Promover uma mudança na estrutura de uma organização, ou seja nas práticas, ferramentas, políticas, etc, é um desafio imenso, porém é o caminho que apostamos para afetar uma cultura organizacional. Contudo, frequentemente encontramos um ceticismo em relação a essa abordagem e demandas irrealistas para mudarmos as crenças ou os modelos mentais das pessoas antes de mudar estruturalmente algo. 

Muitas vezes, tal ceticismo deriva de experiências anteriores com transformações estruturais que não deram certo. Ao longo dos anos, percebi que cinco fatores essenciais costumam precipitar transformações desastrosas em organizações.

Pouco Suporte

Uma transformação bem-sucedida depende da informação e suporte proporcionados às pessoas envolvidas. Quando os membros de uma organização não são informados ou não recebem o apoio necessário durante uma transformação, o resultado é resistência, confusão e, muitas vezes, falha. E não é só treinamento, mas outros tipos de suporte como mentoria, espaços seguros de prática, etc. 

Exemplo: Uma tradicional empresa de revenda de autopeças decide adotar um novo software de gerenciamento de inventário que vai agilizar a compra e o envio de produtos. No entanto, a direção decide economizar na formação dos funcionários. Quando o software é implementado, muitos funcionários tentam usá-lo, mas não conseguem. O inventário fica bagunçado, os pedidos são perdidos, e a produtividade cai. A direção atribui o fracasso à baixa disposição das pessoas em adotar novas tecnologias. 

Tensões Não Reveladas

As razões para uma mudança estrutural devem ser transparentes e conhecidas. Se as pessoas não compreendem ou, pior, não acreditam na justificativa apresentada para a mudança, elas não se sentirão motivadas a aderir ou apoiar a transformação. 

Exemplo: Uma grande empresa do ramo financeiro, decide criar uma política exigindo que todos compareçam 3 dias no escritório por semana, ao invés de total liberdade para fazer o trabalho remoto. A direção justifica a mudança dizendo que é para melhorar a produtividade. No entanto, muitos empregados suspeitam que a verdadeira razão seja a necessidade de justificar aos acionistas a reforma milionária feita nos prédios da sede antes da pandemia. Com a falta de clareza e comunicação aberta sobre a real razão da mudança, os funcionários se tornam ressentidos, o que aumenta consideravelmente a saída de pessoas da organização. 

Design Ingênuo

Quando as mudanças são feitas na superfície, imitando estruturas e práticas bem-sucedidas em outros contextos, sem compreender os fundamentos subjacentes que fazem essas estruturas funcionarem. Ou mesmo quando não se compreende como uma mudança específica interage com outras partes da organização, correndo o risco de propor soluções ineficazes ou antipadrões. Um possível remédio para evitar esse fator é fazer o uso de ciclos curtos de experimentação, além de estudar mais os conceitos de padrões e antipadrões no design organizacional. Temos também uma outra abordagem que ensinamos do curso Culture Hacking que ajuda a diminuir essa ingenuidade que chamamos de “forças narrativas”.

Exemplo: Uma empresa familiar do ramo de telecomunicações após observar o sucesso da concorrência em criar uma cultura de inovação, decide criar uma “Sala de Inovação”, repleta de mobiliário moderno, quadros brancos e aparelhos tecnológicos. As pessoas até recebem treinamento em design thinking e processos de inovação, no entanto, não são feitas mudanças nas políticas da empresa, estruturas de times ou incentivos. A sala fica subutilizada pois os funcionários não vêem vantagens em utilizá-la. Os diretores dizem que falta o mindset adequado para que uma “cultura de inovação” prospere. 

Para inglês ver ou “Eisenbahnscheinbewegung”

Muitas propostas são “mudança de fachada”, ou seja, realizada apenas para dar a impressão de progresso, sem qualquer intenção genuína de implementar mudanças reais.

Os alemães que criam palavras unindo outras, tem um termo que illustra isso bem, o  “Eisenbahnscheinbewegung” que se traduz literalmente como “movimento ilusório de trem” e encapsula a ideia de se sentir como se estivesse se movendo quando, na realidade, está parado. Não espero que você lembre desse palavrão, mas só na cena do trem parado na estação enquanto outros vagões ao lado se movem e geram a sensação de movimento.

Quando percebemos que fomos enganados, ficamos furiosos e perdemos a capacidade de acreditar em propostas futuras, mesmo que legítimas. 

Exemplo: Uma empresa metalúrgica, tentando acompanhar as tendências modernas de sustentabilidade, anuncia um grande plano para se tornar “verde”. Eles reformam a recepção com plantas, instalando luzes de baixo consumo e colocam cartazes sobre reciclagem por todo o escritório. No entanto, atrás das cenas, a empresa não faz mudanças significativas em suas práticas insustentáveis. Os funcionários, percebendo a incongruência entre a imagem projetada e a realidade, sentem-se desiludidos e céticos sobre mudanças futuras. 

Violência simbólica desmedida

Num mundo ideal toda proposta de mudança estrutural seria desenhada livremente por aqueles que são impactados pela mudança. Mas sabemos que o que acontece de fato não é assim. Normalmente a mudança cultural é proposta por um sponsor, isto é, alguém que tem autoridade para bancar a mudança dentro da organização. E, assim, temos um processo de imposição, por mais democrático que seja, ou seja, existe em muitos casos de transformação organizacional uma certa violência simbólica, onde estamos propondo um novo jeito de trabalhar para alguém que não conhece esse novo jeito e não pediu por ele. E quando fazemos isso de maneira presunçosa, ignorando os saberes, experiências e necessidades presentes, estamos usando a nossa autoridade para subjugar uma outra pessoa e isso é violento simbolicamente. 

Essa violência pode causar danos morais ou psicológicos nas pessoas. Isso pode realmente traumatizar.

Exemplo: Em um conglomerado de mídia, a diretoria decide implementar um novo modelo de trabalho digital para acompanhar as rápidas mudanças tecnológicas do setor. A alta gestão contrata uma consultoria externa de renome para desenhar e implementar a nova estrutura.

Na apresentação do novo modelo, os funcionários de longa data, alguns dos quais trabalharam na empresa por décadas, descobrem que suas rotinas diárias serão radicalmente alteradas. Além disso, termos e jargões tecnológicos que não fazem sentido para a realidade deles são introduzidos, enquanto seus anos de experiência e expertise são subestimados e deixados de lado.

Mariana, uma jornalista veterana, encontra dificuldade em se adaptar ao novo sistema. Ela sente que sua vasta experiência e contribuição ao longo dos anos foram repentinamente invalidadas. A nova estrutura sugere, de forma implícita, que seus métodos tradicionais são obsoletos, mesmo que tenham se provado eficazes ao longo do tempo. Mariana começa a se sentir desvalorizada, o que afeta sua autoestima e confiança. Ela passa a ter crises de ansiedade antes de cada reunião de equipe, temendo ser vista como “desatualizada” ou “irrelevante”. O caso dela não é isolado.

Surgem efeitos de segunda ordem, por conta da violência perpetrada, a moral e motivação vai para níveis baixos e a produtividade também cai.

Tem tudo para dar errado

Esses cinco fatores podem estar presentes ao mesmo tempo em uma só organização, além de existirem outras razões específicas ao contexto ou mudança proposta. Por exemplo, é comum quando uma organização começa a adotar práticas de autogestão, que as pessoas com mais poder e privilégio, descubram na pele o que significa perder um pouco disso e acabam por retirar seu apoio e até demandarem o fim dos experimentos com essas práticas. 

Mesmo com todos esses desafios ainda acredito que o melhor caminho para uma mudança profunda passe obrigatoriamente pelas estruturas. Não acho justo e nem prático demandar um novo comportamento ou modelo mental de uma pessoa sem propor estruturas que suportam ou incentivam isso. Cabe estarmos atentos pelo menos a esses fatores, que podem fazer de uma mudança estrutural um verdadeiro desastre. 

Este texto é um enxerto do nosso livro “Hacking Cultural – Um guia prático para agentes de mudança” que será lançado em breve. Inscreva-se na nossa newsletter para receber novidades sobre o lançamento!