Na minha trajetória como consultora, me deparei com algumas organizações com intenções sinceras de cultivar o bem-estar de seus membros criando ambientes propícios à abertura e compartilhamento de temas que abrangem tanto as relações interpessoais quanto as questões organizacionais. Porém, mesmo com essas boas intenções, frequentemente observo desdobramentos contraproducentes. Gostaria de destacar algumas dinâmicas que percebi quando o assunto ‘pessoas’, especialmente nas esferas de relacionamentos, sentimentos e emoções, são abordadas por meio de diálogos individuais. Nessas situações, as bem-intencionadas iniciativas da organização em cuidar podem inadvertidamente resultar em desafios, conflitos e obstáculos a uma dinâmica organizacional saudável. Vou relatar três problemas comuns. 

1) Envolvimento de Terceiros em Conflitos Pessoais

A abordagem individualizada e um-a-um pode envolver terceiros em conflitos que poderiam ser resolvidos de maneira mais eficaz pelas partes diretamente envolvidas. Essa intervenção não intencional pode criar uma dinâmica de dependência, impedindo que os indivíduos assumam a responsabilidade pessoal e abordem as situações diretamente. Os envolvidos também perdem a oportunidade de participar de um processo que pode ser bastante curativo e fortalecer relações.

Essa dinâmica, frequentemente alinhada ao conceito do Triângulo do Drama proposto por Stephen Karpman, ilustra como os participantes assumem os papéis de Salvador, Vítima ou Perseguidor. O ouvinte/cuidador designado pode, inconscientemente, tornar-se o Salvador, percebido como aquele que resolve todos os problemas, enquanto a pessoa que expressa preocupações pode oscilar entre os papéis de Vítima e Perseguidor. Mesmo com boas intenções, quando sinto que a minha responsabilidade é cuidar da dor do outro, mas não estou considerando que o outro está se responsabilizando por seus sentimentos, não crio espaço para a pessoa elaborar e criar seus próprios caminhos.  Eu trago para mim e desconsidero o outro, dificultando a resolução genuína de problemas e fomentando dependência, em vez de autonomia e responsabilidade pessoal.

Quando nos envolvemos em trabalhos de equipe, nos envolvemos com pessoas, e onde há envolvimento, sempre haverá conflitos, mas também existe uma grande oportunidade de nos conhecermos melhor a nós mesmos e aos nossos colegas. Ao interagir com as pessoas, temos a oportunidade de trabalhar com uma variedade de personalidades, estilos de aprendizagem e pessoas comuns que têm suas peculiaridades. Ao lidar diretamente com conflitos, não requer necessariamente mediação de terceiros, mas sim um espaço para ouvir com curiosidade, momentos para ver o outro e ser visto. Claro, isso exige coragem e paciência, mas os resultados podem ser muito gratificantes e até levar a uma compreensão mais profunda da outra pessoa e a uma conexão empática aprofundada e consideração por nossos colegas, com os quais passamos tanto tempo diariamente.

2) Tensões Relacionais Não Transcendem para a Estrutura

Um desafio significativo surge quando tensões e preocupações compartilhadas individualmente falham em transcender as conversas particulares, permanecendo confinadas a um escopo estreito. Embora as discussões individuais sejam essenciais para compreender perspectivas pessoais, causar um impacto duradouro no crescimento organizacional requer uma abordagem estrutural.

É importante ter mecanismos para traduzir insights pessoais em adaptações estruturais, como papéis refinados ou acordos atualizados. Esse passo transformador reconhece a interconexão das experiências individuais com as dinâmicas organizacionais mais amplas. No contexto de abordar tensões relacionais, isso implica que promover uma mudança na cultura organizacional requer ajustes estruturais que refletem os insights obtidos das interações individuais. Ao integrar esses insights pessoais à estrutura da organização, torna-se possível cultivar uma cultura de melhoria contínua.

Entender a interdependência entre indivíduos e os sistemas em que operam garante que os insights das discussões individuais informem estratégias organizacionais mais amplas, sendo crucial para adotar um modelo de gerenciamento “sentir e responder”, onde as tensões são abordadas proativamente por meio de modificações estruturais em antecipação a desafios integrativos.

Em essência, abordar tensões relacionais vai muito além de conversas individuais e estende para mudanças sistêmicas. A integração de experiências pessoais na estrutura organizacional possibilita que as organizações ultrapassem soluções superficiais, abrindo caminho para uma transformação mais profunda e regenerativa.

3) Falta de Transparência e Aprendizado Coletivo

A ênfase excessiva em cuidar do espaço relacional a partir de diálogos um-a-um pode resultar em falta de transparência e prejudicar o aprendizado coletivo. Ao tornar as experiências individuais mais compartilhadas e visíveis ao grupo, o entendimento coletivo pode ser enriquecido, contribuindo para um ambiente onde todos contribuem ativamente para o crescimento mútuo. Quando as experiências pessoais são compartilhadas abertamente, cria-se um senso de conexão entre os membros da equipe.

O compartilhamento transparente pode ajudar a construir uma ponte de empatia e compreensão dentro da equipe. Os colegas ganham insights sobre as perspectivas, lutas e triunfos uns dos outros. Essa compreensão compartilhada reduz mal-entendidos, aprimora a colaboração e nutre um ambiente onde os indivíduos se sentem vistos e ouvidos. 

Priorizar a transparência e o compartilhamento de experiências individuais dentro de um espaço coletivo não se trata apenas de disseminar informações – trata-se de construir conexões, nutrir empatia, acelerar o aprendizado, resolver conflitos e solidificar a identidade coletiva da organização. Adotar a transparência, em um ambiente seguro, é fundamental para fomentar um ambiente onde cada membro contribui ativamente para seu próprio desenvolvimento e o crescimento dos pares.

Cuidando das relações e atuando no sistema

Na Target Teal, acreditamos na necessidade de promovermos  sistemas emancipatórios que permitam aos indivíduos se emanciparem e cuidarem de si mesmos. Tais sistemas abrangem dimensões tanto estruturais quanto relacionais. Componentes vitais incluem estabelecer acordos claros, definir expectativas, proporcionar espaços para lidar com tensões organizacionais e relacionais, e fomentar um ambiente seguro que promova comunicação transparente, responsabilidade pessoal e a aberta compartilhamento de emoções. Para explorar os aspectos matizados e profundamente recompensadores da dimensão relacional, convidamos você a se juntar a nós em nosso curso – CURA. Por meio desta vivência, você participará de experiências práticas, experimentando a criação de espaços seguros, facilitando interações na esfera relacional e transcendendo os elementos estruturais para instigar mudanças organizacionais profundas que priorizam tanto a organização quanto as conexões interpessoais. Enfim, uma organização não é feita das pessoas que fazem parte dela mas das relações que estabelecidas entre elas.

Referências:

Karpman, S. (2014).  A Game Free Life: The New Transactional Analysis of Intimacy, Openness, and Happiness, San Francisco: Drama Triangle Publications. 

Edmondson, Amy C. (2018).  The Fearless Organization: Creating Psychological Safety in the Workplace for Learning, Innovation, and Growth. Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.

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Cuidando das Relações e Afetos

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Sobre o(a) autor(a): Tanya Stergiou

Tanya Stergiou é facilitadora, hacker cultural e designer organizacional e sócia da Target Teal, motivada por desafiar velhos padrões e detectar novos. Usa Organização Orgânica, Dragon Dreaming, Action Learning para ajudar organizações e grupos na transição para sistemas responsivos com autonomia, integridade e poder distribuído. Há mais de 20 anos trabalha com facilitação, projetos e organizações em contextos diversos com foco em criar espaços coletivos de aprendizagem e gestão. Tem mestrado em Política e Economia com foco na Ásia e América Latina pela escola Normal Patterson School of International Affairs.

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