo para o problema. Além disso, a identificação de uma única causa pode criar uma falsa sensação de certeza e controle, levando a soluções prescritivas que não são robustas o suficiente para lidar com a variabilidade e a imprevisibilidade inerentes aos sistemas complexos.

Pode-se supor que um indivíduo é o culpado

Em algumas aplicações da análise de causa raiz, há uma tendência de atribuir a culpa por problemas complexos a indivíduos específicos, seja por suas ações ou decisões. Essa abordagem de “culpar e envergonhar” pode criar uma cultura de medo e defensividade, inibindo a aprendizagem e a melhoria contínua.

Quando se supõe que um indivíduo é o culpado, a atenção é desviada das condições sistêmicas e contextuais que podem ter contribuído para o problema. Isso pode levar a soluções punitivas ou superficiais que não abordam as causas subjacentes e não previnem a recorrência do problema.

Pode haver foco excessivo nos resultados

A análise de causa raiz muitas vezes se concentra em resultados específicos ou eventos indesejados, buscando identificar e eliminar as causas desses resultados. Embora a orientação para resultados seja importante, um foco excessivo nos resultados pode obscurecer a compreensão dos processos e padrões sistêmicos que os produzem.

Quando há um foco excessivo nos resultados, a ênfase pode ser colocada em soluções rápidas e reativas que tratam os sintomas visíveis, ao invés de abordar as condições subjacentes que geram esses sintomas. Isso pode levar a um ciclo de combate a incêndios, onde os problemas são temporariamente suprimidos, apenas para ressurgir mais tarde em uma forma diferente.

Caminhos alternativos para lidar com a complexidade

Dado as limitações da análise de causa raiz e as armadilhas da simplificação excessiva de problemas complexos,  devemos explorar abordagens alternativas que abracem a complexidade e ofereçam maneiras mais eficazes de navegar nos desafios organizacionais contemporâneos.

Abordagens qualitativas informadas pela complexidade

Para lidar com a natureza emergente e não-linear dos sistemas complexos, é necessário ir além das abordagens puramente quantitativas e reducionistas. As abordagens qualitativas, como a pesquisa-ação, a etnografia e a análise narrativa, podem oferecer insights valiosos sobre as dinâmicas sutis, as relações e os significados compartilhados que moldam os resultados organizacionais.

Essas abordagens qualitativas, quando informadas por uma compreensão da teoria da complexidade, podem ajudar os agentes de mudança a desenvolver uma apreciação mais rica dos sistemas em que estão inseridos. Ao se envolver em investigações aprofundadas e dialógicas, eles podem revelar padrões emergentes, ciclos de retroalimentação e pontos de alavancagem que podem não ser aparentes através de análises quantitativas isoladas.

Valorização de múltiplas perspectivas e participação dos stakeholders

Em sistemas complexos, nenhum indivíduo ou grupo possui uma compreensão completa da situação. Cada ator traz sua própria perspectiva única, moldada por sua experiência, posição e interesses. Para desenvolver uma compreensão mais holística dos desafios complexos, é essencial valorizar e incorporar múltiplas perspectivas.

Isso envolve ativamente a participação de diversos stakeholders, desde a linha de frente até a alta liderança, bem como atores externos, como clientes, parceiros e comunidades. Ao criar espaços seguros para o diálogo e a co-criação, as organizações podem aproveitar a inteligência coletiva e gerar soluções mais robustas e adaptativas.

Abordagens participativas, como o World Café, o Open Space Technology e Estruturas Libertadoras, podem facilitar o engajamento significativo dos stakeholders e promover a propriedade compartilhada dos desafios e soluções. Essas abordagens reconhecem que a sabedoria necessária para navegar na complexidade já existe dentro do sistema, e que o papel da liderança é criar as condições para que essa sabedoria possa emergir.

Experimentação e aprendizado contínuo

Em face à incerteza e imprevisibilidade inerentes aos sistemas complexos, a experimentação e o aprendizado contínuo se tornam imperativos. Ao invés de buscar soluções definitivas e de tamanho único, as organizações precisam adotar uma abordagem de teste de hipóteses e iteração ao invés de focar nos planos de ação.

Isso envolve projetar intervenções como experimentos, com resultados claros e métricas para acompanhar o progresso. Através de ciclos rápidos de feedback e ajustes, as organizações podem aprender o que funciona e o que não funciona em seu contexto específico, e adaptar suas abordagens de acordo.

Além disso, a criação de uma cultura de aprendizagem contínua, onde a falha é vista como uma oportunidade para o crescimento e não como algo a ser evitado a todo custo, é essencial.

Metodologias práticas para intervir em sistemas complexos

Além das abordagens gerais discutidas na seção anterior, existem várias metodologias específicas que foram desenvolvidas para lidar com a complexidade em contextos organizacionais. 

Antro-complexidade

A Antro-complexidade, desenvolvida por Dave Snowden, é uma abordagem que combina insights da teoria da complexidade, antropologia, ciências naturais e ciência cognitiva para lidar com a incerteza e a imprevisibilidade em sistemas sociais.

A Antro-complexidade enfatiza a importância de sondar sistemas complexos através de intervenções em pequena escala, observar os padrões emergentes e responder adaptando as estratégias. Ela também destaca o papel das narrativas e micro-narrativas na criação de sentido e na moldagem do comportamento em sistemas sociais complexos.

Soft Systems Methodology

A Soft Systems Methodology (SSM), desenvolvida por Peter Checkland, é uma abordagem para lidar com situações complexas que envolvem múltiplos atores com perspectivas e objetivos diferentes. Ela reconhece que em sistemas sociais, não existe uma definição única e objetiva do problema, e que diferentes stakeholders podem ter visões conflitantes sobre a situação e as soluções desejadas.

A SSM envolve um processo iterativo de exploração da situação problemática, desenvolvimento de modelos conceituais de sistemas de atividade propositada, comparação desses modelos com a situação do mundo real, e identificação de mudanças sistemicamente desejáveis e culturalmente viáveis. Através desse processo, a SSM busca facilitar o aprendizado e a acomodação entre diferentes perspectivas, ao invés de impor uma solução única.

Cultural Historical Activity Theory (CHAT)

A Cultural Historical Activity Theory (CHAT), com raízes no trabalho de psicólogos russos como Lev Vygotsky e Aleksei Leontiev, é uma abordagem que enfatiza a natureza mediada, situada e histórica da atividade humana. Ela vê as organizações como sistemas de atividade em que múltiplos atores se envolvem em ações orientadas a objetos, mediadas por artefatos culturais, regras e divisão do trabalho.

A CHAT oferece uma lente para analisar as contradições e tensões dentro e entre sistemas de atividade, que podem servir como fontes de mudança e inovação. Ela também destaca a importância de considerar o contexto histórico e cultural mais amplo em que a atividade está inserida, e como esse contexto molda e é moldado pela atividade ao longo do tempo.

Critical Systems Thinking

O Critical Systems Thinking (CST), desenvolvida inicialmente por Flood e Jackson, é uma abordagem que enfatiza a reflexividade crítica e a análise das relações de poder na delimitação e intervenção em sistemas sociais complexos. A CST desafia a noção popular de holismo dentro do pensamento sistêmico, argumentando que é impossível considerar todos os aspectos de um sistema simultaneamente.

Ao invés disso, a CST reconhece que as fronteiras dos sistemas são construções sociais que refletem certos julgamentos de valor e relações de poder. Ela enfatiza a necessidade de examinar criticamente como e por quem essas fronteiras são desenhadas, e quais perspectivas e interesses podem estar sendo marginalizados no processo.

Ao trazer à tona as dimensões éticas e políticas inerentes à análise de sistemas, a CST oferece um importante contraponto aos métodos tradicionais de análise de causa raiz. Ela nos lembra que nenhuma metodologia é neutra ou livre de valor, e que a reflexividade crítica sobre nossas próprias suposições e posicionamentos é essencial quando se lida com a complexidade.

Polarity Management

Polarity Management, desenvolvido por Barry Johnson, é uma abordagem para lidar com polaridades ou dilemas persistentes que não podem ser resolvidos escolhendo um polo em detrimento do outro. Exemplos de polaridades incluem centralização versus descentralização, estabilidade versus mudança, e foco interno versus externo.

Esta abordagem reconhece que ambos os polos de uma polaridade têm aspectos positivos e negativos, e que o desafio é otimizar os benefícios de ambos os polos enquanto minimiza suas desvantagens. Ele oferece um framework para mapear as polaridades, identificar os sinais de alerta precoce quando um polo está sendo super ou subenfatizado, e desenvolver estratégias para navegar na dinâmica da polaridade ao longo do tempo.

Diagrama de Análise Causal

O diagrama de análise causal, mais conhecido como Diagramas de Loops Causais(DLC) é uma técnica de modelagem sistêmica que pode ser útil para dissuadir as pessoas de buscar uma única causa raiz, ao ilustrar as interconexões e ciclos de retroalimentação que perpetuam os problemas em sistemas sociais.

Ao criar um DLC, os participantes são encorajados a considerar múltiplas causas e efeitos, e a explorar como eles se conectam em loops de feedback reforçadores ou balanceadores.

No entanto, é importante reconhecer que a técnica de DLC tem suas raízes na cibernética e na Systems Dynamics (SD), que compartilham alguns pressupostos positivistas problemáticos, como a suposição de que a realidade social é objetivamente conhecível e pode ser representada com precisão através de modelos computacionais.

Portanto, ao usar DLCs para lidar com a complexidade organizacional, é importante adotar uma abordagem reflexiva e crítica. Ao invés de tratá-los como representações objetivas da realidade, os DLCs devem ser vistos como ferramentas para o sense-making colaborativo e a aprendizagem dialógica.

Usado dessa maneira, como uma forma de modelagem qualitativa que convida múltiplas perspectivas e interpretações, os DLCs podem apoiar conversas mais ricas sobre a dinâmica do sistema, sem impor uma visão única e definitiva da situação.

Conclusão

Ao longo deste artigo, exploramos as limitações da análise de causa raiz quando aplicada a problemas complexos em contextos organizacionais. Eu expus o meus argumento de que a busca por causas raízes únicas e definitivas é inadequada para lidar com a natureza interconectada, emergente e contextual dos desafios enfrentados pelas organizações e pela sociedade como um todo.

A análise de causa raiz corre o risco de simplificar excessivamente a realidade, ignorar as interconexões críticas e levar a soluções insustentáveis. Quando aplicada acriticamente, ela pode perpetuar ciclos de culpa e medo, sufocar a inovação e minar a capacidade adaptativa das organizações.

É por isso que aqui eu defendo uma mudança de perspectiva que abrace a complexidade inerente aos sistemas sociais. Isso envolve adotar abordagens qualitativas, participativas e orientadas para o aprendizado que valorizam múltiplas perspectivas, incentivam a experimentação e promovem a reflexividade crítica.

Na Target Teal, estamos comprometidos em desenvolver e aplicar abordagens autorais para lidar com a complexidade organizacional, inspiradas nas metodologias e perspectivas discutidas neste artigo.

Nosso objetivo é facilitar processos de investigação participativa e aprendizagem coletiva que capacitem as organizações a navegar na incerteza, adaptar-se à mudança e gerar soluções inovadoras para os desafios complexos que enfrentam.

Convidamos as pessoas leitoras a se juntarem a nós nessa jornada de exploração e descoberta, desafiando as abordagens tradicionais e abraçando novas maneiras de pensar e agir em face à complexidade. Ao adotar uma postura de curiosidade, abertura e reflexividade, podemos coletivamente desenvolver práticas organizacionais mais adequadas aos desafios e oportunidades do século XXI.
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Sobre o(a) autor(a): Ravi Resck

Ravi é um hacktivista social, atuando também como facilitador, designer organizacional e mapeador de sistemas sociais. Se dedica ao estudo de metodologias colaborativas e à complexidade dentro dos contextos organizacional, relacional e ambiental. Sua experiência se estende de empresas de todos os portes até cooperativas e associações do 3° setor, tanto no Brasil como em cenário global. Ademais, Ravi tem um histórico de envolvimento com Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs), no mapeamento de redes sociais em organizações de grande escala e na criação e manutenção de comunidades de prática dentro e fora de empresas.

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