Você deve conhecer a receita padrão para a gestão de desempenho em equipes e organizações:

  1. Defina mecanismos para medir o desempenho em várias dimensões;
  2. Calcule os níveis atuais de performance nessas dimensões;
  3. Defina metas para a melhoria dos níveis de desempenho nos próximos períodos (semanas, meses, etc);
  4. Adicione incentivos para os times ou pessoas que atingirem as metas;
  5. Monitore de perto;

Parece um método eficaz para gerar:

  • Alinhamento e foco no que é importante
  • Motivação dos colaboradores
  • Sensação de progresso e conforto quando a meta é atingida

Antes de você parar de ler e achar que seguimos ou recomendamos essa receita, vamos olhar os efeitos colaterais dela:

Otimização Local

Quando um time ou pessoa persegue uma meta, é muito comum acontecer uma otimização local. Ou seja, ao focar exclusivamente em seus interesses uma equipe pode gerar prejuízo a outro time ou até para a organização no longo prazo.  

Vejamos dois exemplos:

Otimização local no espaço – Um time de vendas que tem como meta um certo valor de faturamento por mês, pode para bater a meta prometer prazos de entrega no limite ou totalmente irreais, deixando a equipe responsável por entregar o projeto ou produto em uma enrascada. No final a reputação da empresa acaba sendo prejudicada.  

Otimização local no tempo –  Um time de desenvolvimento de um aplicativo que tem como meta produzir novas funcionalidades a cada semana poderá deixar para trás o que é chamado de “dívida técnica”, ou seja, uma base de código que trará muitos problemas para atualizações e resolução de bugs no futuro.

Perda de tempo e energia

Os gestores e colaboradores investem um tempo e energia considerável:

  • Estimando ou chutando valores que precisam ser atingidos, muitas vezes sem levar em conta que as condições do mercado/ambiente/produto mudaram do último ano para esse ou que ainda vão mudar nos próximos três meses.
  • Negociando as metas, às vezes dentro de um jogo dissimulado entre o gestor e os colaboradores. Cada um tentando aliviar para o seu lado.
  • Medindo tudo que pode ser medido. Marcando cada pausa feita na central de telemarketing. Planilhando, calculando e checando se não existe ninguém manipulando os números.
  • Justificando porque uma meta não foi atingida. Mesmo que a meta tenha sido chutada, mesmo que as condições tenham mudado radicalmente. O colaborador ou gestor, para não perder sua reputação, precisa fazer um malabarismo para explicar aquilo que nem ele, nem ninguém entende.

“If management sets quantitative targets and makes people’s jobs depend on them – they will meet the targets – even if they have to destroy the enterprise to do it.” -W. Edwards Deming

Metas e incentivos corroem a motivação intrínseca

Já leu o nosso texto sobre motivação? Leia antes de continuar. Quando estabelecemos uma meta para alguém seguir, estamos atacando diretamente sua autonomia e distorcendo o seu senso de propósito. Bater a meta e ganhar os incentivos toma o lugar do propósito.

No curto prazo pode ocorrer um aumento do esforço (não necessariamente desempenho) dos que receberam a meta, mas no longo prazo esse efeito diminui e aumenta o stress relacionado ao trabalho e até o nível de energia empregada.

O foco excessivo na meta, além de tirar nosso foco daquilo que é o nosso real propósito, leva para mais um problema, o da manipulação.

Metas estimulam a manipulação

É comum encontrarmos maneiras de manipular um sistema para atingir as metas atribuídas a nós. Fazemos isso de maneira deliberada ou até inocentemente, sem a intenção de causar dano ou mal.

Já ouviu aquela história do vendedor que nos últimos meses do ano, decide não vender muito acima da meta, para não ter uma meta mais alta ainda no ano seguinte?

Criar metas e controlar para que as pessoas não manipulem os números dentro de sua organização gera um ambiente no mínimo desconfortável. Essa separação entre os que criam as metas e os que são obrigados a seguir gera um ambiente onde colaboração, abertura e confiança são atributos difíceis de sustentar.

A Lei de Goodhart

Por fim, Charles Goodhart formulou uma lei que coloca mais uma pedra sobre o assunto. Ele trabalhou no Banco da Inglaterra e foi professor emérito da London School of Economics e fez a seguinte observação:

Quando uma medida torna-se uma meta (ou alvo), ela deixa de ser uma boa medida.

Por isso, se você valoriza análises quantitativas e métricas, não deixe que elas sejam contaminadas pela prática de estabelecer metas.

Ok, como conseguimos os benefícios das metas, mas sem usar as metas?

Alinhamento e foco no que é importante

Tenha um propósito claro para sua organização e um propósito claro para seu time. Defina ou entre em acordo sobre prioridades. Esta conversa pode ser bem mais útil do que discutir metas.

Motivação

Trabalhe para fortalecer a motivação intrínseca, mas não se esqueça de observar se as pessoas estão se sentindo injustiçadas pela remuneração. Leia sobre salários transparentes e justos aqui.

Sensação de progresso e conforto

Não esqueça de celebrar e apreciar a evolução e pequenos sucessos (que podem vir em outras formas, não apenas batendo metas). Utilize métricas e avalie tendências buscando aprender melhor sobre o estado atual de sua organização e negócio.


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