Há uma palavrinha que vive no vocábulo de quase todo mundo que trabalha com design organizacional.
É uma palavrinha que geralmente é utilizada para justificar a necessidade de abordagens disruptivas, de treinamentos que vão mudar o “mindset” das lideranças, de novas formas de trabalho, novas formas de fazer orçamento, novas formas de pensar sobre estratégia, etc, etc.
Sim, estou falando de complexidade.
Como a literatura é extensa e desencorajadora… É normal ver simplificações dessa tal complexidade com jargões do tipo mundo VUCA, BANI ou de que temos que desenhar organizações “antifrágeis”.
Acredito que uma das causas que contribuem para a simplificação excessiva neste campo é a falta de acesso a materiais que não sejam demasiado técnicos.
Neste artigo pretendo abordar o tema com o mínimo de profundidade para que os leitores tenham uma compreensão mais ampla sobre o tema.
Vamos falar muito brevemente sobre as descobertas de Poincaré, a teoria evolutiva de Darwin, a Teoria do Caos, as estruturas dissipativas de Illya Prigogine, o pensamento complexo de Morin, os estudos do Santa Fé Institute e outras cositas.
Para manter a leitura leve e didática, tentarei prover exemplos e vídeos para que os leitores e leitoras possam melhor compreender esses conceitos e manter o tédio num limite confortável.
E no fim, eu gostaria de conectar todo esse compêndio de informações com o que nos interessa, o design organizacional.
A jornada vai ser um pouco longa mas espero que no fim dessa exploração os leitores tenham mais clareza sobre o que é essa tal de complexidade e até onde isso é útil para org designers.
Um termo amplo
O termo Complexidade é utilizado em filosofia, epistemologia, linguística, pedagogia, matemática, química, física, meteorologia, estatística, biologia, sociologia, economia, arquitetura, medicina, psicologia, em ciências da computação ou da informação e sabe-se lá onde mais.
Para cada área de conhecimento, temos variações significativas no significado da palavra.
Para oferecer uma definição ampla, vou citar a Wikipedia:
Trata-se de uma visão interdisciplinar acerca dos sistemas complexos adaptativos, do comportamento emergente de muitos sistemas, da complexidade das redes, da teoria do caos, do comportamento dos sistemas distanciados do equilíbrio termodinâmico e das suas faculdades de auto-organização.
O termo é também usado por alguns como sinônimo de epistemologia da complexidade, um ramo da filosofia da ciência inaugurado no início dos anos 1970 por Edgar Morin, Isabelle Stengers e Ilya Prigogine.
Morin diz que a palavra complexidade vem do latim “complexus”, que quer dizer “o que é tecido junto”. Embora eu tenha certeza que o Morin é uma referência mais do que confiável, não consegui encontrar esta definição em nenhum outro lugar.
Dois pensadores que influenciaram o movimento
Alguns autores atribuem o início deste campo como tendo sido originado por dois autores: Poincaré e Darwin.
Henri Poincaré
Poincaré é frequentemente citado como o pai da teoria do caos e da complexidade. (JACKSON, 2019)
O matemático Poincaré procurava resolver o chamado problema dos “muitos corpos” na mecânica celeste no fim do século XIX.
As leis de Newton eram boas o suficiente para prever o comportamento de dois corpos exercendo forças gravitacionais um sobre o outro, mas era extremamente difícil estendê-las até mesmo para três corpos sujeitos à atração mútua.
Poincaré não conseguiu encontrar uma solução completa, mas compreendeu a fundo a natureza do problema que enfrentava.
Melanie Mitchell, no seu livro Complexity: A Guided Tour de 2009, oferece uma citação de palavras do próprio Poincaré sobre as suas descobertas:
Mesmo se as leis naturais não tivessem mais nenhum segredo para nós, ainda poderíamos conhecer apenas aproximadamente a situação inicial. Se isso nos permitiu prever a situação que se segue com a mesma aproximação, é tudo o que precisamos, e devemos dizer que o fenômeno foi previsto, que é regido por leis.
Mas nem sempre é assim; pode acontecer que pequenas diferenças nas condições iniciais produzam diferenças muito grandes no fenômeno final.
Um pequeno erro no primeiro produzirá um erro enorme no segundo. A previsão torna-se impossível… (MITCHELL, 2009)
Ou seja, não importa se as leis da natureza são conhecidas perfeitamente. Pequenas diferenças nas posições iniciais, massas e velocidades dos objetos podem levar a diferenças significativas na maneira como o sistema se comporta no futuro.
Ele havia descoberto a “dependência sensível das condições iniciais”, uma das assinaturas da teoria do caos.
Charles Darwin
O segundo pensador que teve uma enorme influência nos primórdios da teoria da complexidade é Charles Darwin com a sua teoria evolucionária publicada em 1859 no livro “A origem das Espécies”.
A teoria afirmava que variações aleatórias nas características possuídas por organismos individuais, transmitidas por herança, podem levar ao florescimento de uma determinada espécie porque as novas características são bem adaptadas ao ambiente.
A evolução procede não com base no determinismo, mas como resultado da “seleção natural” dos resultados de eventos casuais. Além disso, os sistemas vivos podem se tornar mais complexos e intrincados, desafiando a segunda lei da termodinâmica.
Há toda a aparência de um design intencional, mas não há necessidade de um grande designer por trás do processo. As ideias de Darwin acenderam um pavio lento que acabou tendo um impacto imenso na forma como a ciência é percebida.
O filósofo pragmatista Charles Pierce, em 1981, parece ter capturado muito bem o impacto da teoria evolucionária na ciência:
Ora, a única maneira possível de explicar as leis da natureza e a uniformidade em geral é supor que são resultados da evolução. Isso supõe que eles não sejam absolutos, não sejam obedecidos com precisão. Há um elemento de indeterminação, espontaneidade ou acaso absoluto na natureza. (Citado em Boulton et al. 2015, p. 63)
Darwin com certeza fez um rombo em toda a ciência e mudou completamente a forma como olhamos para a natureza.
Ao demonstrar que mesmo com um aumento considerável da complexidade as espécies ainda continuaram a se desenvolver, ele desafiou a premissa da segunda lei da termodinâmica(todo sistema tende à disordem).
Segunda Lei da Termodinâmica
Antes de seguir para a Teoria do Caos, vale a pena oferecer uma definição simples da segunda lei da termodinâmica.
A segunda lei da termodinâmica ou segundo princípio da termodinâmica expressa que “a quantidade de entropia de qualquer sistema isolado termodinamicamente tende a incrementar-se com o tempo, até alcançar um valor máximo”.
Mais sensivelmente, quando uma parte de um sistema fechado interage com outra parte, a energia tende a dividir-se por igual, até que o sistema alcance um equilíbrio termodinâmico. (Wikipedia)
Entenda entropia aqui como o grau de desordem de um determinado sistema. Bem, não é exatamente isso. Veja o vídeo acima para entender melhor. :)
Como a ciência netwoniana buscava identificar leis universais que regem a natureza, muitas teorias começaram a buscar essas leis em todos os campos de estudo.
A teoria da complexidade desafia a busca de leis atemporais ao demonstrar que muitos fenômenos parecem se comportar de forma dinâmica, longe de um estado de equilíbrio e que ainda assim demonstram ordem quando a segunda lei da termodinâmica diz que a tendência é o grau de entropia sempre aumentar.
Se a tendência é que a desordem sempre aumente, como é que podemos observar tantos fenômenos que são aparentemente caóticos e ao mesmo tempo exibem ordem no seu comportamento?
Teoria do Caos
O pioneiro no desenvolvimento da Teoria do Caos foi o meteorologista Edward Lorenz.
Lorenz estava trabalhando na questão de predições meteorológicas de longo prazo.
No inverno de 1961, usando um computador digital muito básico, ele estava executando uma simulação meteorológica baseada em algumas equações não lineares relativamente simples.
Ele saiu do escritório para tomar um café enquanto esperava que seu computador terminasse de simular dois meses de clima.
Era uma simulação que ele já havia executado vários dias antes, embora desta vez ele tenha arredondado um dos valores das variáveis de 0,50617 para 0,506 para economizar um pouco de espaço computacional (era um recurso precioso na época).
Quando voltou, com café fresco na mão, descobriu que os resultados eram surpreendentemente diferentes do que havia visto antes.
Lorenz descobriu que pequenas mudanças no estado inicial de um sistema complexo podem alterar significativa e imprevisivelmente seu comportamento a longo prazo.
Ele publicou seus resultados em um artigo de 1963 intitulado “Deterministic Nonperiodic Flow” no Journal of the Atmospheric Sciences. A partir deste ano, o artigo de Lorenz foi citado mais de 22.000 vezes.
Após seu artigo de 1972 “O bater das asas de uma borboleta no Brasil desencadeia um tornado no Texas?” essa dependência sensível das condições iniciais ficou conhecida como “efeito borboleta”.
Lorenz começou a experimentar com conjuntos de equações que descrevem o comportamento de sistemas um pouco mais simples, como uma roda d’água e um sistema de convecção.
Quando foi mapeado o comportamento da roda d’água, observou-se um resultado notável.
A saída sempre permaneceu dentro dos limites de uma curva espiral dupla.
Isso era novo porque anteriormente apenas dois tipos de comportamento haviam sido investigados matematicamente – equilíbrio estável e oscilação periódica regular.
O Estranho Atrator
Os conjuntos simples de equações de Lorenz se comportaram de maneira “a-periódica”, nunca se estabelecendo em um estado estável e nunca se repetindo exatamente.
No entanto, eles foram claramente “atraídos” por um determinado padrão de comportamento. Por isso, Lorenz chamou a imagem que havia produzido de “atrator de Lorenz”.
Desde os experimentos de Lorenz, o comportamento aperiódico tem sido minuciosamente investigado e postula-se que todos os tipos de sistemas naturais e sociais são governados pelo que agora são chamados de “atratores estranhos”.
Um atrator estranho parece manter a trajetória seguida por um sistema imprevisível dentro dos limites de um padrão particular sem exigir que ele se repita exatamente.
Atratores estranhos também produzem “comportamento de auto-semelhança”, dando origem ao mesmo padrão em qualquer escala em que seus efeitos são examinados.
Fractais
Outra investigação independente sobre a auto-semelhança e o surgimento da ordem foi realizada pelo matemático Benoit Mandelbrot e seu trabalho teve uma imensa influência no desenvolvimento da teoria do caos e da complexidade.
Mandelbrot descobriu que existem estruturas na natureza que exibem os mesmos padrões independente da escala em que são analisadas ao estudar padrões em litorais e, pasme, nos preços de algodão no mercado.
Mandelbrot queria medir o comprimento de uma costa marítima e percebeu que a geometria eculidiana não daria conta deste problema porque os litorais são bastante irregulares.
Ele se perguntou, se você tentasse medir um litoral com uma régua de medição infinitamente pequena, você obteria um resultado finito?
A resposta que ele encontrou foi surpreendente: o formato das costas marítimas formam padrões que podem ser encontrados em qualquer escala e parece que é sempre possível aumentar o zoom e acabar encontrando o mesmo padrão, desde que o seu instrumento de medição permita isso.
Os resultados dele foram publicados num paper que hoje é muito famoso, em 67: “How Long Is the Coast of Britain? Statistical Self-Similarity and Fractional Dimension”.
Ele chamou esses padrão de auto-semelhança de “Fractal”.
Este termo descreve um sistema onde as partes parecem ser aproximadamente a mesma coisa que o sistema como um todo em qualquer escala
Sendo assim, podemos observar isso nas costas marítimas, nas nuvens, galáxias, árvores, couve flor e brócolis, flocos de neve, cérebros, raios, sistemas circulatórios, etc, etc.
Todos esses sistemas exibem propriedades de auto-semelhança e podem ser considerados, portanto, fractais.
Veja o vídeo acima do canal Nerdologia para uma explicação didática do conceito cheia de exemplos.
O conceito de fractal foi utilizado no design organizacional em algumas tecnologias sociais como Viable Systems Model, Sociocracia, Holacracia e O2. E provavelmente em muitas outras.
Patrick Hoverstadt explora a fractalidade do VSM no livro “The Fractal Organization”.
De volta ao Caos
O reconhecimento de que “atratores estranhos” possuíam características fractais selou o casamento entre os dois campos de pesquisa.
T.Y. Li e J. A. Yorke deu o nome “caos” para as suas descobertas em um artigo chamado “Period three implies chaos” publicado em 1975 e, no final da década de 1970, o movimento da teoria do caos começou a tomar forma.
Hoje a teoria do caos é uma teoria científica interdisciplinar e um ramo da matemática focado em padrões subjacentes e leis determinísticas altamente sensíveis às condições iniciais em sistemas dinâmicos que se pensava terem estados completamente aleatórios de desordem e irregularidades.(Wikipedia)
A teoria do caos apresenta um universo ao mesmo tempo que obedece às leis físicas fundamentais, mas é capaz de desordem, complexidade e imprevisibilidade.
Isso mostra que a previsibilidade é um fenômeno raro que opera apenas dentro das restrições que a ciência filtrou da rica diversidade de nosso mundo complexo.
Nós lidamos com fenômenos não-lineares que se tornam rapidamente imprevisíveis e complexos todos os dias.
Isso é a natureza caótica do universo e, portanto, dos sistemas sociais que habitamos.
No entanto, o “caos” que se segue não é o caos no sentido cotidiano da palavra. A teoria do caos revelou que, entre a ordem e a desordem completa, pode surgir uma “ordem oculta”.
Nesse meio-termo, o comportamento nunca se repete exatamente da mesma forma, mas é atraído por um “atrator estranho”, que parece impor limites ao que é possível.
Todos os flocos de neve têm seis lados, embora sejam todos diferentes.
É claro que muita gente começou a pirar com essa história de atratores estranhos e começaram a extrapolar o conceito para todas as esferas.
Mas, é importante lembrar que:
Em sistemas sociais e ecológicos, com grande número de elementos (pessoas em uma cidade, espécies em uma floresta), com características diferentes e em evolução, e impactados por inúmeras mudanças internas e externas, é muito mais difícil discernir a influência de atratores estranhos (Boulton et al. 2015).
No entanto, é certo que a teoria do caos pode nos oferecer metáforas bem úteis para descrever alguns fenômenos sociais.
Afinal… as decisões que tomamos em nossas vidas diariamente, embora aparentemente pequenas, têm consequências bastante significativas em nossos futuros.
Peter Senge, com sua pesquisa sobre arquétipos de sistemas, liderou a busca por atratores estranhos em sistemas sociais. (Jackson, 2019)
Estruturas Dissipativas
O conceito de “estruturas dissipativas” foi originado por Ilya Prigogine, físico-químico belga que, em 1977, ganhou o Prêmio Nobel de Química por seu trabalho em termodinâmica de não equilíbrio.
Ao elaborar sua ideia, Prigogine se inspirou na teoria evolucionária de Darwin para cortar laços tanto com a mecânica de Newton quanto com a segunda lei da termodinâmica.
Na mecânica newtoniana, o universo é considerado tanto determinístico quanto reversível.
Nesta perspectiva, reverter o movimento de cada partícula em algum instante poderia retornar o universo inteiro a um estado anterior.
Certamente que isso não é verdade. Não sei quanto a você, mas eu nunca vi os vários copos que já derrubei nos bares voltando ao normal.
A segunda lei da termodinâmica, por outro lado, aceita que mudanças irreversíveis ocorrem, mas apenas na direção da desordem máxima. Isso não deixa espaço para a evolução biológica e social, que é claramente acompanhada por níveis crescentes de organização.
Segundo Capra (1996), Ludwig von Bertalanffy deu um passo fundamental ao reconhecer que os organismos vivos são sistemas abertos que não podem ser descritos pela termodinâmica clássica.
Ele chamou esses sistemas de “abertos”, porque eles precisam se alimentar de um contínuo fluxo de matéria e energia extraídas do seu meio ambiente para permanecerem vivos.
Diferentemente dos sistemas fechados, que se estabelecem num estado de equilíbrio térmico, os sistemas abertos se mantêm afastados do equilíbrio (CAPRA 1996, p. 55).
Para Prigogine (Prigogine e Stengers 1984), generalizando von Bertalanffy, a ciência tradicional se concentrou por muito tempo em sistemas em estado de “equilíbrio termodinâmico” e, portanto, não conseguia explicar como os sistemas naturais evoluem e mudam.
Os sistemas abertos estão continuamente sujeitos a “flutuações” internas e externas e, como resultado de ciclos de retroalimentação, essas flutuações podem ser poderosas o suficiente para levar os sistemas para longe do equilíbrio.
Enfim, a teoria das estruturas dissipativas descreve sistemas que:
a) Captam recursos do ambiente e eliminam externalidades, resíduos; b) apresentam um padrão de organização emergente a partir de um ponto crítico.
Uma estrutura dissipativa é caracterizada por Paiva (2001) como “um processo de auto-organização que se desenvolve no não-equilíbrio que freqüentemente resulta em uma estrutura que apresenta uma forma muito mais complexa de comportamento. Sua característica distintiva é que ela requer uma entrada contínua de energia para ser sustentada
”.
Prigogine mostrou que, sob certas condições, sistemas são capazes de passar pela aleatoriedade e alcançar um novo nível de ordem como “estruturas dissipativas” – assim chamadas porque requerem energia de fora para evitar que eles se dissipem.
Talvez o exemplo mais comum desse processo de auto-organização seja a instabilidade de Bénard. Veja uma demonstração no vídeo abaixo:
A descrição do prêmio Nobel de Prigogine explica o processo:
Isso é formado quando uma camada de líquido é aquecida por baixo. A uma dada temperatura a condução de calor começa a ocorrer predominantemente por convecção, e pode-se observar que células de convecção hexagonais regularmente espaçadas são formadas na camada de líquido.
Esta estrutura é totalmente dependente do fornecimento de calor e desaparece quando este cessa. (Comitê do Prêmio Nobel 1977)
Em vez de se concentrar na inevitabilidade do decaimento à medida que os sistemas atingem um estado de entropia máxima, como faz a termodinâmica clássica, a teoria das estruturas dissipativas destaca a capacidade dos sistemas abertos de evoluir para uma maior complexidade por meio da auto-organização espontânea e de se manterem em ordem em condições instáveis longe do estado de equilíbrio.
Não apenas o caso da instabilidade de Bénard, mas, de acordo com Paiva (2001, p.1), a maioria dos fenômenos encontrados na natureza e até mesmo no comportamento humano podem ser descritos pela teoria das estruturas dissipativas, por apresentarem, de um lado, ordem e estabilidade e, de outro, a desordem e a irregularidade.
Exemplos de tais fenômenos seriam as mudanças no clima, redemoinhos de vento ou redemoinhos em geral, movimentos irregulares em taxas de lucros, em preços de ações e no dólar.
Neste ponto de passagem de equilíbrio para o não-equilíbrio emerge espontaneamente um padrão ordenado.
Essa descoberta é genial e é uma fonte infinita de inspiração para facilitadores, designers organizacionais e pensadores sistêmicos porque oferece uma hipótese de que sistemas podem passar pela desordem antes de se auto-organizarem espontaneamente em novos estados dramaticamente diferentes do que aconteceu antes.
Este conceito é amplamente explorado no modelo “double diamond” do Design Thinking, por exemplo.
O que emerge depende da forma existente do sistema, mas também dos efeitos de quaisquer novos desenvolvimentos e variações que ocorram em tempos e lugares específicos em sua jornada.
Tudo indica que os processos que observamos na natureza são de fato irreversíveis.
Os sistemas biológicos, ecológicos e sociais são abertos, estão repletos de desordem e demonstram mudanças irreversíveis, e Prigogine acredita que sua “nova ciência” pode fornecer uma melhor compreensão de seu comportamento.
Está claro para ele que os organismos vivos são estruturas dissipativas, capazes de manter e desenvolver sua complexidade enquanto continuarem a receber insumos de energia.
Prigogine influenciou muitas gerações com as suas elegantes ideias. O termo organizações caórdicas cunhado por Dee Hock(fundador da VISA) foi provavelmente inspirado nas ideias de Prigogine.
Gerard Endenburg, criador da Sociocracia, referenciou Prigogine e as suas estruturas dissipativas como inspiração. Para mim está muito claro que, na Holacracia e O2, os círculos, papéis e políticas são, metaforicamente, estruturas dissipativas.
Sistemas Complexos Adaptativos
O ano de 1984 viu o estabelecimento do Instituto Santa Fe(SFI), no Novo México. Desde então, tornou-se o mais famoso centro de pesquisa em sistemas complexos.
O termo “teoria do caos” já estava dando lugar à concepção mais ampla de “teoria da complexidade” e o SFI declarou explicitamente seu desejo de promover as “sínteses emergentes na ciência” por meio de uma nova área de pesquisa interdisciplinar chamada teoria da complexidade.
Holland(2014) faz uma distinção, vendo a teoria do caos como restrita ao estudo de “sistemas físicos complexos” contendo elementos com propriedades fixas, enquanto a área de pesquisa mais ampla da “teoria da complexidade” também abrange “sistemas complexos adaptativos”, que consistem em agentes que são capazes de aprender e se adaptar à medida que interagem com outros agentes.
Em sistemas complexos adaptativos, as interações dos agentes geram comportamento emergente e auto-organizado.
Mitchell propõe uma definição de um sistema complexo desse tipo como… um sistema no qual grandes redes de componentes sem controle central e regras simples de operação dão origem a um comportamento coletivo complexo, processamento sofisticado de informações e adaptação via aprendizado ou evolução. (2009, pág. 13)
Modelos baseados em agentes
Grande parte do trabalho do SFI consistiu em usar técnicas computacionais para conduzir “modelagem baseada em agentes” do comportamento de sistemas complexos.
A modelagem baseada em agentes funciona de “baixo pra cima” e busca explicar o comportamento de um sistema como um todo em função das regras de interação dos “agentes” que constituem o sistema.
Isso difere da teoria do caos e da teoria das estruturas dissipativas, que usam macro-equações para construir modelos de todo o sistema (Burnes 2005).
A esperança é que, embora sistemas complexos geralmente contenham um grande número de agentes, seja possível descobrir regras simples que governem suas interações locais e produzam as estruturas emergentes ou padrões de comportamento que são observados.
Há um exemplo clássico de modelagem feita por Craig Reynolds que oferece um conjunto de três regras simples que poderiam explicar o comportamento de bandos de pássaros. Esta é uma simulação conhecida como “Boids”, onde cada agente(pássaro), é um boid.
As regras são:
- Separação: Desvie para evitar agrupamentos densos com outros pássaros.
- Alinhamento: Escolha sempre a direção que parece ser a predominante entre o maior número de pássaros possível.
- Coesão: Tente se manter o mais próximo possível dos outros ainda respeitando o critério de separação.
Veja a simulação rodando neste link.
Não existe um plano geral no nível do sistema. Não existe um líder. O agrupamento surge como um atrator, que é o resultado da interação dos Boids de acordo com as regras locais.
Outra fonte de inspiração relacionada para modelos baseados em agentes, no SFI, tem sido o comportamento auto-organizado de insetos sociais, como formigas, abelhas, cupins e vespas.
Em colônias ou enxames, esses insetos exibem uma espécie de “inteligência coletiva”, embora não haja controle geral e nenhum agente individual entenda o que está acontecendo.
Peter Miller, então editor sênior da National Geographic, popularizou essas descobertas em seu livro The Smart Swarm: How to Work Efficiently, Communicate Effectively, and Make Better Decisions Using the Secrets of Flocks, Schools, and Colonies (2011).
Ele acredita que estudar como os insetos sociais funcionam em colônias ou enxames podem ajudar os humanos a lidar com seus próprios problemas complexos.
Os pesquisadores do SFI usaram modelos mais sofisticados baseados em agentes para simular o comportamento de, entre outras coisas, padrões de tráfego, internet, ecossistemas, incêndios florestais, epidemias, desenvolvimentos tecnológicos, pandemias, bolsa de valores e toda a economia.
Você pode explorar uma infinidade desses modelos e brincar com eles neste site.
Esses modelos geralmente são uma melhoria do que tínhamos disponível antes para compreender todos esses fenômenos e sistemas.
Certamente é melhor representar uma economia como um sistema adaptativo complexo que dá origem a propriedades emergentes que são o resultado das interações entre agentes múltiplos e diversos do que imaginá-la como um sistema em equilíbrio que precisa de uma mão invisível para regular o mercado.
No entanto, a capacidade dos modelos de descrever e explicar, e muito menos nos ajudar a gerir, sistemas biológicos, ecológicos e sociais reais e complexos permanece em dúvida (Jackson, 2019.)
Pensamento Complexo de Edgar Morin
Morin é autor de mais de 30 livros e possui uma extensa pesquisa acerca da complexidade enquanto paradigma científico e filosófico.
No seu livro “Introdução ao Pensamento Complexo” ele faz uma análise detalhada de como a ciência tradicional acabou por inibir várias formas de conhecimento porque estava associada aos interesses das revoluções burguesas.
Ele afirma que os estados nacionais só puderam ser organizados a partir do conhecimento estatístico, do controle quantitativo da economia, dos territórios e das populações.
Como o método das ciências naturais acabou por se estender às ciências sociais (graças a pensadores como Comte, Spencer e outros), acabou-se por formar-se um paradigma que Morin chama de disjuntor-e-redutor.
Disjuntor porque separa a ciência da filosofia e redutor porque busca simplificar a complexidade da realidade a partir do reducionismo cartesiano.
Neste artigo sobre pensamento sistêmico eu fiz uma breve menção à pesquisa da Maria José Vasconcellos e cito brevemente os três pressupostos da complexidade enunciados por Morin.
Não pretendo me aprofundar muito na filosofia de Morin, mas quero reconhecer que a pesquisa dele, sem dúvida alguma, teve um grande impacto em toda a ciência da complexidade.
Edgar Morin faz uma distinção entre “complexidade restrita” e “complexidade geral”.
A Complexidade restrita permanece escrava da epistemologia da ciência tradicional e vê a complexidade como emergente das interações de componentes ou agentes simples.
Assume que a complexidade pode ser explicada com base no desenvolvimento de equações não lineares ou em algumas regras que governam as interações dos agentes, como os pesquisadores do Santa Fé Institute.
Os sistemas climáticos podem ser difíceis de prever, mas os meteorologistas conhecem as equações básicas que os fundamentam.
O comportamento de bandos de pássaros pode parecer insondável, mas apenas três regras precisam ser conhecidas para construir simulações de computador precisas. A principal preocupação é com o caos determinístico.
Este não é o mundo encontrado por designers organizacionais.
Org Designers enfrentam a “complexidade geral” na qual os próprios atores humanos são entidades complexas e há interações mútuas entre os níveis micro e macro do sistema, ambos possuindo influências causais.
Esta é uma realidade de “sistemas aninhados, mas interpenetrantes, com influências causais correndo em todas as direções” (Byrne e Callaghan 2014, loc. 1122).
Não dá pra simular isso num computador.
Uma das vertentes do pensamento sistêmico, a cibernética, foi amplamente difundida em diversos campos, inclusive no mundo do design organizacional.
A Cibernética, comumente confundida com “coisas tecnológicas” ou apenas como tecnologia da informação, é um campo de estudo que foi definido por Norbert Wiener como “o estudo da comunicação e do controle no animal e na máquina”.
Segundo Vasconcellos (2010), Morin afirma que “a Cibernética, além de não ter desenvolvido o princípio da complexidade, subordinou a comunicação ao comando, tornando- se uma ciência do controle organizacional e conduzindo a práticas tecnocêntricas, tecnomórficas e tecnocráticas”.
Assim, Edgar Morin propõe um movimento que resgate e integre todos os momentos e aspectos da Cibernética de primeira ordem fazendo emergir um novo olhar, que considere a noção de obrigação recíproca entre as partes.
Esta proposta de Morin vai de encontro com uma ramificação do campo, conhecido como cibernética de segunda ordem.
A cibernética de primeira ordem descrevia os sistemas como se fossem independentes de quem os observa. A cibernética de segunda ordem inclui o observador no sistema observado, por isso segunda ordem.
Esta discussão é importante porque representa uma ruptura com uma perspectiva ontológica e realista dos sistemas e se configura como uma epistemologia, isto é, a cibernética de segunda ordem funciona como um instrumento de investigação das percepções do obervador.
Este foi um salto essencial no pensamento sistêmico porque trouxe o pressuposto da intersubjetividade.
Complexidade e Pensamento Sistêmico
Tudo que foi abordado neste artigo até agora pode ser compreendido como sendo parte das várias faces das ciência da complexidade.
O que foi apresentado aqui com certeza não representa o campo como um todo.
O mapa abaixo traz uma visão simplificada de algumas ramificações e influências da ciência da complexidade:
Creio que o autor do diagrama é o Brian Castelliani.
Esta outra imagem, que certamente é do Castelliani, oferece uma visão mais ampla das várias ramificações das ciências complexas:
Ambas as imagens estão, como é óbvio, representando apenas uma fração das várias intersecções entre os campos de estudo que compõem a diversidade de tudo isso que chamamos de complexidade.
Este diagrama também tenta evidenciar as intersecções entre o pensamento sistêmico e a ciência da complexidade.
Diferenças entre as abordagens
Existem muitas discussões no mundo organizacional sobre a compatibilidade das abordagens sistêmicas com a ciência da complexidade.
Ralph Stacey, renomado pesquisador e divulgador da complexidade aplicada às organizações, desenvolveu uma teoria chamada “complex responsive processes of relating“, abreviado como CRP, que segundo ele, oferece uma alternativa radical ao pensamento sistêmico.
Stacey afirma que esta abordagem “desafia” as “maneiras limitadas de entender” a vida organizacional oferecidas pelo pensamento sistêmico e permite que a teoria da complexidade encontre uma voz original (JACKSON, 2019).
Uma imagem mais realista do que acontece nas organizações, argumenta Stacey, só pode ser alcançada se abandonarmos a noção de que a ação humana ocorre em um sistema.
Aqui o foco está nas micro-interações e relacionamentos entre as pessoas e como elas dão origem ao potencial emergente e criativo das organizações à medida que elas alcançam um futuro que é incognoscível porque está em construção perpétua.
Muitos, no entanto, discordam de Stacey e afirmam que o pensamento sistêmico possui muitas abordagens diferentes que também dão conta da complexidade referida.
Michael C. Jackson, no seu livro “Critical Systems Thinking and the Management of Complexity”, afirma que a crítica de Stacey teria algum peso se a única forma de pensamento sistêmico disponível fosse “funcionalista”, referindo-se a ao paradigma sociológico “estrutural funcionalismo”.
Jackson organiza as diferentes abordagens do pensamento sistêmico em três campos:
Retirado do livro “Systems Approaches to Making Change” por Martin Reynolds e Sue Holwell
- Hard Systems Thinking: não incluem o observador e se referem a sistemas como entidades reais, independentes do observador.
- Soft Systems Thinking: incluem o observador e compreendem sistemas como construtos sociais que possuem diversas interpretações possíveis.
- Critical Systems Thinking: observam interações entre pares e relações de poder para mapear e desenhar intervenções, além disso essas abordagens assumem uma postura crítica sobre qual abordagem utilizar em cada contexto.
Essas definições são importantes para compreender o descontentamento de alguns autores com as afirmações de Stacey e outros que afirmam que a complexidade “se afasta do pensamento sistêmico”.
Teóricos sociais interpretativos como George Mead, uma das luzes orientadoras de Stacey, partem da posição de que a realidade social é o produto da ação e interação de atores sociais individuais.
E isso também é capturado muito bem em metodologias como SSM e Interactive Planning, que estão dentro do conjunto de metodologias “soft”, na organização proposta por Jackson. E tanto o Ackoff como Checkland, também operam num paradigma sociológico interpretativo.
Jackson afirma que Stacey entende errado o pensamento de sistemas “soft” porque acha que trata as organizações “como se” fossem sistemas que podem ser gerenciados externamente. Este não é o caso.
Os consultores que trabalham com uma abordagem “soft” oferecem a noção de “sistema” a todos os stakeholders de uma organização como um construto que eles podem empregar para aumentar sua criatividade e melhorar suas chances de alcançar o que desejam por meio de interações e explorações colaborativas.
Bom, essa é uma discussão praticamente infinita.
O que é importante dizer aqui é que, embora existam muitas sobreposições entre o pensamento sistêmico e a complexidade, esses campos de estudo possuem diferenças substanciais.
Muitos autores parecem corroborar a ideia de que embora a complexidade ofereça metáforas úteis para compreender os fenômenos sociais de uma organização, a utilidade desses conceitos na prática ainda são questionáveis.
Jackson afirma que “devemos concluir que a teoria da complexidade fica aquém em suas tentativas de demonstrar que existem leis científicas ou analogias que podem ajudar os gestores a entenderem e melhorar o desempenho dos sistemas complexos adaptativos com os quais eles têm que lidar.”
Enquanto isso, as abordagens do pensamento sistêmico estão sendo aplicadas e reproduzidas por milhares de pessoas em diversos tipos de organizações desde os anos 60.
Complexidade e Design Organizacional
O mundo que os org designers habitam muitas vezes pode ser aleatório, imprevisível, de alto risco e confuso.
A teoria da complexidade parece oferecer uma descrição melhor desta realidade do que outras teorias de gestão. Também promete encontrar ordem no meio de todo o caos.
Essa combinação provou-se irresistível para os escritores de administração e gestão, muitos dos quais consideram os insights da teoria da complexidade como sendo de grande importância (JACKSON, 2019).
Begun coloca o caso, argumentando que… a teoria do caos e da complexidade nos convida a explorar os 95% do mundo organizacional que evitamos porque é muito turvo, obscuro e intimidador. Ou, nossas teorias e métodos simplesmente não nos permitiram ver isso. A integração da teoria do caos e da complexidade na ciência organizacional fertilizará o solo do canteiro de teorias da disciplina … permitindo que algumas flores e frutos cresçam. (1994)
Rosenhead (1998) concorda que as metáforas derivadas da teoria da complexidade podem ser úteis quando desafiam a visão clássica de que o consenso nas organizações é uma coisa boa. A visão compartilhada pode levar ao pensamento de grupo(groupthinking). As disputas podem ajudar a promover a criatividade e o aprendizado necessários para a viabilidade e eficácia organizacional.
Kuhn (2009) argumenta que olhar através de uma “lente da complexidade” é útil para entender e gerir organizações porque: remove as esperanças simplistas de uma existência ordenada e controlada na qual podemos moldar as organizações à nossa própria imagem.
Uma interpretação ponderada do valor da teoria das estruturas dissipativas de Prigogine para as ciências sociais e para a gestão é oferecida por Boulton et al, no livro “Embracing Complexity: Strategic Perspectives for an Age of Turbulence”:
Os modelos de Prigogine, abrangendo “fluxos internos e externos de flutuações” e diversidade microscópica, entram no “reino dos modelos evolutivos complexos” que são relevantes tanto nas ciências sociais quanto nas naturais. Os detalhes são diferentes, por causa da autoconsciência humana e do livre arbítrio, mas os conceitos se transferem.
Stacey (1996) afirma que “embora devamos confiar no caos, às vezes ele precisa de uma mão amiga.” Ele acha que os org designers precisam levar as organizações à “borda do caos”, porque é aí que os sistemas complexos adaptativos exibem plenamente seu potencial de criatividade e inovação.
Uma visão de complexidade vê a organização numa evolução contínua, orgânica e reflexiva – interagindo continuamente com seu ambiente.
A organização está em um estado contínuo de emergência e seu futuro depende dos vários caminhos possíveis. Isso quer dizer que o escopo para que a mudança na organização aconteça é limitado por ações e decisões passadas e ainda assim capaz de mudar.
Não é uma entidade estática que pode ser vista como uma ‘estrutura’ estável de cargos, linhas de report e responsabilidades. Certamente não pode ser visto como uma máquina ou um ‘instrumento’ daqueles que pensam que podem controlá-lo.
Para Stacey, a própria organização é vista como “um processo de construção perpétua a partir das microinterações entre os humanos (incluindo gestores e seus assessores) na medida em que se relacionam entre si por meio de símbolos.”
Esses símbolos, geralmente na forma de linguagem, consistem em gestos e respostas entrelaçadas com emoções. Eles formam temas que produzem padrões de conversação e relações de poder, permitindo que algumas coisas sejam ditas, feitas e pensadas enquanto impedem que outras coisas venham à tona. Tais padrões agem como atratores estranhos em sistemas adaptativos complexos.
Os gestores precisam se sentir confortáveis sabendo que há muita coisa que eles não podem saber.
Nessas circunstâncias, o melhor curso de ação pode ser manter as opções abertas pelo maior tempo possível ou simplesmente agir da melhor maneira possível, em uma base ética, reconhecendo que o resultado é incerto.
Discussões sobre mudanças sempre provocam ansiedade, então é importante construir confiança suficiente entre os participantes para permitir que conversas difíceis ocorram.
Enfim, certamente que a teoria da complexidade contribuiu muito para construir uma narrativa que descreve a natureza instável e intersubjetiva das organizações melhor do que tínhamos antes com modelos industriais sendo generalizados para qualquer contexto organizacional. Esses modelos carregavam as premissas da ciência tradicional, que via o mundo como um ambiente estável, objetivo e simples.
Jackson afirma que as abordagens do pensamento sistêmico possuem um histórico de aplicações consistentes nas últimas décadas e portanto, está um pouco à frente da ciência da complexidade em, pelo menos, três aspectos.
- Primeiro, desde o advento da variante emancipatória, o pensamento sistêmico relaciona abordagens sistêmicas à teoria social em um esforço autoconsciente, de segunda ordem, e muito progresso foi feito.
- Em segundo lugar, impulsionado por uma ênfase prática em fazer as coisas para trazer melhorias, o pensamento sistêmico desenvolveu uma série de metodologias que são bem articuladas o suficiente para serem testadas por pesquisadores e aplicadas por gerentes e outros profissionais.
- Em terceiro lugar, a abordagem Critical Systems Thinking tem procurado desenvolver meios para o uso combinado de abordagens sistêmicas, aproveitando os diferentes pontos fortes que possuem. Assim, embora devamos notar a capacidade da teoria da complexidade, com sua rica gama de conceitos elegantes, de acrescentar ao que já foi alcançado, também devemos reconhecer que há muito a ser feito antes que ela possa oferecer tanto aos org designers quanto o pensamento sistêmico.
Conclusão
Cobrimos muito chão até agora. Faz-se necessária uma sumarização dos conceitos-chave que abordamos para que toda essa compilação cumpra o seu objetivo: oferecer mais clareza sobre o que é complexidade e como isso pode ser útil para designers organizacionais.
Teoria do Caos
Aprendemos com a Teoria do Caos que pequenas alterações nas condições iniciais de um sistema podem causar grandes impactos que são completamente imprevisíveis.
Embora alguns fenômenos sejam caóticos, ainda é possível observar padrões que são conhecidos como “atratores estranhos”.
Além disso, também vimos que os atratores estranhos parecem se comportar como fractais, isto é, padrões que podem ser observados repetidamente independente da escala observada.
Estruturas Dissipativas
Aprendemos com a teoria das estruturas dissipativas que sistemas abertos não podem ser descritos pela termodinâmica clássica, uma vez que operam naturalmente longe do equilíbrio.
Prigogine demonstrou que processos de auto-organização ocorrem nesses estados longe de equilíbrio e acabam por apresentar um comportamento complexo.
Dada a complexidade desses fenômenos, podemos descrevê-los como processos irreversíveis, que não estão sujeitos à mecânica clássica de Newton.
A maior inferência que pode ser extraída daqui é que processos aparentemente caóticos possuem uma ordem oculta que se manifesta de forma espontânea.
Sistemas Complexos Adaptativos
Podemos observar estruturas emergentes de fenômenos sociais a partir das “regras de interação locais” entre os agentes do sistema.
Regras simples podem gerar comportamento complexo, como vimos no caso da simulação dos Boids.
É possível construir modelos de comportamentos complexos a partir dessas regras de interação local.
Pensamento Complexo de Morin
Morin nos oferece uma distinção útil entre complexidade restrita e complexidade geral.
A Complexidade Restrita assume que a complexidade pode ser explicada com base no desenvolvimento de equações não lineares ou em algumas regras que governam as interações dos agentes, como os pesquisadores do Santa Fé Institute.
A Complexidade Geral assume que os próprios atores humanos são entidades complexas e há interações mútuas entre os níveis micro e macro do sistema, ambos possuindo poder causal.
Morin também contribui com críticas para a cibernética de primeira ordem que são fundamentais dentro da discussão Pensamento Sistêmico vs Complexidade.
Complexidade e Pensamento Sistêmico
Vimos que a ciência da complexidade é fortemente influenciada pelo pensamento sistêmico e suas várias abordagens.
Exploramos uma discussão bastante presente no meio que discute a questão das limitações de abordagens sistêmicas “hard” para lidar com problemas complexos.
Aprendemos um pouco sobre a abordagem CRP do Ralph Stacey e como ele quer tornar a ciência da complexidade livre do que ele entende por pensamento sistêmico. Como vimos, esta afirmação só permanece válida se apenas as abordagens “hard” forem consideradas.
Complexidade e Design Organizacional
Exploramos algumas perspectivas de autores que julgam a ciência da complexidade como sendo útil para lidar com algumas questões organizacionais e sociais.
Também vimos que, aparentemente, as abordagens sistêmicas estão um pouco à frente da ciência da complexidade no que diz respeito a intervenções práticas embasadas em métodos que foram empíricamente verificados.
Resumo da ópera
Eu particularmente vejo bastante valor nas metáforas que a ciência da complexidade me oferece para descrever a instabilidade e intersubjetividade dos sistemas sociais.
Mas, de fato, este é o limite. Na hora de desenhar intervenções, acabo por recorrer a abordagens sistêmicas como Soft Systems Methodology, Interactive Planning, Viable System Model, Systems Dynamics e a própria cibernética de segunda ordem.
Ao tomar consciência de todas as nuances deste campo, passei a dosar com cuidado as minhas simplificações desses conceitos e o que eles de fato implicam no meio organizacional.
Para mim é importante que os meus clientes compreendam a dependência sensível de condições iniciais, a necessidade de operar longe de estados de equilíbrio em alguns momentos e a impossibilidade de prever o futuro.
Também é útil entender que não precisamos de sistemas burocráticos excessivamente complicados. Regras simples podem gerar comportamento complexo.
Se já identificamos alguns padrões recorrentes que parecem levar a mais problemas do que tínhamos antes, também parece ser útil contar com um conceito como os “atratores estranhos”, embora isso seja complicado demais para explicar para um cliente.
De qualquer forma, eu acho que o convite, independente da treta entre as ciências da complexidade e o pensamento sistêmico, é abraçar a incerteza, a instabilidade e a intersubjetividade da realidade que experimentamos no dia a dia.
Acredito que abordagens como O2, Estruturas Libertadoras, Open Space Technology, Beyond Budgeting e algumas nuances do Design Thinking podem contribuir para lidar com ambientes complexos em organizações.
Mas tudo isso pode funcionar muito melhor se amparado pelas várias abordagens do pensamento sistêmico.
Aproveito então para fazer o jabá do nosso curso de Pensamento Sistêmico e Complexidade Aplicados (PESCA) à organizações, onde falamos um pouco sobre como o pensamento sistêmico pode nos ajudar a modelar e intervir em sistemas sociais complexos e adaptativos.
Recomendo também a leitura do artigo introdutório sobre Pensamento Sistêmico.
E, como não podia faltar, a leitura do artigo “Falácia dos Modelos“, onde discuto questões epistemológicas.
Em breve vamos publicar um artigo onde mostramos alguns casos reais onde esses conceitos são utilizados pra coisa ficar mais palpável.
Obrigado por ler até aqui! :)
Bibliografia
Boulton, J. G., Allen, P. M., & Bowman, C. (2015). Embracing complexity: Strategic perspectives for an age of turbulence. Oxford University Press, USA.
Byrne, D., & Callaghan, G. (2013). Complexity theory and the social sciences: The state of the art. Routledge.
Capra, F., & Luisi, P. L. (2016). The systems view of life: A unifying vision. Cambridge University Press.
Jackson, M. C. (2019). Critical systems thinking and the management of complexity. Wiley.
Jantsch, E. (1980). The self-organizing universe: Scientific and human implications of the emerging paradigm of evolution. Pergamon.
Kindi, V., & Arabatzis, T. (2013). Kuhn’s the structure of scientific revolutions revisited. Routledge.
Mitchell, M. (2011). Complexity: A guided tour. OUP USA.
Morin, E. (2006). Introdução AO pensamento complexo.
Prigogine, I., & Stengers, I. (1997). The end of certainty. Simon & Schuster.
Prigogine, I., & Stengers, I. (2018). Order out of chaos: Man’s new dialogue with nature. Verso Books.
Stacey, R. D., & Mowles, C. (2016). Strategic management and organisational dynamics: The challenge of complexity to ways of thinking about organisations.
Endenburg, G. (1988). Sociocracy: The organization of decision-making ; “no objection” as the principle of Sociocracy.
[…] O POSIWID é bastante útil para auxiliar no processo de mapeamento de sistemas e identificar modelos falaciosos. Ao observar sistemas com uma postura crítica, acredito que teremos melhores chances ao lidar com a complexidade do design organizacional. […]
Mais uma excelente introdução, bem sumarizado para quem esta engatinhando nessa história toda. Dei uma olhada nas opções da referencia para continuar os estudos e comecei pelo “Complexity: A guided tour”, me pareceu e esta se confirmando uma boa leitura de entrada para o mundo da complexidade. Muito obrigado mais uma vez pelo conteúdo Ravi.
Gostei e aprendi muito com todos os assuntos em que toca.
Interessa-me sobretudo a complexidade e conheço razoavelmente o pensamento de Morin, mas tudo foi muito interessante.
Muito obrigado!